01 Dezembro 2025
"Ele era um lídimo representante dos povos da floresta e um observador atento da lógica da natureza. Nós que o conhecemos e com quem privamos na amizade, sabemos de sua profunda identificação com a floresta amazônica, com sua imensa biodiversidade, com os seringais, com os animais, com o mais leve sinal de vida da mata."
O artigo é de Leonardo Boff, ecoteólogo e filósofo, autor de Sustentabilidade e cuidado: como assegurar o futuro da vida (Conhecimento Liberta, 2025).
Eis o artigo.
A COP30 em Belém terminou com resultados insatisfatórios. No documento final é nulo o compromisso na diminuição gradual dos combustíveis fósseis e pela fragilidade de decisões no financiamento das políticas de minoração de gases de efeito estufa. Isso levou a numerosos cientistas e ecologistas a afirmarem: “Suprimir a menção dos combustíveis fósseis é traição à ciência e às pessoas mais vulneráveis e é incoerente com as metas até 2030”.
Mas houve alguns avanços, especialmente quanto às 59 metas da adaptação, a inclusão das desigualdades de raça como componente da crise climática, a valorização das mulheres, dos afrodescendentes e povos originário na defesa da vida e principalmente o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). Problema nunca resolvido é o do financiamento porque os países industrializados e ricos, os principais causadores do aquecimento global, se negam a colaborar de forma realmente eficiente.
Num contexto geral de impasse face ao acúmulo de crises que podem ameaçar futuro da vida e da espécie humana, lembramo-nos daquelas figuras paradigmáticas que nos inspiraram caminhos novos e nos dão esperança. Seguramente uma delas é Chico Mendes, tão conhecido mundialmente quanto é conhecido Pelé.
Ele era um lídimo representante dos povos da floresta e um observador atento da lógica da natureza. Nós que o conhecemos e com quem privamos na amizade, sabemos de sua profunda identificação com a floresta amazônica, com sua imensa biodiversidade, com os seringais, com os animais, com o mais leve sinal de vida da mata. Era um S. Francisco secular e moderno. Dividia seu tempo entre a cidade e a selva. Mas quando estava na cidade ouvia fortemente o chamado urgente da selva, em seu corpo e em sua alma. Sentia-se parte e parcela dela. Por isso regressava de tempos em tempos ao seringal e à comunhão natural e cósmica. E aí sentia-se em seu habitat, em sua verdadeira casa. Tive o privilégio de fazer algumas penetrações na floresta amazônica do Acre, ocasião em que pude admirar a alma ecológica de Chico Mendes.
Mas sua consciência ecológica o fazia deixar, por algum tempo, a floresta para organizar seringueiros, fundar células sindicais e participar das lutas de resistência (os famosos "empates", estratégia pela qual os seringueiros junto com suas crianças, velhos e outros aliados se postavam pacificamente diante dos desmatadores e de suas máquinas impedindo-lhes de derrubar árvores).
Diante da crise ecológica imposta à Amazônia sugeriu em nome do movimento dos povos da floresta a criação de reservas extrativistas, aceitas pelo governo central ainda em 1987. Era muito realista ao dizer:
"Nós entendemos – os seringueiros entendem – que a Amazônia não pode se transformar num santuário intocável. Por outro lado, entendemos também que há uma necessidade muito urgente de se evitar o desmatamento que está ameaçando a Amazônia e com isto está ameaçando a vida de todos os povos do planeta. Por isso pensamos numa alternativa de preservação da floresta que fosse ao mesmo tempo econômica. Então pensamos na criação da reserva extrativista" (cf. Grzybowski, C., (org.) O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo, FASE, Rio de Janeiro 1989, p. 24).
Ele mesmo explica como funciona este modo de produção: "nas reservas extratitivistas nós vamos comercializar e industrializar os produtos que a floresta generosamente nos concede. A universidade precisa vir acompanhar a reserva extrativista. Ela é a única saída para a Amazônia não desaparecer. E mais: essa reserva não terá proprietários. Ela vai ser um bem comum da comunidade. Teremos o usufruto, não a propriedade" (cf. Jornal do Brasil, 24/12/1988).
Destarte encontrar-se-ia uma alternativa ao extrativismo selvagem que somente traz vantagens aos especuladores especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, hoje preso por tentativa de golpe. Uma árvore de mogno, cortada no Acre, custa de 1 a 5 dólares; vendida no mercado europeu custa cerca de 3 a 5 mil dólares.
Na véspera do Natal de 1988 foi vítima da sanha dos inimigos da natureza e da humanidade. Foi assassinado com 5 balas. Deixou a vida amazônica para entrar na história universal e no inconsciente coletivo dos que amam nosso planeta Terra e sua imensa biodiversidade.
Como arquétipo Chico Mendes anima a luta pela preservação da Hiléia Amazônica e dos povos da floresta, hoje assumida por milhões de pessoas no mundo inteiro. Bem cantou um poeta da floresta do Pará: "Ai! Amazônia! Amazônia! Enterraram Chico Mendes, só não se enterra a esperança" (João de Jesus Paes Loureiro). Essa esperança se transformou num esperançar (Paulo Freire), vale dizer, a criação dos meios e das circunstâncias para realizar o que alguns chamam a Terra da Boa Esperança, a Terra respeitada e tida como a Grande Mãe Geradora.
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