25 Novembro 2025
O dia 25 de novembro é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência de Gênero, no plural, mas no imaginário coletivo ainda se impõe apenas um tipo de violência – aquela que ocorre em um relacionamento amoroso ou com um ex-parceiro – e um tipo de vítima: a mulher submissa que não é como nós.
O artigo é de Ana Requena Aguilar, publicado por El Diario, 24-11-2025.
Ana Requena Aguilar (1984) é redatora chefe de Gênero do eldiario.es.
Eis o artigo.
O que lhe vem à mente quando pensa em violência de gênero, em violência machista? Talvez a mulher assassinada recentemente pelo ex-parceiro ou algum crime que a tenha chocado particularmente. Os nomes Diana Quer ou Laura Luelmo também podem surgir, talvez até a vítima do estupro coletivo do "bando de lobos". E quanto à sua própria vida? O homem que a assediou para mostrar como se masturbava, aquele que se esfregou em você no ônibus, aquele que a seguiu na rua, o chefe tarado, o colega de trabalho que a toca de forma inapropriada (mas é brincadeira), o grupo que a importunou naquela rua, o cara com quem você se encontrou para transar e que acabou a forçando a fazer algo que você não queria, o amigo que, bêbado numa noite, decide que pode tocar no seu seio ou deixá-la desconfortável até que você consiga se livrar dele, o namorado que a fez se sentir um lixo, mas nunca chegou a encostar um dedo em você.
Embora todas as mulheres vivenciem alguma ou todas essas formas de violência em algum momento de suas vidas, temos dificuldade em nos identificar como vítimas. Nosso cotidiano é marcado pela violência e pela discriminação, mas as vítimas são sempre outras pessoas. O dia 25 de novembro é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, no plural, mas no imaginário coletivo, apenas um tipo de violência — aquela que ocorre dentro de um relacionamento atual ou anterior, frequentemente com forte componente físico — e um tipo de vítima — uma mulher submissa que nunca é como nós — ainda prevalece.
A fronteira entre 'nós' e 'eles'
Para a socióloga Elena Casado, essa fronteira “entre nós e eles” é uma ficção que nos impede de enxergar “a estrutura da desigualdade, o terreno fértil onde a violência se alimenta”. Casado acredita que o próprio estigma associado à palavra “vítima” impede que a maioria das mulheres se reconheça como tal quando sofre violência. “Você é a coitadinha que parece não ter percebido nada, a submissa. Não podemos mais perpetuar a narrativa de que existe igualdade e depois existem essas coitadinhas que sofrem violência”, argumenta a socióloga, que defende os termos desigualdade e discriminação como denominadores comuns a todas as mulheres.
“Parece que para ser vítima de violência de gênero, é preciso ser uma mulher submissa 24 horas por dia, que não faz absolutamente nada; algo que ignora a dimensão do problema, que na verdade é estrutural. Existe um estereótipo da vítima associado à violência física — quanto mais brutal, mais vítima — dentro de um relacionamento, e que essa mulher não tem voz nem poder de decisão. É impossível encaixar toda a violência que sofremos nesse estereótipo; ele impede a identificação e, ao contrário, gera um estigma”, reflete a jornalista Mar Gallego.
“Em algumas situações, vemos claramente o discurso de 'você tem que denunciar, por que não está denunciando?'. No entanto, quando seu chefe é um assediador, ou você está em um relacionamento onde se sente constantemente mal, não vemos isso com tanta clareza”, continua a socióloga Elena Casado. O exemplo da violência sexual é paradigmático: “Vemos o estupro como algo que um estranho faz em um beco, mas todos nós temos um primo, um amigo, um parceiro que em algum momento se aproveitou de um desequilíbrio de poder, e muitas vezes esquecemos ou arquivamos essas situações para que não se tornem problemáticas ou porque podem ser traumáticas.”
Mar Gallego coletou dezenas de histórias de mulheres na Colômbia que sofreram violência doméstica e superaram o ciclo de violência: “Muitas disseram que o que mais as inibia era o conceito de vitimização, a institucionalização da vítima com a qual não se identificavam. O que elas vivenciavam era a própria vida, não algo externo. Outro fator era o tratamento que recebiam das instituições, pois questionavam muito os procedimentos; existe não apenas uma imagem da vítima, mas também do seu comportamento e do que seria a situação ideal para ser vítima.”
Gallego também critica a divisão "nós contra eles", a separação entre teóricos "que podem descrever essa situação e que consideramos isentos dessa violência" e as mulheres que a sofrem "e que nunca percebemos como pessoas capazes de falar ou teorizar sobre a situação". Casado acrescenta que muitas mulheres feministas são ainda mais resistentes a se identificarem como vítimas de violência de gênero: "Dizemos que somos feministas, como isso pode ser, como isso pôde acontecer comigo; quase nos sobrecarregamos com uma dupla culpa. Pensamos que essas coisas não acontecem conosco, acontecem com os outros."
O meu caso não é típico
A pesquisadora da ONU Mulheres, Juncal Plazaola, enfatiza que a violência de gênero “é um espectro contínuo”, que vai de formas sutis ao assédio de rua e ao feminicídio: “O movimento feminista trouxe à tona, mais uma vez, outros tipos de violência que ocorrem em todos os lugares, em todos os países e contextos”. Plazaola acredita ser essencial considerar o conceito de interseccionalidade; ou seja, que existem outros fatores, além do gênero, que fazem com que muitas mulheres sofram outros tipos específicos de violência ou que exacerbam a discriminação.
A cultura do estupro, explica ela, tornou a violência sexual completamente invisível e até mesmo tolerada. “Menos da metade dos países do mundo reconhece o estupro dentro de relacionamentos”, exemplifica. A culpabilização da mulher, a objetificação, a trivialização, a atitude de “não é tão ruim assim” e a negação de que essa violência seja frequente e generalizada são fatores que a pesquisadora menciona como parte dessa cultura que dificulta que as mulheres se identifiquem como vítimas de violência ou assédio sexual e denunciem esses comportamentos. Plazaola considera crucial “iniciar a conversa”: “Gerar narrativas, conversas e combater estereótipos”.
Todas concordam que as histórias de violência e discriminação sofridas por mulheres não se encaixam em uma narrativa específica e transcendem estereótipos, inclusive o da vítima. “Muitas vezes, o foco não está na estrutura, mas em se você é mais ou menos passiva ou ativa nessas situações. Se você só consegue sentir de uma maneira para denunciar, então você não vai denunciar”, destaca Gallego.
“Meu caso não é típico.” É assim que começam muitas das histórias que a socióloga Elena Casado ouve. “Se nenhum deles é um caso típico, temos que nos perguntar se o caso típico com o qual estamos lidando nos serve de alguma coisa.”
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