09 Setembro 2008
Para o economista José Dari Krein, a crise do movimento sindical está ligada mais a uma ordem econômica e política diferente que se vivia no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 do que relacionada com as reestruturações realizadas no mundo do trabalho. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Krein analisa as causas da atual situação em que se encontram as ações do movimento sindical, fala das pautas das diferentes instituições que desejam representar os sindicatos de base hoje e de como a fragmentação do movimento influencia na visão que o trabalhador tem dos órgãos que o representam.
Krein diz ainda que vê a proposta da contribuição negocial como algo positivo e necessário. “Acredito que o ideal seja o sindicato sobreviver com a contribuição voluntária, mas acho que isso não é uma realidade neste ambiente mais conservador que vivemos. No entanto, também não acredito que é pelo princípio da concorrência que as coisas serão resolvidas. Por isso, é preciso uma salvaguarda, do ponto de vista institucional, para que o sindicato possa continuar arrecadando, porque o resultado dessa ação beneficia o conjunto dos trabalhadores”, afirma ele, que também analisa a formação sindical atual em comparação à formação que se tinha na década de 1980.
José Dari Krein é formado em Filosofia, pela PUC-PR, com especialização em Economia Social e do Trabalho, pela Unicamp, onde realizou o mestrado e doutorado nesta mesma área. É, atualmente, docente na Universidade Estadual de Campinas. Além de trabalhar no Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT, Krein atuou na Escola Sindical Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A crise do movimento sindical está associada à reestruturação do mundo do trabalho e à mudança do processo de produção padronizado para o modelo de produção flexível, ou se trata de uma crise ideológica?
José Dari Krein – As duas questões fazem sentido. Costumo dizer que a crise no mundo sindical está relacionada, em primeiro lugar, a um contexto adverso para um trabalho que é produzido na ordem econômica e política construída como resposta à crise dos anos 1970. Então, nesta ordem econômica e política, diferentemente do que havia no Pós-Guerra, em que tinha certa consolidação social, o sindicato será responsabilizado por certos problemas que aparecem no mercado de trabalho pelo discurso hegemônico neoliberal. Ou seja, o sindicato será responsabilizado pelo problema do desemprego, porque no discurso hegemônico neoliberal a idéia mais comum é a de que ele cria monopólios e estabelece regras que inibem o funcionamento do mercado. Nesse sentido, prevalece um discurso de ataque à organização sindical e à regulação do trabalho. Então, se busca ajustar a regulação do trabalho e, portanto, fragilizar o sindicato em relação a essa nova ordem econômica desregulamentada e globalizada.
Nova ordem econômica e política
Em segundo lugar, a crise do movimento sindical tem relação com essa nova ordem econômica e política em que as empresas adquirem poder extremamente grande. Nós estamos vivendo numa sociedade em que as principais corporações do mundo geram uma riqueza equivalente a 150 países. É um capitalismo dominado pelas grandes empresas que foram forjando uma condição de, na relação capital-trabalho, se pender mais favoravelmente ao capital. Nessa nova ordem, as empresas conseguiram impor uma estratégia que anulou os sindicatos, principalmente em países que mais precisam destas instituições.
Competitividade e desregulamentação
Em terceiro lugar, existem, como resultado dessa nova ordem, maior competitividade, desregulamentação, dominação do capital financeiro e, ainda, um processo de reestruturação produtiva. Esse processo também foi conduzido pelas empresas e foi se impondo uma lógica de organização da produção desfavorável, na maioria das vezes, à organização coletiva.
Superação do trabalho
O fundamental nesse processo de produção, é a superação do trabalho mais padronizado, em que as empresas buscam, através da utilização de todos os campos da ciência, aprimorar o processo produtivo, o resultado do produto do trabalho, na perspectiva de buscar a racionalização de custos e permitir que a empresa se ajuste à variação da demanda. Essa é uma característica do capitalismo flexível do final do século XX e do início do século XXI. Com isso, as empresas irão disputar também a lealdade do trabalhador frente a outras instituições, como é o caso do sindicato, do Estado e até outras organizações. Portanto, existe uma busca para conquistar corações e mentes dos trabalhadores para aprimorar o processo produtivo, combinado com todo o novo padrão tecnológico que está de acordo com essas mudanças mais gerais do capitalismo. Do ponto de vista político-econômico-social, essa nova lógica apresenta dificuldades ao coletivo.
Ambiente de instabilidade
Uma quarta razão é a de que esse contexto de mudanças, com exceção feita ao período que se estende de 2003 a 2007, gerou um ambiente de instabilidade econômica e uma tendência de baixo crescimento econômico. Relacionada com o processo de reestruturação, temos uma alteração do perfil da composição da classe trabalhadora. Essa alteração gera um número grande de pessoas excluídas do mercado de trabalho pelo desemprego e pela inserção precária. Obviamente, também temos um perfil de classe trabalhadora escolarizada, submetida a um processo de insegurança e instabilidade maior, de terceirização, de descentralização etc.
Ideologias
Em quinto lugar, há uma questão ideológica, que precisa ser colocada em dois sentidos distintos: o primeiro é a prevalência de um caldo cultural extremamente conservador no período recente. Isso faz com que as pessoas entendam que a solução para a condição do trabalho precário não passa pela ação coletiva, mas pelo fato de ele se tornar empregável ou empreendedor. Essas duas palavras se tornaram mágicas nos anos 1990, uma vez que o neoliberalismo não é apenas um conjunto de políticas públicas, mas também um movimento cultural que estabelece a idéia de que a solução dos problemas do trabalho é de responsabilidade das pessoas e não da estrutura social, econômica e política, produzida por uma determinada nação ou por esse arranjo da chamada globalização. Por outro lado, você também tem uma crise da esquerda como um todo. Os paradigmas mais clássicos de transformação social evoluíram e culminaram com a luta no campo da regulação do trabalho e com a luta pela estruturação da sociedade. Com isso, existe uma mudança substantiva num cenário a partir do qual os sindicatos estão atuando. Nesse sentido, vai haver uma certa crise ideológica, capaz de influenciar a atuação dos sindicatos.
IHU On-Line - O reconhecimento legal das centrais sindicais foi se transformando numa importante pauta das centrais. O que há de significativo nessa pauta e qual a sua implicação para a estrutura sindical?
José Dari Krein – Há um movimento contraditório durante o governo Lula. O reconhecimento das centrais sindicais, da forma como se deu, legitimou o imposto sindical, que permite a sobrevivência do sindicalismo sobreviver a partir de recursos do Estado. Isso traz alguns problemas sérios, porque certas estruturas vão se cristalizando e se torna difícil mudá-las.
IHU On-Line - O que vai gerar do ponto de vista da estrutura do reconhecimento?
José Dari Krein – Uma questão contraditória. Com exceção feita ao Conlutas, todas as centrais sindicais têm a mesma pauta de ação, o que gera uma disputa para ver a quem os sindicatos de base vão se filiar. Isso estabelece uma certa concorrência entre as centrais sindicais, a fim de que se filie o máximo de sindicatos porque a sua arrecadação depende do número de sindicatos filiados. Quem está financiando as centrais sindicais é o Estado por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o que gera uma concorrência brutal pelo domínio do sindicato de base. Então, quem não está na estrutura sindical não tem poder algum. Ou seja, essa estrutura acaba gerando um mercado de disputa pela filiação das centrais. Daí podemos esperar muitas coisas estranhas.
As centrais sindicais nesse período estão conseguindo uma agenda comum que, do ponto de vista do seu conteúdo, é absolutamente expressiva e significativa, pois contém a política do salário mínimo, a questão da redução da jornada de trabalho, a questão da Convenção 158 da OIT, além da idéia de se defender um modelo de desenvolvimento que valorize o trabalho de segunda renda. A pauta é expressiva, mas, do ponto de vista do envolvimento da sociedade não tem conseguido avançar. É por esse motivo que as centrais sindicais têm dificuldades de serem reconhecidas socialmente. É preciso discutir a crise em duas dimensões, porque, se olhamos alguns números, especialmente de 2004 a 2007, veremos que alguns indicadores sindicais melhoraram. Mas, se olharmos o peso que o sindicalismo tem na sociedade, nós podemos dizer que esse peso mudou e diminuiu substancialmente.
IHU On-Line - A proposta de substituição do Imposto Sindical e Assistencial pela Contribuição Negocial apresentada pela CUT consiste numa mudança substancial no financiamento dos sindicatos? Qual é o caráter político dessa proposta?
José Dari Krein – Defendo a proposta que não é proveniente da CUT, mas de um acordo feito pelo Fórum Nacional do Trabalho. Uma vantagem disso é a heterogeneidade – que é regional e setorial para o setor econômico – do mercado de trabalho brasileiro e, considerando a sua altíssima rotatividade, que é algo absurdo e complicador grande na questão sindical e na organização coletiva, não há possibilidade do movimento dos trabalhadores sobreviver única e exclusivamente com a mensalidade. Isso é uma realidade para pouquíssimas categorias economicamente estruturadas, como as do setor público.
A proposta da contribuição negocial, para ser viabilizada, será legitimada por uma legislação. Eu vejo isso como algo positivo e necessário. Acredito que o ideal seja o sindicato sobreviver com a contribuição voluntária, mas creio que isso não é uma realidade neste ambiente mais conservador que vivemos. No entanto, também não acredito que é pelo princípio da concorrência que as coisas serão resolvidas. Por isso, é preciso uma salvaguarda, do ponto de vista institucional, para que o sindicato possa continuar arrecadando, porque o resultado dessa ação beneficia o conjunto dos trabalhadores.
Outra vantagem é a de se transferir a decisão do valor da contribuição para a categoria que vai poder se manifestar, conduzida pelos seus dirigentes. Tudo bem que isso não é uma realidade para a grande maioria e trará muitos problemas, mas é preciso abrir a possibilidade de essa ação ser contestada, porque o sindicato terá de se aproximar das aspirações de quem representa para poder fazer jus inclusive à arrecadação. Além disso, ao substituir o imposto sindical por esta nova taxa, as centrais sindicais saem fortalecidas e o imposto sindical é derrubado, pois ele tem o efeito perverso de legitimar essa acomodação da estrutura oficial de lutar contra qualquer processo de mudança. Com a instituição da taxa de negociação, abre-se a possibilidade de pensar na mudança na estrutura sindical.
IHU On-Line - Muitas lideranças sindicais dos anos 1980 se tornaram parlamentares, estão no governo Lula ou bem empregada em ministérios, secretarias e estatais. Outras administram fundos de pensão. Alguns avaliam que se trata de uma geração ideologicamente fraca, facilmente cooptável e que perdeu o espírito de combativitidade. Qual a avaliação que o senhor faz?
José Dari Krein – Eu penso que a perda do espírito de combatividade tem muito mais relação com aquela razão das crises de que falei anteriormente do que simplesmente com a vontade política. Como dizia Marx, o homem faz a história em circunstâncias que ele não escolhe. Não podemos achar que é possível reproduzir os anos 1980 e 1990. Os anos 1980 têm um contexto histórico, político e social muito particular. Os anos 1990, por sua vez, trouxeram outra realidade. Um exemplo: nos anos 1980, prevaleceu uma estratégia que é sinônimo de combatividade. Ela deu certo porque a transição da ditadura para a democracia não significou uma melhoria da condição de vida das pessoas, o que causou um sentimento de frustração muito grande. Com isso, o discurso da contraposição acabou ganhando respaldo na sociedade, porque os planos econômicos daqueles anos não trouxeram os resultados esperados, nem uma estabilização da moeda. E mais: trouxeram um problema ainda maior: a geração da inflação e a promoção de uma desigualdade maior no rendimento do trabalho, um sentimento de insegurança etc. Obviamente que, nos anos 1990, o sindicalismo adotou outras estratégias de reconhecimento e de atuação no espaço institucional. O problema é mais profundo, não apenas sindical. Se o movimento sindical teve conquistas pontuais no quadro atual, do ponto de vista do projeto, podemos dizer que este projeto não tem a cara que o movimento sindical vinha defendendo no país.
IHU On-Line - A Central Única dos Trabalhadores (CUT), quando da sua formação, deu bastante importância para a formação, e esse processo redundou na criação de várias escolas de formação em todo o país. Entretanto, essas escolas se encontram em crise. O que aconteceu?
José Dari Krein – Primeiro: nos anos 1980, a CUT tinha o propósito de fazer formação, mas não uma formação sindical estruturada. Quem fazia a formação eram as Ongs, a Pastoral Operária e outros movimentos. A estrutura da CUT era extremamente débil. A formação realizada pelos grupos de esquerda era mais política do que uma formação instrumental para uma atuação no campo sindical. Quem fazia a formação instrumental era o Dieese nos anos 1980. Mas, hoje, a formação é muito maior do que antigamente. A partir dos anos 1990, a CUT se esforça para estruturar uma política nacional de formação, inclusive para não depender mais dessas outras instituições.
Pela situação dos anos 1990, a formação mais ideológica, política, de visão de mundo, perdeu espaço para uma visão mais voltada para um campo específico da relação capital-trabalho, da negociação, da ação frente ao mundo do trabalho, até depois, para entrar numa outra fase de mudança substantiva, de vincular a formação sindical com a questão da educação profissional. As escolas, atualmente, refletem a crise no sindicalismo e têm a ver com o programa nacional de qualificação, pois essa formação não passa mais pela estrutura sindical. A formação reflete esse problema. Se essa crise for contida, obviamente a formação irá responder a essa nova realidade. A formação, afinal, acompanha a dinâmica das centrais sindicais.
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A contribuição sindical é uma proposta positiva e necessária. Entrevista especial com José Dari Krein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU