08 Março 2011
O corte no orçamento da União deve ser entendido como uma medida corriqueira adotada no início do ano quando há previsão de excesso de gastos, diz o economista à IHU On-Line. Segundo ele, provavelmente o ajuste fiscal de R$ 50 bilhões não irá vigorar.
Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, Delgado menciona que a vilã da economia brasileira continua sendo a constante elevação das taxas de juros. “Cada meio ponto percentual elevado na taxa de juros acelera a entrada de capitais externos para o Brasil e valoriza mais ainda o real. Portanto, valorizando a moeda, as exportações se tornam menos competitivas, cria-se um desincentivo ao setor industrial. Esse arranjo de fazer a contenção da demanda interna pela política de juros é ruim, porque cria um desequilíbrio externo e prejudica qualquer cenário mais arrojado de crescimento econômico no futuro.”
Segundo ele, a política econômica adotada pelo governo federal tenta amenizar os gargalos externos relacionados à inflação, embora a equipe econômica argumente que esta é a medida mais adequada para conter a demanda interna e desacelerar a economia.
Apesar do desequilíbrio gerado pela elevação da taxa de juros, Delgado diz que é difícil propor alternativas “quando o país tem um programa de crescimento econômico calçado na dependência externa de financiamento”. Ele argumenta ainda que o arranjo de parcerias feitas pelo governo, para poder governar, “o deixa prisioneiro” da atual política econômica. “O país precisa crescer, tem um programa de crescimento, uma agenda de obras, de infraestrutura ligada à Copa e, no entanto, depende fortemente de recursos externos e, para fazer esse arranjo, a política aviada é esta que está em curso. Em minha opinião, é uma política ruim para o crescimento e não necessariamente boa para a estabilização”.
O economista também comenta os possíveis impactos do ajuste fiscal aos programas sociais e afirma que ao elevar o valor do Bolsa Família, Dilma quis mostrar que o corte fiscal não os afetaria. “Acontece que o Bolsa Família representa 0,5% do PIB, enquanto o gasto social total, considerando benefícios monetários e não monetários da política social, está na faixa de 25% do PIB. Então, não é com 0,5% que se realiza o programa de melhoras declarado pelo governo”, retruca. Para ele, só é possível combater a pobreza mantendo “o conjunto da política social crescendo em um ritmo da demanda de direitos sociais regulamentados”.
Guilherme Delgado é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trabalhou durante 31 anos no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual o significado do ajuste fiscal de R$ 50 bilhões no Orçamento da União? Trata-se de uma contenção inicial que será reajustada durante o ano ou há uma gravidade da situação fiscal?
Guilherme Delgado – Esse ajuste fiscal é, do ponto de vista convencional, um contingenciamento de verbas do orçamento, ou seja, ocorre no início do ano, quando há problemas esperados de excesso de gastos ou arrecadação não prevista. No final do ano, dependendo do desempenho, da arrecadação e outros fatores, esse contingenciamento pode ou não vigorar. Portanto, não é absoluta a ideia de que o corte de R$ 50 bilhões irá correr da forma que está sendo veiculado pela mídia.
Na verdade, os dois componentes do ajuste macroeconômico restritivo, que são a elevação dos juros – isso tem impacto imediato, que vai além da área fiscal – e o contingenciamento de recursos são justificados pelo governo como uma medida de contenção às pressões inflacionárias que estão postas pela elevação de preço dos alimentos. Essa explicação é passada como se fosse certa e sabida, mas não tem a mesma força explicativa do fenômeno que está sendo analisado, pois a pressão do aumento dos preços dos alimentos ocorre em função da demanda externa e não da interna. E o ajuste fiscal se propõe a conter a demanda interna. Acontece que, como os preços das commodities estão sendo pressionados por fatores inflacionários externo, vão se propagar e internalizar de qualquer forma, porque o Brasil continua sendo um grande exportador dessas commodities e, portanto, a vinculação do preço externo com o preço interno é algo compulsório. Nesse sentido, nem o ajuste fiscal, nem o ajuste monetário darão conta da pressão inflacionária externa.
A partir desse cenário, por que continuar com o ajuste fiscal? Porque ele tem outra explicação que não tem necessariamente a ver com a pressão dos alimentos e, sim, com o fato de que próprio orçamento fiscal foi superonerado por pressões de ano eleitoral e agora é preciso um freio de arrumação. Não me parece que essa seja uma política de caráter estrutural no sentido de restringir o crescimento econômico, até porque, o programa de investimento e de obras do governo Dilma continua na linha do PAC.
Portanto, o ajuste é uma ação de caráter conjuntural e mais ligado às pressões de setores conservadores de dentro e fora do governo, que querem apresentar aquela ideia de equilíbrio fiscal, de que se faz as coisas de acordo com os mercados e, assim, lograr o benefício de ingresso de capitais externos e confiança externa. Vejo uma ambiguidade nesse ajuste fiscal de curto prazo porque ele não é o tradicional programa restritivo macroeconômico à imagem e semelhança de tantos outros que foram feitos nos últimos 30 anos – até porque ele tem um compromisso de crescimento na forma convencional, com programas de investimento amplo em infraestrutura nos próximos quatro anos. Ao mesmo tempo, ele é restritivo e realiza o receituário do sistema financeiro, que propõe a elevação da taxa de juros e o programa de contingenciamento fiscal.
IHU On-Line – A atual conjuntura global, influenciada pela elevação do preço das commodities, exigirá uma mudança no governo Dilma em relação às políticas econômicas que vinham sendo adotadas no governo Lula?
Guilherme Delgado – A elevação dos preços das commodities de certa forma favorece o equilíbrio externo porque o Brasil é um grande exportador de commodities. O déficit em conta corrente, que continua sendo um problema sério, fica minimizado pela elevação do preço das commodities. Por outro lado, há uma tensão inflacionária importada de forma magnificada pelo Brasil, em função da crescente dependência brasileira de produtos importados e crescente importância no mercado internacional de commodities.
Então, preço de commodities elevado externamente significa preços de alimentos elevados internamente também, mesmo que o Banco Central e o Tesouro apliquem políticas restritivas à demanda interna, as quais funcionam para outros setores que demandam bens e serviços e, não necessariamente, para o preço das commodities.
A economia é restringida, afetada no sentido de diminuição do ritmo de atividades em função dessa pressão externa, mas não pelo o que a pressão externa é especificamente, pois os preços de produtos primários continuarão elevados enquanto a demanda externa se mantiver aquecida para essa classe de produtos. No entanto, a política macroeconômica de juros e de orçamento fiscal será cada vez mais restritiva.
IHU On-Line – O senhor também concorda que o importante neste momento é desacelerar a economia, como declarou o ministro Mantega? Por quê?
Guilherme Delgado – Esse é um assunto que deve ser debatido dentro do contexto. O atual contexto é de pressão inflacionária e dificuldade do ponto de vista de ajuste externo por conta da situação do balanço de pagamento dessa ação inflacionária. O governo precisa fazer algo, prestar conta a seus parceiros externos, o que não significa que a desaceleração é a única política a ser feita. Não acredito que seja essa a única alternativa porque as elevações de juros – que são mais importantes do que a medida de ajuste fiscal – têm impacto e efeito sobre o desequilíbrio externo muito pior do que a restrição do recurso do orçamento.
Na verdade, cada meio ponto percentual elevado na taxa de juros acelera a entrada de capitais externos para o Brasil e valoriza mais ainda o real. Portanto, valorizando a moeda, as exportações se tornam menos competitivas, cria-se um desincentivo ao setor industrial. Esse arranjo de fazer a contenção da demanda interna pela política de juros é ruim, porque cria um desequilíbrio externo e prejudica qualquer cenário mais arrojado de crescimento econômico no futuro. Esse arranjo de política fiscal e monetária que o governo está adotando é equivocado, está à moda antiga.
O governo tenta passar a ideia de que os problemas são passageiros, conjunturais. Porém, “esse passageiro”, face ao desequilíbrio já alcançado pelas contas externas brasileiras e pela valorização cambial, acrescenta graus de restrição e desequilíbrios difíceis de corrigir no futuro. Não concordo com o diagnóstico do ministro Mantega.
Esse arranjo de forças, de parcerias e participações que o governo fez para poder governar, o deixa prisioneiro dessa forma de fazer política macroeconômica. O país precisa crescer, tem um programa de crescimento, uma agenda de obras, de infraestrutura ligada à Copa e, no entanto, depende fortemente de recursos externos para isso e, para fazer esse arranjo, a política aviada é esta que está em curso. Em minha opinião, é uma política ruim para o crescimento e não necessariamente boa para a estabilização.
IHU On-Line – Mas se a elevação dos juros é ruim e esse arranjo não soluciona o problema econômico, por que o governo faz essa opção? Para garantir a entrada de dinheiro externo para financiar o crescimento econômico e as obras já anunciadas?
Guilherme Delgado – Sim, para garantir dinheiro externo. No fundo é isso. O ingresso de capital no balanço de pagamentos fica garantido quando se eleva a taxa de juros, mas é um dinheiro de curto prazo e que, provavelmente, provocará desequilíbrio no futuro. É a única explicação para insistirem em uma política que valoriza ainda mais o real e, portanto, torna a competitividade das exportações brasileiras precárias, mesmo tendo um momento favorável na exportação de commodities.
IHU On-Line – É possível promover o desenvolvimento, o crescimento econômico com uma política econômica diferente, que garanta o equilíbrio futuro?
Guilherme Delgado – O programa mais sensato era aquele defendido pelo governo Lula desde o início: levar a taxa de juros brasileira ao patamar internacional. Como o Brasil tem a taxa de juros mais alta do mundo, teria de iniciar um programa de corte da taxa de juros nos próximos quatro anos, para que, em 2014, se tivesse uma taxa de, no máximo, 5%. No entanto, a trajetória é de elevação da taxa de juros, enquanto o resto do mundo está parado. Nesse sentido, o arranjo externo tem um problema de desequilíbrio macroeconômico posto.
Como se sai desta situação? É difícil propor uma alternativa quando o país tem um programa de crescimento econômico calçado na dependência externa de financiamento, parcerias, fechamento da conta corrente com recursos externos. Tudo isso reclamaria que o PAC tivesse outra engenharia e que a própria política econômica gozasse de graus de liberdade maior em relação às parcerias externas.
Como seria isso? Seria diferente. Não dá para imaginar um cenário diferente dado o pacto político que o governo arranjou para conduzir a política econômica, social e o desenvolvimento dos próximos anos. Vejo que há um problema externo e interno. A política social que vinha tentando engrenar uma perspectiva de distribuição requer não menos, mas mais recursos para poder continuar operando com a estratégia de distribuição de renda. Isso não está sendo compatibilizado por esse programa de austeridade fiscal.
IHU On-Line – Qual o impacto da inflação de 6% para a economia real? Esse percentual preocupa?
Guilherme Delgado – Preocupa. Em uma economia estável, em que não tem indexações – embora alguns setores continuem tendo –, 6% representa uma inflação alta com a expectativa de aquecimento. Do ponto de vista de política anti-inflacionária, as medidas conjunturais têm justificação. O problema é que a maneira de se fazer esse combate à inflação a partir da elevação dos juros até é eficaz, do ponto de vista da contenção da demanda interna. No entanto, cria o desequilíbrio externo crescente. Esse é a questão, o grande problema. Em política econômica, não se pode trabalhar com um objetivo único como, por exemplo, combater a inflação. Se o objetivo for unicamente esse, faz-se política de restrição macroeconômica integral, só que isso gera outros efeitos perversos como estagnação econômica, dependência etc.
A inflação precisa ser combatida, os diagnósticos convencionais de políticas de juros e fiscal são os que, na prática, se utilizam. Mas, como o governo está comprometido com um programa de crescimento amplo para os próximos anos, a política de combate à inflação pode estar exagerando na dose pelo lado dos juros. Do ponto de vista imediato, o ajuste está seguindo o receituário que todo mundo segue, mas isso não significa que o governo irá conseguir atingir os objetivos.
IHU On-Line – Segundo o ministro Mantega, manter a expansão do PIB em um ritmo de 7,5% implicaria o surgimento de gargalos na economia e acarretaria problemas inflacionários. Por que o Brasil não pode continuar crescendo de forma sustentável? Em função dessas questões externas que o senhor explicou ou por que o crescimento do ano passado não foi sustentável?
Guilherme Delgado – É basicamente em função das questões externas, sim. O ministro falou isso, mas não colocou o dedo na ferida. O crescimento de 7,5% superacelera o déficit na conta corrente, ou seja, as importações de mercadorias e o custo de serviços do capital estrangeiro (remessa de lucros, dividendos, fretes, seguros, assistência técnica, viagens internacionais) crescem de forma desmesurada. Esse é o principal problema. Não são os 7,5% que provocam a inflação necessariamente, mas esse valor é, com certeza, o provocador de desequilíbrio externo desmesurado em função da política cambial.
Se o país cresce 7,5% e o câmbio é extremamente barato para importar, irá se importar com uma velocidade muito maior e, da mesma forma, irá se remeter lucros e dividendos na mesma velocidade e isso gerará o desequilíbrio externo. Quando se usa o argumento de contenção da demanda interna para tentar explicar a política anti-inflacionária, na realidade se está contendo a demanda interna com vistas a resolver o gargalo externo e não propriamente a questão da inflação. As explicações oficiais dizem o que convém dizer, mas não necessariamente aquilo que está acontecendo.
IHU On-Line – Um dos compromissos assumidos pela presidente é a redução da miséria. A partir de políticas econômicas, como é possível reduzir a miséria no país? Comprimindo o consumo ou aumentando o crédito?
Guilherme Delgado – Nenhuma coisa, nem outra. O combate à pobreza se faz com políticas sociais. No caso brasileiro tem um eixo que são os direitos sociais básicos constitucionalizados e outro eixo secundário, que são os programas de governo focalizados na destruição de renda. É esse conjunto de ações de política social que afeta a pobreza e a distribuição de renda. Para que esse sistema funcione, é preciso recursos fiscais e, para isso, a economia precisa ter crescimento e distribuição dos recursos fiscais com ideia de equidade.
Só crescimento não resolve o problema – o Regime Militar cresceu de forma exuberante, mas nunca teve compromisso com a distribuição de renda. O programa de crescimento econômico com distribuição que, minimamente, resolva a questão da miséria e da pobreza aguda passa, necessariamente, pelo revigoramento da política social do Estado e o regulamento dessa política requer recursos adicionais para incluir a parcela da população que ainda está fora dos padrões mínimos de remuneração, considerando o salário mínimo valorizado como critério para orientar essa distribuição.
IHU On-Line – Percebe alguma mudança na condução da política econômica no governo Dilma? Diria que é uma continuidade do governo Lula, se aproxima de alguma forma do governo FHC ou Dilma terá um estilo próprio de governar?
Guilherme Delgado – Ao que tudo indica, a continuidade maior é da política monetária do governo Lula, uma continuidade que marca o crescimento e não lança uma estratégia própria, ficando dependente do Banco Central.
A mudança ocorreu no segundo mandato do governo Lula. Com o compromisso de estabilização do crescimento, o governo ganhou mais autonomia na perspectiva de uma guinada para a política social. Isso foi feito em um contexto externo favorável e sem mudar substancialmente a política de autonomia do Banco Central de forma a fazê-lo também participar de um arranjo de crescimento econômico.
Até este momento, mudaram as pessoas, o nome do dirigente do Banco Central é outro, o ministro da Fazenda é o mesmo, mas a engenharia de como se processa o crescimento econômico e o compromisso com a distribuição são muito tênues e suscetíveis de, a todo o momento, reverter. Não sinto que haja, na política econômica, um programa mais sólido na perspectiva de fortalecer o mercado interno, de gerar uma mudança permanente na distribuição de renda, de gerar graus de autonomia à dependência financeira externa. Todas essas desejáveis perspectivas estão congeladas em função do arranjo político que governa, o qual não tem autonomia para avançar mais. Está no limite de operação que, aparamente, bate no teto a toda hora. É um panorama preocupante. Você vai perguntar qual é a receita. Entretanto, não cabe a nós, que estamos observando, dar um receituário pronto.
IHU On-Line – O senhor citou os programas sociais como alternativas para combater a pobreza. Como o ajuste fiscal anunciado causará impacto nesses programas?
Guilherme Delgado – Imediatamente, não impacta. Por isso, defendo que o ajuste é simbólico. Os programas da política social como exercício de direito social, como aposentadoria, seguro desemprego, etc. não estão sujeitos a corte. Indiretamente, seriam afetados aqueles programas que estão associados à prestação de serviços públicos como saúde, educação e todos os outros que dependem da máquina pública.
O ajuste fiscal conjuntural tem efeitos indiretos sob benefícios sociais e, efeitos direitos, somente se ele se prorrogar ou alterar a regulamentação que processa e opera os direitos sociais na política social. Na verdade, o governo Dilma quis mostrar que o ajuste não iria afetar a distribuição de recursos porque reajustou os benefícios do Bolsa Família em volume maior do que permitiu o reajuste do salário mínimo. Portanto, do ponto de vista simbólico, o governo quis dizer que não vai afetar a política social. Acontece que o Bolsa Família representa 0,5% do PIB, enquanto o gasto social total, considerando benefícios monetários e não monetários da política social, está na faixa de 25% do PIB. Então, não é com 0,5% que se realiza o programa de melhoras declarado pelo governo.
A política social em um programa de constrangimento fiscal mais longo é afetada necessariamente, mesmo que não afete os benefícios monetários protegidos por regra de não contingenciamento. De qualquer modo, afetará os demais serviços públicos que não são monetários (saúde e educação básica), que dependem de recursos do orçamento.
IHU On-Line – Então, elevar o valor do Bolsa Família para 45% não foi algo tão significativo no âmbito das políticas sociais? O que esta medida revela em relação à política social do governo?
Guilherme Delgado – Essa estratégia não garante absolutamente que será combatida a pobreza e a erradicação da miséria. O que garante o combate à pobreza é manter o conjunto da política social crescendo em um ritmo da demanda de direitos sociais regulamentados. Isso significa que o país tem de crescer pelo menos 3,5% ao ano.
IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que o corte de R$ 50 bilhões atinge as áreas sociais para privilegiar rentistas da dívida pública. É uma possibilidade?
Guilherme Delgado – É uma possibilidade. A dívida pública é um problema de renda mínima para os rentistas. É uma interpretação razoável, mas não é suficiente para explicar toda a engenharia, porque os rentistas só têm o poder de influenciar a política macroeconômica nesta direção, uma vez que a economia brasileira depende muito dos circuitos internacionais.
O país tem compromissos, parcerias para financiar programas hidrelétricos, de exploração petrolífera. Para o Brasil crescer 5% ao ano, terá de ter um déficit em conta-corrente de 4% nos próximos cinco anos. O déficit em conta corrente precisa ser financiado, então a forma encontrada pelo governo para resolver essa equação é financiar esse déficit mediante a entrada de capitais externos, atraídos pela mais alta taxa de juros do mundo.
Essa equação é perniciosa do ponto de vista da saúde econômica, financeira e social desse estilo de crescimento. Tomam carona nesta dependência externa os rentistas da dívida pública, que comparecem com suas demandas de elevação de juros para resolver “problemas de curto prazo”, que comprometem uma trajetória futura de crescimento com o mínimo de sustentabilidade. Sou crítico desse arranjo macroeconômico que vem se dando e no estilo de modernização conservação com alguns compromissos focalizados na linha da pobreza, mas sem muita clareza.
IHU On-Line – Qual sua reação diante da aprovação do salário mínimo em 545,00 reais?
Guilherme Delgado – A curtíssimo prazo se fez uma política antinômica em relação ao que vinha sendo aplicado no governo anterior. O governo reajustava o salário mínimo de acordo com a inflação, mais a média do crescimento dos dois anos anteriores. Em 2008 e 2009 a média de crescimento foi 2,5%. Então, para aplicar essa regra, o valor do salário mínimo deveria ser maior. O reajuste do salário mínimo aplicou ao valor anterior o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 6%. Então, não teve mudança de acrescer o crescimento dos dois anos anteriores. Imediatamente, a política foi restritiva e mais conservadora do que a do governo anterior.
Por outro lado, foi regulamentado o antigo pacto sindical até 2015. Do ponto de vista de política de longo prazo, essa iniciativa foi boa porque estabeleceu em lei aquilo que era um acordo informal. A política aprovada do salário tem um impacto enorme no conjunto da política social, o qual, vinculado a direitos, terá mais eficácia do ponto de vista distributivo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Guilherme Delgado – Estou observando o governo e tenho mais incógnitas do que certezas. Estou observado as discussões de políticas tributárias, previdenciárias porque é a partir delas que se compreende qual o rumo da política social. Sei que há na agenda muitas coisas postas como a exoneração da folha, o fim da Desvinculação de Recursos da União (DRU). Isso coloca algumas respostas e incógnitas novas. Se a política do salário mínimo é boa, por outro lado, a desoneração da folha de pagamento do INSS irá requerer reembolsos tributários para compensar. Não está claro qual será a atitude do governo diante disto.
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A politica econômica do governo Dilma. "Mais incógnitas que certezas". Entrevista especial com Guilherme Delgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU