19 Abril 2011
Pirataria é um termo questionável para o advogado Marcos Wachowicz. Segundo ele, “não se trata de dizer que a pirataria ganhou. Ao contrário, a pirataria é quando nós temos a venda de um produto, que é copiado, e seja vendido com caráter econômico. Um mero download na internet não tem finalidade econômica. Tem, isto sim, finalidade de busca de acesso e difusão do conhecimento e da cultura”. Na entrevista que concedeu à IHU On-Line, realizada por telefone, Wachowicz começa analisando a forma como a discussão sobre propriedade intelectual tem sido tratada dentro das universidades e reflete sobre a questão das fotocópias feitas nas instituições de ensino. “A forma pela qual o Xerox é utilizado nas universidades é realmente uma infração à Lei de Direitos Autorais, mas o uso da fotocópia ou da reprodução de uma parte de um livro, feita sem finalidade lucrativa pelo próprio aluno, não é uma contratação do direito de autor”, comenta.
Marcos Wachowicz é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa-Portugal e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Atua como professor de Propriedade Intelectual na Universidade Federal de Santa Catarina. Entre seus livros, destacamos: Propriedade Intelectual do Software e Revolução da Tecnologia da Informação (Curitiba: Editora Juruá, 2004) e Estudos de Direito de Autor: A Revisão da Lei de Direitos Autorais (Florianópolis: Editora Boiteux, 2010).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A grande questão nas instituições de ensino ainda é o uso da máquina fotocopiadora (xerox). Como trabalhar a questão da socialização do conhecimento nesse contexto?
Marcos Wachowicz – A universidade é, como o próprio nome diz, o lugar do conhecimento. Então, não se justifica que a produção de conhecimento seja apenas para consumo próprio. Pelo contrário, ela se expande, tem como destinatário a própria sociedade. A universidade pública no Brasil é a que mais produz pesquisa e conhecimento. Neste sentido, a socialização do conhecimento gerado pelas universidades públicas se dá pela divulgação e acesso a grande base de dados dessa produção, que são as teses de doutorado, as dissertações de mestrado colocadas à disposição nas bibliotecas ou de forma que a sociedade possa ter acesso por meio da internet.
A questão do fotocópia na universidade deve ser trabalhada com uma condição mais específica, porque o que nós estamos verificando é que o xerox é uma forma pela qual o estudante busca acesso a uma determinada obra que não está disponível, ou não está acessível a ele naquele determinado momento. No entanto, a forma pela qual a máquina de xerox é utilizada nas universidades é realmente uma infração à Lei de Direitos Autorais, mas o uso da fotocópia ou da reprodução de uma parte de um livro, feita sem finalidade lucrativa pelo próprio aluno, não é uma contratação do direito de autor.
O que viola o direito de autor é a exploração econômica, é você pegar um livro e pedir para copiá-lo, no todo ou apenas um trecho. Neste caso, nós estamos diante de uma finalidade econômica, não do copista, mas de quem está enviando a cópia para ele.
IHU On-Line – O que está em jogo na discussão sobre downloads de bens intelectuais?
Marcos Wachowicz – A partir do momento em que a internet se estabelece com força, ainda em 1995, nós tivemos uma popularização de acessos. A partir de 2005, nós tivemos o que se chama de Web 2.0, ou seja, uma outra revolução dentro da internet. Isso quer dizer que as pessoas deixaram de ser apenas receptoras de informações, mas passaram também a postar, a fazer downloads e uploads de conteúdo na internet. E essa é a essência da rede: compartilhamento de arquivos, compartilhamento de dados.
A internet, quando surgiu – quando ela saiu do meio militar –, foi para a sociedade civil através de cinco universidades americanas e a usavam para fazer compartilhamento. Nós não podemos imaginar que nós estamos fazendo a mesma relação analógica. O download na internet é uma nova forma de compartilhamento, que dispensa o intermediário. Muitas vezes, para você ter acesso a um livro que não está disponível nas bibliotecas, ou ainda que não está disponível nas livrarias, ou acesso a músicas que não estão disponíveis em uma loja de CDs, pode encontrá-los na rede. Fazer desses downloads um uso econômico é uma infração.
O compartilhamento de arquivos precisa ser visto com cautela. A internet e as novas tecnologias forçaram uma mudança nos meios tradicionais de negócio. Então, as editoras e gravadoras que querem continuar com as mesmas capacidades de distribuição física contestam isso. O fato é que o compartilhamento de arquivos na internet não traz prejuízos injustificados ao autor. Se nós analisarmos da parte musical, nós temos uma diversidade de títulos e de músicas na internet que nós não teríamos se olhássemos para a loja de CDs. Isso porque a internet faz com que o intermediário, aquele que ganha dinheiro entre o músico e o destinatário final, tenha seu papel minimizado. Quando se fala em direito de autor e se estabelece quem ganha com isso, apenas 5% do valor arrecadado com o livro vai para o autor, 40% para o distribuidor, e entre 50 a 60% fica com a editora.
IHU On-Line – Para o senhor, o que é pirataria?
Marcos Wachowicz – Pirataria é um termo utilizado no século XIX para roubar navios. Será que nós estamos falando de pirataria de conhecimento? Será que toda vez que eu faço um download, estou roubando uma propriedade de alguém ou será que estou acessando um conteúdo que, de outra forma, não teria condições? Este conteúdo é também público e privado, porque o bem intelectual surge para a comunicação que se dá entre o autor e o seu público.
Se este autor e se o público vão ter ou não a necessidade de um intermediário, que seja uma gravadora, uma editora ou uma distribuidora, isso é secundário. Nós tivemos agora um caso nos Estados Unidos muito interessante. Amanda Hocking tem 26 anos e mora no interior dos Estados Unidos. Desde os 11 anos ela publica livros na internet. Ou seja, ela dispensou todas as editoras e colocou toda a sua obra na internet, e é um dos maiores fenômenos editoriais no mundo. Ela chega a ganhar mais de três milhões de dólares por ano pela venda de seus livros na internet, e cada um custa cerca de três dólares, porque ela não necessita de intermediário.
É preciso ver esta questão com cuidado. Não se trata de dizer que a pirataria ganhou. Ao contrário, a pirataria é quando nós temos a venda de um produto, que é copiado, e que venha a ser vendido com caráter econômico. Um mero download na internet não tem finalidade econômica. Tem, isto sim, finalidade de busca de acesso e difusão do conhecimento e da cultura. Se formos analisar o mercado musical, o número de títulos que existiam antes da internet e dos que estão disponibilizados agora, vamos perceber que há uma maior produção cultural, porque não é simplesmente a gravadora que detém o indicativo, quais são os produtos de entretenimento que serão consumidos pelo público. Neste sentido, a internet e o compartilhamento de arquivos promovem uma maior diversidade cultural, maior difusão de obras e um maior acesso a elas. O número de títulos aumentou, porque não é mais comandado pelas gravadoras.
IHU On-Line – Quais as principais demandas jurídicas que essa nova cultura digital estabelece?
Marcos Wachowicz – Quando se fala em internet, fala-se de novas formas de comunicação e expressão e isto faz com que os cibernautas produzam novos bens intelectuais e novas formas de acesso. Quando se fala de internet, têm-se quatro bases tecnológicas. A primeira é a questão do acesso à informação e à cultura, que é mediante a downloads de músicas e filmes, tudo com baixo custo. A segunda transformação é a possibilidade da transformação criativa dos bens intelectuais, que no ambiente digital é promovido pelo uso das novas tecnologias. A terceira característica é a disponibilidade e difusão dos bens culturais, em uma velocidade inacreditável através de uploads, que são a postagem de conteúdo no YouTube e em outros sítios de compartilhamento de arquivos na internet. E, por último, temos uma quarta característica que é uma nova linguagem das redes sociais, ou seja, um produto que é feito e criado pela internet, a forma de difusão é extremamente potencializada pelas redes sociais, pelo Facebook e outros modelos de compartilhamento.
O que precisa ficar claro é que esses novos modelos de negócio e de compartilhamento não desestimulam a produção e aquisição de produções culturais. O compartilhamento em si não enfraquece o direito de autor; esse permanece íntegro. A lei brasileira é uma das mais restritivas do mundo, perdendo apenas para o Afeganistão e para outros países onde as mulheres precisam usar burca. Uma lei autoral menos restritiva permitiria maior acesso do público às obras e, consequentemente, à cultura. Isso irá fazer com que haja um grande benefício para a sociedade.
Para os produtores e distribuidores é evidente que este uso de compartilhamento de arquivos, de conteúdo cultural, é uma prática que forçou a mudança de seus modelos tradicionais de negócio. No entanto, nem toda a mudança é ilícita, nem toda mudança precisa ser colocada como crime, senão o mundo não avança. A prática de compartilhamento não desestimula a produção e criação de conteúdos culturais e isso é inegável. Nós temos que refletir que mundo nós queremos, um mundo mais compartilhado, um mundo com conhecimento democraticamente socializado ou um mundo com barreiras de acesso e distribuição?
IHU On-Line – Para o senhor, o que está em jogo com a retirada do selo de licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura?
Marcos Wachowicz – Quando se fala em modelos de negócio, nós temos duas formas: ou você tem modelos de negócio proprietários ou tem modelos compartilhados. O Creative Commons é um dos modelos de compartilhamento, mas não é o único. O fato pelo qual houve a mudança de governo da nova gestão do Ministério da Cultura ter retirado o Creative Commons de seu sítio não é tão retrógado ou não causa tanto retrocesso, do que a falta de avanço das questões que foram levantadas durante os oito anos da gestão anterior com relação à revisão da lei em questão.
O fato, repito, do Creative Commons ter sido retirado de uma página do Ministério da Cultura não é tão prejudicial à sociedade brasileira como o afastamento dos avanços que foram conquistados nos últimos oito anos na construção de uma nova lei para o Brasil. Nós temos outras formas de licenciamento que são seja o Creative Commons. Agora, retirá-lo e barrar os avanços do processo de revisão da lei é estagnar o Brasil em um patamar que muitos setores da sociedade discordam.
IHU On-Line – Quando Ana de Hollanda foi indicada ao ministério da cultura, o senhor e outros representantes da sociedade civil assinaram uma carta aberta à ministra com expectativas e pautas relativas à formulação de políticas públicas para a cultura. Hoje, o que ela representa para o MinC, em sua opinião?
Marcos Wachowicz – A ministra vem com uma missão de continuidade de um governo, afinal a presidente Dilma Rousseff, quando assumiu a sua campanha, foi clara no sentido de dar continuidade às políticas públicas de acesso, difusão e de socialização do conhecimento que vinham sendo construídos pelo governo Lula. Portanto, antes de tudo o Ministério não é um produto de um grupo que agora assume; ela também tem que analisar todos os compromissos que foram feitos pela gestão anterior, no sentido do processo que foi inaugurado.
O Brasil, nesta oportunidade, demonstrou para o mundo alguns avanços. É importante falar do ministro Gilberto Gil, que propôs no Organismo Mundial da Propriedade Intelectual a agenda para o desenvolvimento na qual se coloca o papel do Estado como gestor de políticas públicas e que implementa e desenvolve a cultura, a ciência, a informação. Neste sentido, a Lei de Direitos Autorais não pode ser um instrumento de restrição. Antes, a Lei da Propriedade Intelectual deve ser instrumento de política públicas que promova o desenvolvimento cultural e o crescimento econômico do país. Por isso, não se pode dizer se um ministério tenha condições de barrar um processo que já foi e está sendo discutido pela sociedade civil, que já esteve em consulta pública. Este é um movimento que não tenha volta. Tal debate com ou sem o apoio do Ministério da Cultura já está nas ruas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"A Lei de Direitos Autorais não pode ser um instrumento de restrição". Entrevista especial com Marcos Wachowicz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU