04 Dezembro 2025
Há uma imagem que ficará na história de Beirute e deste atormentado pequeno Líbano: é a imagem do papa Leão rezando entre os restos do porto de Beirute, aquela grandiosa infraestrutura que, por um século, foi a principal ponte entre o Mediterrâneo oriental e o centro-ocidental – e que, em 4 de agosto de 2020, foi pulverizada pela explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio cuidadosamente escondidas no porto comercial, presumivelmente por quem tinha seu controle ilegítimo, mas pleno.
O artigo é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, publicado por Settimana News, 02-12-2025.
Eis o artigo.
Pela primeira vez, os parentes das vítimas foram ouvidos, não dispersados com jatos d’água, como aconteceu antes de o governo técnico de Nawaf Salam assumir, devolvendo a esperança de que a investigação possa finalmente avançar.
As imagens transmitidas pelo circuito internacional permitiam ver nitidamente o cemitério de centenas de carros gravemente danificados pela explosão que lembrava um cogumelo atômico, mas sobre a qual as autoridades libanesas anteriores jamais permitiram investigações reais.
Agora os parentes das vítimas foram ouvidos e abraçados pelo papa, acompanhado, pela primeira vez, pelos bispos de Beirute e não pelos sempre presentes patriarcas.
Há também a exortação do papa Leão, durante a homilia pronunciada diante de 150 mil fiéis: Levanta-te, Líbano! E aqui o desejo é tão forte e sentido por todos quanto difícil de concretizar. Não é apenas o peso enorme da perda do próprio porto que recai sobre a cidade. Há uma crise econômica devastadora, que também dura cinco anos, de tal magnitude que tornou necessário o congelamento ilegítimo de todas as contas em moeda forte, isto é, aquelas que todos os libaneses que têm um parente vivendo no exterior possuem.
Ou melhor, possuíam, já que continuam congeladas. Será possível restituir esse dinheiro? Poucos têm esperança, assim como poucos acreditam que será resolvida no Líbano outra forma de confisco: o das armas do Hezbollah. A guerra, novamente possível, acompanhou constantemente – quase como uma companheira de viagem oculta – a peregrinação do papa.
Mas a questão não é apenas a guerra que pode retornar: o ponto é por que o Hezbollah deve estar armado e por que isso lhe foi permitido. No início, nos anos 1980, surgiu como força empenhada contra o invasor israelense, que ocupava o sul do país. Mas quando, em 2000, o invasor se retirou, foi permitido que continuasse armado, sem que se soubesse dizer por quê.
Quando apenas um sujeito político está armado em um país com muitos sujeitos políticos, é claro que usará as armas também contra seus adversários, como de fato o fez. É claro que expropriará o Estado de seu direito de elaborar uma estratégia nacional de defesa, e assim o fez. O Líbano pode permanecer nesse equívoco?
A confiança no Estado se esvai, e o sistema político permaneceu, em grande parte, por consequência disso – mas não só –, preso à forma que tinha no fim da guerra civil, em 1990. Mas esses partidos confessionais ligados a famílias ou líderes da guerra civil ainda fazem sentido hoje? Ou se tornaram uma cupola cada vez mais distante do país real?
Foi isso que Leão disse, de modo comedido mas eficaz, ao chegar a Beirute: Uma cultura da reconciliação não nasce apenas de baixo, da disponibilidade e da coragem de alguns, mas precisa de autoridades e instituições que reconheçam o bem comum como superior ao bem de facção. O bem comum é mais do que a soma de vários interesses: aproxima ao máximo os objetivos de cada um e os orienta para uma direção em que todos terão mais do que se avançarem sozinhos.
Por isso salta aos olhos o fato de que o Grão-Mufti sunita, Abdul Letif Ledrian, na ocasião do encontro inter-religioso, tenha citado o documento de Abu Dhabi, sobre a fraternidade humana, assinado pelo papa Francisco e pelo imã de al-Azhar.
Esse é o verdadeiro e natural desdobramento, sobretudo em um país como o Líbano – de estrutura social e institucional multiconfessional – daquilo que foi proposto na intervenção citada do papa Leão, já que somente a fraternidade em um país plural pode levar ao reconhecimento e ao serviço do bem comum.
O fato de o mufti tê-lo citado representa um avanço significativo para um islã sunita que é chamado a se renovar depois de seus representantes institucionais terem parecido, durante muito tempo, excessivamente ligados à oficialidade, aos governos.
As palavras de Ledrian, que disse desejar sucesso ao papa Leão na condução do navio cristão justamente no espírito do documento de Abu Dhabi, deram assim uma indicação distinta, demonstrando simultaneamente o desinteresse pelas elites governamentais e o afastamento dos extremismos fanáticos.
Outros participantes poderiam ter se unido ao apelo a um documento que faz do Líbano – mensagem de pluralismo, convivência e liberdade, como disse João Paulo II – uma bússola regional. Evidentemente, o medo ainda paralisa muitos hoje.
O momento talvez mais importante tenha sido o encontro do papa com os jovens, não apenas libaneses, mas também vindos de diversos países árabes. Desses jovens emergiu o desejo de um futuro diferente do presente, por exemplo ao preservar as relações humanas diante da superficialidade crescente promovida pelas redes sociais nesta era digital.
Outros relataram sua difícil escolha, em meio à crise econômica que vivem, de acolher refugiados do sul – muçulmanos xiitas – enquanto seu próprio vilarejo estava sob bombas. Muitos jornais libaneses repercutiram uma citação de João Paulo II feita pelo papa Leão nessa ocasião: O perdão conduz à justiça, que é o fundamento da paz.
Antes de partir, no aeroporto nacional, o papa voltou a se dirigir mais à população do que às instituições, em particular às do sul do Líbano, que vivem na instabilidade: Os conflitos armados não trazem soluções – acrescentou.
Difícil não recordar o que havia dito na homilia, pouco antes: O caminho da hostilidade recíproca e da destruição no horror tem sido percorrido por tempo demais, com os resultados deploráveis que estão diante de todos.
Leia mais
- Ancara e Beirute: o sentido do Papa para a política. Artigo de Giovanni Maria Vian
- Leão XIV se reúne com Erdogan: "A Turquia pode desempenhar um papel na promoção da paz e do diálogo no mundo"
- Leão XIV fala do Dia de Ação de Graças, Turquia e Líbano, Ucrânia e violência contra as mulheres
- Pontos-chave da primeira viagem internacional de Leão XIV
- Papa Leão XIV anuncia sua primeira viagem
- O Papa, uma viagem e muitas incertezas
- Papa Leão em Beirute. Artigo de Riccardo Cristiano
- A viagem ecumênica de Leão XIV entre Turquia e Líbano e os dilemas do mundo ortodoxo. Artigo de Giovanni Maria Vian
- Turquia... e Líbano: o Vaticano já está preparando a primeira viagem internacional de Leão XIV
- Turquia, Ucrânia e Peru são as primeiras viagens do Papa. Mas a América está se afastando
- Leão XIV expressa seu desejo de encontrar o Patriarca Bartolomeu durante a comemoração do aniversário de Niceia
- Leão XIV, o desaparecido
- Com Leão XIV, o verão foi ameno… mas o que podemos esperar do outono e inverno?
- Preparativos para a viagem? Papa Leão XIV encontra-se com arcebispo turco
- Bartolomeu marca 30 de novembro como a possível visita de Leão XIV a Niceia
- Papa Leão sobre Niceia, sinodalidade e a necessidade missionária de uma data comum para a PáscoaO legado de Niceia. Artigo de Aldo Badini
- Leão em Niceia até o fim do ano. As pontes com judeus e muçulmanos
- Apelo ao Papa Leão XIV: exige-se ação em favor dos arcebispos sequestrados