12 Abril 2011
O papel da Rede como instrumento de organização política, a secularização da sociedade, a presença de um alto número de jovens escolarizados mas condenados ao desemprego e à precariedade foram alguns dos elementos que caracterizaram a revolta pós-islâmica.
A reportagem foi produzida pelos sociólogos italianos Gigi Roggero e Federico Tomasello, publicada no jornal Il Manifesto, 06-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Hamadi Redissi, professor de ciências políticas da Universidade de Túnis e comprometido na Associação pela Defesa da Laicidade, recentemente proferiu em Bolonha uma palestra sobre a insurgência no Maghreb. Nessa ocasião, conversando com um grupo de estudantes e de pesquisadores que participam da experiência transnacional do Knowledge Liberation Front, ele falou também sobre o encontro de preparação que irá ocorrer em Túnis nos próximos meses.
"Não demos – afirma o estudioso tunisiano – a esse projeto o nome de caravana, porque nós não precisamos da ajuda de vocês ou da solidariedade de vocês, ocidentais, porque demonstramos que sabemos fazer a revolução sem que ninguém nos ensine. Além disso, do outro lado do Mediterrâneo, o que vemos chegar com o rótulo humanitário são as bombas e as guerras. Ao contrário, nós precisamos unir as duas margens do Mediterrâneo por meio das lutas e da busca de liberdade".
Conhecido por ter trabalhado sobre o conceito de "exceção islâmica" (L`exception islamique, Edition du Seuil), usado para uma crítica radical do fundamentalismo islâmico e a sua crítica a uma identidade imutável no tempo, elementos propedêuticos à reprodução de um estado de minoria econômica e política dos países árabes na economia mundial.
Hamadi Redissi se define como um radical, embora, ironicamente, afirme que frequentemente é representado como um moderado. "A Tunísia – continua – é um laboratório social e político, porque estamos vivendo uma revolução. Uma revolução pós-islâmica e, em alguns aspectos, pós-moderna, no sentido de que apresenta características novas com relação ao passado. Para utilizar o termo democracia, devemos dizer que, na Tunísia, hoje, ela vem da sociedade e não do governo, não é octroyée do Estado. Por isso, o nosso processo revolucionário pode se tornar um modelo, embora a sua direção seja ainda incerta".
Eis a entrevista.
Uma revolução que muitos definiram como inesperada...
Alguns dizem ter previsto as causas da revolução, mas não é verdade. Quem olhava para a Tunísia com as lentes dos estudos políticos ou das tradições políticas ocidentais, não encontrava as razões de uma perspectiva revolucionária: por 20 anos, registrou-se uma alta taxa de crescimento, com uma classe média forte, uma cultural secular e civil enraizadas, uma baixa fecundidade e famílias restritas. Ben Ali recebeu muito dinheiro da Europa, sem que ninguém lhe pedisse para fazer nenhuma reforma, porque consideravam que ele devia garantir a estabilidade, o controle do bloco islâmico e a gestão do comércio internacional. Ninguém pensava que os tunisianos tivessem necessidade de plena liberdade. E eis que estoura, inesperada, a revolução.
Quais são, então, os elementos e a composição social dessa revolução?
Há quatro elementos decisivos do processo revolucionário: sobretudo o desemprego intelectual. Depois, o papel do Facebook e da rede. Em terceiro lugar, o uso dos sindicatos. Por fim, o peso dos jovens da classe média em crise. Esses elementos fizeram saltar o quadro pintado pelos estudos europeus e norte-americanos, segundo o qual o regime autoritário era destinado a durar porque tinha a polícia, a capacidade de redistribuir a riqueza, um sólido sistema clientelar, o apoio da Europa – em primeiro lugar, da França – e dos Estados Unidos. As pessoas tinham medo, e eu também pensava que o autoritarismo pudesse durar longamente. As coisas mudaram quando as pessoas deixaram de ter medo.
Dia após dia, começou uma resistência sempre mais forte com relação ao comportamento da polícia, até que Ben Ali decidiu proclamar o estado de emergência. Nesse ponto, as pessoas começaram, em massa, a sair à noite: não tinham mais medo. Começou a guerra civil. Ben Ali introduziu provocadores para acusar os rebeldes de serem terroristas e criminosos, mas o movimento demonstrou, por meio de fotos e vídeos, que se tratava de pessoas pagas pelo regime e de infiltrados. Esses quatro elementos, junto com a superação do medo, levaram portanto a uma revolução de tipo novo. Algo semelhante está acontecendo no Egito, no Iêmen, na Síria.
Quais são, segundo o senhor, os pontos de contato entre a situação tunisiana e a do Egito?
Há pontos de contato, mas também diferenças. Em primeiro lugar, o papel do Exército e o componente islâmico, que, no Egito, tiveram um peso muito maior do que no meu país.
Há também traços comuns com os movimentos sociais europeus contra as políticas de austeridade: jovens altamente escolarizados, mas precários ou desempregados que vivem um processo de "desclassamento" permanente e usam a rede para a agregação coletiva e para as mobilizações...
É essa a figura social que fez a revolução. Depois de ter crescido forte e rapidamente, houve uma taxa de diminuição do PIB de 3%. Todos os anos, 30 mil jovens diplomados ficavam sem trabalho. Ano após ano, formou-se uma quantidade enorme de desemprego. Não é por acaso que a revolução começou quando Mohamed Bouazizi, jovem escolarizado obrigado a trabalhar como vendedor ambulante em Sidi Bouzid, incendiou-se. Ainda em 2008, houve revoltas em Gafsa e em Gassrin contra os resultados de eleições fraudadas: duraram sete meses, com manifestações e sit-in.
A democracia, sem dúvida, tem uma capacidade de regulação que não existe na ditadura. Então, como é possível que centenas de milhares de pessoas saiam às ruas e manifestem-se em um país em que não há liberdade de informação? Por meio da rede, com o Facebook. A informação circula, e a polícia não pode detê-la. Ben Ali reprimiu as forças organizadas de forma tradicional, mas essa revolução foi feita por forças não organizadas de forma tradicional. Os processos de organização passaram, portanto, por meio de SMS, Internet, das redes sociais.
Na Tunísia, há dez milhões de habitantes, cuja metade está conectada ao Facebook. Portanto, um milhão sabe, em termos instantâneos, que há uma manifestação amanhã em Gafsa ou em Sidi Bouzid. O governo tentou bloquear e reprimir essa circulação de informações e conhecimento, mas não pôde fazer nada.
As novas formas organizativas construíram continuidade?
Depois do dia 14 de janeiro, dia em que foi alcançado o objetivo de perseguir Ben Ali e a sua família, as pessoas se organizaram em associações que se multiplicaram em vários temas: a liberdade, para ajudar os migrantes, pela distribuição da riqueza, contra a corrupção, com objetivos políticos e intelectuais. Essas organizações têm um grande peso no processo em curso. O governo não tem mais nenhuma legitimidade para defender que não são representativas porque elas dizem justamente: "Nós fizemos a revolução".
Agora, a polícia foi despojada dos seus próprios poderes, enquanto antes estava acostumada a revistar as pessoas, agredi-las e colocá-las na prisão. O ministro do Interior foi substituído quatro vezes, a política política foi dissolvida. As pessoas, portanto, se reorganizaram por meio dos comitês revolucionários. Depois se formou um conselho pela defesa da revolução, do qual fazem parte os comunistas, que têm uma base social dura, uma presença nos sindicatos, combateram a ditadura fortemente.
Em 1987, quando Ben Ali deu o golpe de Estado contra Bourguiba, muitas estavam com ele e pensavam que ele traria a democracia, nenhuma das outras forças políticas se opôs. Agora, alguns querem confiar novamente ao Estado a tarefa de fazer as reformas, bloqueando assim a revolução. O conselho revolucionário se opõe. Temem que haja um outro golpe de Estado no momento em que a temperatura social diminui, e têm razão. É por essa razão que se tentou o dissolvimento do partido de Ben Ali (fundado em 1920, o mais velho da África), assim como a abolição da polícia política e a prisão dos chefes do partido que saquearam o dinheiro e os bens públicos.
Muitos descrevem a revolução tunisiana como uma revolta interna ao Estado ou conduzida pelo Exército: isso é falso. Foi uma verdadeira revolução. Não conhecemos exatamente a direção que o processo irá tomar. Temos uma agenda programática, mas não sabemos se será aplicada: enfim, a realidade revolucionária está totalmente em aberto.
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Uma revolução que fala ao mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU