30 Agosto 2010
“As novas tecnologias fazem com que o ser humano se organize e se comunique de forma diferente na sociedade. Portanto, o esforço humano que antes era braçal, virou intelectual. Dentro dessa nova perspectiva, há sim a necessidade de uma discussão ética. Qual sociedade nós queremos para o futuro? Solidária e que compartilha conhecimentos ou uma sociedade na qual a informação é uma cerca de arame farpado, limitada pela propriedade intelectual? Se olharmos bem, tudo que nos cerca é fruto de bens intelectuais”. Assim Marcos Wachowicz analisa a relação entre direito, trabalho e novas tecnologias. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, ele reflete sobre as proteções feitas aos softwares, os downloads na internet e sobre como essa nova realidade incide sobre as demandas jurídicas.
Marcos Wachowicz é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Na mesma área realizou mestrado pela Universidade de Lisboa e doutorado pela Universidade Federal do Paraná. É membro do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual e da Associação Portuguesa de Direito Intelectual. Atualmente, é professor na Universidade Federal de Santa Catarina. É autor de Propriedade Intelectual do Software e Revolução da Tecnologia da Informação (Curitiba: Editora Juruá, 2004) e organizador da obra Direito de Propriedade e Meio Ambiente: novos desafios para o Século XXI (Fundação Boiteux Florianópolis 2010. Florianópolis: Editora Boiteux, 2010).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a dimensão que a tecnologia tomou nessa sociedade da informação entende a Tutela Jurídica do Software?
Marcos Wachowicz – O Software Tutelar é tido como a expressão de uma linguagem, mas não é uma forma estética. Ele é basicamente um esquema para fazer com que o computador desempenhe determinada função. A dificuldade é que, enquanto obra tecnológica, não é passível de patentes, porque não tem uma aplicabilidade industrial. O software é entendido como linguagem de programação, sendo assim, é protegido. Você pode ver que ninguém se emociona lendo um software. Ele é protegido de uma maneira mais adequada à sua tutela.
Imediatamente, quando o software é comercializado, recebe proteção a nível mundial. Por muitas vezes se pensou em fazer o patenteamento do programa de computador, mas quando você faz isso, cria um direito exclusivo, que impede que outros percebam essa ideia e desenvolvam produtos similares. Por exemplo: se um software da Microsoft que transforma o teclado em uma máquina de escrever for patenteado, ninguém poderá desenvolver um programa que faça a mesma função. Porém, sendo um software protegido pelo direito tutelador, outros podem pegar essa ferramenta e fazer outra linguagem de programação, um software mais evoluído e rápido.
IHU On-Line – O senhor é a favor ou contra os downloads livres na internet?
Marcos Wachowicz – Precisamos perceber que o que está em jogo com os downloads são novos modelos de difusão da obra intelectual que criam novos modelos de negócio. A cada momento em que você concebe novas formas de explorar bens intelectuais na internet, os modelos tradicionais de negócio não querem utilizar a nova tecnologia. Alguns setores que já têm seus negócios estabelecidos há 50, cem anos, com base na tecnologia analógica, não querem migrar para os métodos atuais. Mas se não há finalidade econômica, nem prejuízo ao detentor dos direitos intelectuais, a prática não é prejudicial.
É impossível pensar que todo o download se constitui em um crime, porque temos nessa forma de difusão a potencialização da obra. Duvido que alguém baixe uma música de um artista pop e dê de presente à sua namorada. Temos estudos que comprovam que os downloads gratuitos ajudaram a alavancar as vendas de CDs e DVDs. Essa modalidade de download pela internet, na verdade, trata-se do compartilhamento de arquivos, que é um princípio da colaboratividade. São consequências da banda larga. Com o aumento da velocidade, há a possibilidade de os usuários trocarem não só arquivos, mas ideias, informações e recriar a própria música. Vemos muitos downloads que são feitos com imagens, que são incorporados sons e que circulam nas redes sociais. A questão não é estabelecer certo e errado, mocinho e bandido. O que estamos vendo é uma nova cultura que se estabelece.
A internet mudou a forma das pessoas se comunicarem, criando novas linguagens. É óbvio que as criações vão passar por esse princípio colaborativo. No Brasil, temos um grande mercado de venda de CDs e DVDs. Alguns apontam que esse ramo foi prejudicado com a internet. Mas outros dados indicam que, pela internet, tivemos muito mais títulos disponibilizados, um crescimento significativo da diversidade. O compartilhamento de arquivos pela internet cria um novo modelo de negócio que reduz a importância do intermediário, da gravadora. E essa é a grande questão. As gravadoras querem continuar com o sistema antigo. Hoje, qualquer banda de rock pode fazer um CD, o custo para gravar é muito menor do que em outras décadas. Colocar o som dessa banda na internet e difundir junto ao público não é mais papel central da gravadora, que antes detinha os meios de distribuição.
IHU On-Line – Quais as principais demandas jurídicas que esse novo cenário apresenta?
Marcos Wachowicz – Nesses últimos dez anos, muitos sites de compartilhamento surgiram. Proibir isso é quase impossível, pois está na essência da internet. Quando a internet civil surgiu, foi disponibilizada através de cinco universidades estadunidenses que, imediatamente, trocaram base de dados, fizeram downloads e compartilharam conhecimento. Uma banda que toca em um bar, um ambiente fechado, deve pagar os direitos autorais. Agora, se uma pessoa que está ali captura essa imagem em seu aparelho celular e posta na internet, no YouTube, por exemplo, comete violação contra os direitos do autor? Essas tecnologias são cada vez mais comuns. A internet é uma forma de disponibilização. Entretanto, se bens protegidos pelo direito do autor forem colocados na rede, não como compartilhamento, mas com finalidade econômica, precisamos tratar como crime autoral. Os direitos do autor precisam ser preservados sempre.
IHU On-Line – E como o direito está contemplando essas demandas? A legislação está atualizada em relação a esse novo contexto?
Marcos Wachowicz – A Legislação de 1998 surgiu através de uma posição maximalista que estabelecia a perspectiva de máxima proteção para o máximo desenvolvimento. Assim nasceu também no Brasil a Lei de Direitos Industriais, em 1996. Nessas duas datas ainda não se tinha no mundo o impacto da internet. A lei criada 10 anos antes, mas que acabou sendo promulgada só em 1998, não contempla essa realidade tecnológica, o meio digital. Por isso, precisamos fazer a revisão para colocar a possibilidade de aplicação da norma jurídica.
Pela lei atual, se uma biblioteca possui livros que estejam esgotados ou fora de circulação em seu acervo, ela não está autorizada a fazer a digitalização, mesmo para fim de preservação. Essa maximalização de proteção não induz a uma máxima produção e difusão de bens intelectuais. Na década de 1960, a música brasileira representava cerca de 40% do que era tocado no mundo. Hoje não chega a 3%. Isso significa que a Lei de Máxima Proteção também fez com que houvesse uma máxima divulgação de nossa diversidade cultural. O Brasil é um país riquíssimo de culturas e etnias, por isso possui uma diversidade cultural única. Assim, a Lei do Direito do Autor tem de ser instrumento de promoção de políticas públicas para o desenvolvimento desses agentes de cultura, dos artesãos, dos cantoneiros, dos repentistas e, com isso, que eles possam ter condições de estabelecer um diálogo mais amplo com a sociedade brasileira.
Temos muitas indústrias criativas estrangeiras que colocam nas lojas de disco, no cinema e na rádio, produtos que não interessam. A lógica tem de ser repensada, o diálogo dos artistas locais com o seu público e não as empresas criativas que transformam o povo em uma massa de consumo. O bem intelectual é muito mais do que isso. A obra intelectual protegida pelo direito do autor é potencialmente um bem cultural na exata medida em que ele é recebido e apropriado pela sociedade como um portador de significados. O bem cultural é público e privado ao mesmo tempo, concomitantemente.
IHU On-Line – O direito precisa fazer uma nova compreensão ética do trabalho a partir dessas novas tecnologias?
Marcos Wachowicz – A compreensão ética do trabalho sobre as novas tecnologias é algo muito maior que o direito autoral. Essas novas tecnologias fazem com que o ser humano se organize e se comunique de forma diferente na sociedade. Portanto, o esforço humano que antes era braçal, virou intelectual. Dentro dessa nova perspectiva, há sim a necessidade de uma discussão ética. Qual sociedade nós queremos para o futuro? Solidária e que compartilha conhecimentos ou uma sociedade na qual a informação é uma cerca de arame farpado, limitada pela propriedade intelectual? Se olharmos bem, tudo que nos cerca é fruto de bens intelectuais.
Não é só o direito autoral que precisa ser repensado, mas o direito à informação, à educação, acesso à cultura. Temos que criar marcos regulatórios que colaborem para o futuro, e isso tem de ser feito a partir de tratados internacionais. Todo o sistema de propriedade intelectual foi concebido no início do século XIX. De lá para cá se estabeleceu todo o paradigma seguido pelas legislações. Nós precisamos de um novo marco que coloque essa nova sociedade informacional em padrões éticos ideais, a fim de buscar inclusão tecnológica, difusão de conhecimento, promoção da máxima renovação. Não se pode pensar que a propriedade intelectual seja uma lei imutável, pois foram feitas por homens que pensavam no contexto tecnológico do século XX, durante a revolução industrial. Hoje, precisamos de pensadores, filósofos, juristas e economistas que pensem como será o mundo da sociedade da informação nos próximos cem anos.
IHU On-Line – Como o senhor vê programas que visam à inclusão digital do advogado?
Marcos Wachowicz – Como podemos pensar em inclusão digital para o advogado se uma parte considerável da população brasileira não tem acesso à banda larga? No Maranhão, cerca de 3% dos habitantes têm banda larga. Por isso, essa inclusão tem de ser pensada em um contexto maior.
IHU On-Line – Qual deve ser o perfil do advogado do século XXI?
Marcos Wachowicz – Sem dúvida, a partir de um perfil ético, com a utilização das novas tecnologias na promoção máxima de uma justiça de inclusão.
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Direito, trabalho e novas tecnologias. Entrevista especial com Marcos Wachowicz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU