13 Novembro 2025
"Essas mudanças são exemplos de sensus fidelium — a atuação do Espírito Santo por meio dos fiéis leigos. Os próprios leigos clamam por mudanças, insistem na plena aceitação da comunidade LGBTQ+ e fazem com que suas vozes sejam ouvidas", escreve James E. Porter, professor de retórica e comunicação profissional na Universidade de Miami (Ohio), em artigo publicado por New Ways Ministry, 27-10-2025.
Este texto é a Parte 1 de uma série de artigos sobre a história do cristianismo e do sexo, baseada no livro de 2025, "Abaixo dos Anjos: Uma História do Sexo e do Cristianismo", de Diarmaid McCulloch. As partes seguintes da série serão publicadas nas próximas segundas-feiras.
Eis o artigo.
A história da Igreja tem algo de útil ou reconfortante a oferecer à comunidade LGBTQIA+? Ou é apenas uma longa e triste história de oposição obstinada a qualquer mudança?
Um novo livro sobre a história do sexo e do cristianismo, escrito por um historiador da igreja da Universidade de Oxford, oferece esperança para futuras mudanças na igreja, mostrando que, ao longo dos séculos, a Igreja mudou com bastante frequência em relação ao casamento, à moralidade sexual e à identidade sexual. Em "Abaixo dos Anjos: Uma História do Sexo e do Cristianismo", Diarmaid MacCulloch nos lembra que muitos...A discussão de algumas das questões mais espinhosas da Igreja, especialmente as relativas ao corpo e à sexualidade, exigiu a distinção entre a necessidade doutrinal imutável e o costume cultural modificável. O livro é uma história abrangente que narra uma história fascinante, porém complexa, com muitas reviravoltas, variações e inconsistências. MacCulloch resume tudo em sua conclusão:
“O cristianismo continua sendo uma fé camaleônica. … Ler a história de três mil anos de cristãos e seus predecessores falando sobre sexo, homens, mulheres, filhos, casamento, é perceber quão complexa e variada tem sido a conversa, o quanto o ensinamento cristão mudou e se adaptou às circunstâncias em que se encontra” (490).
A obra de MacCulloch oferece perspectivas e apoio às questões LGBTQIA+? Sim, e muito. O livro nos tranquiliza ao mostrar que é possível, até inevitável, que a Igreja mude seus ensinamentos sobre gênero e identidade sexual, bem como sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo. Gostaria de destacar alguns pontos de MacCulloch que são mais relevantes para os esforços atuais em prol da plena aceitação LGBTQIA+ na Igreja Católica.
Atos homossexuais e casamento
MacCulloch demonstra como a desaprovação da Igreja primitiva em relação às relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo era coerente com as atitudes culturais negativas romanas e judaicas da época. Contudo, as relações entre pessoas do mesmo sexo existiam nessas culturas e, em diferentes momentos, foram toleradas, proibidas (e severamente punidas) e celebradas (por exemplo, na poesia e na escultura).
Após o Concílio de Niceia (325 d.C.), a Igreja formou uma estreita aliança com o imperialismo romano, adotando algumas de suas práticas severas. O imperador Teodósio I usou o poder do Estado para “criminalizar a prática secular das relações entre pessoas do mesmo sexo” (139). Teodósio II orquestrou “um novo clima público de ódio à homossexualidade” (139) — o que contrastava com a aceitação, e até mesmo a celebração, das relações entre pessoas do mesmo sexo em períodos romanos anteriores. À medida que a Igreja se tornava uma instituição imperialista, ela usava a lei romana para impor sua visão sobre identidade sexual e relações sexuais — de maneira muito semelhante à forma como a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA hoje pressiona os governos estaduais e federal para impor os ensinamentos da Igreja em relação ao casamento, gênero, identidade sexual e direito reprodutivo.
Apesar das proibições legais, as relações entre pessoas do mesmo sexo fazem parte da história da Igreja. Na Igreja Ortodoxa Oriental, existia uma tradição chamada adelphopoiesis, ou “formação de irmãos”, na qual os monges formavam laços estreitos ao longo de longos períodos. Tais relações não eram necessariamente sexuais (MacCulloch faz questão de salientar), especialmente porque os monges muitas vezes faziam voto de celibato. Contudo, essas relações eram frequentemente reconhecidas em ritos formais, “acordos perante Deus acompanhados de orações específicas, reconhecidos pelo mundo monástico em geral” (148).
"Lower Than the Angels: A History of Sex and Christianity", de Diarmaid MacCulloch (2025).
Essa tradição monástica perdurou por muitos séculos. Aliás, alguns dos membros mais notáveis da Igreja tiveram relacionamentos intensos com pessoas do mesmo sexo.
Santa Brígida de Kildare (falecida em 525 d.C.), fundadora e abadessa do mosteiro de Kildare, na Irlanda, tinha uma "amiga de alma" (anam cara) muito próxima, chamada Dharlughdach, outra freira da abadia, com quem ela dormia.
São Bernardo de Claraval (falecido em 1153 d.C.), fundador da Ordem Cisterciense e cofundador dos Cavaleiros Templários, escreveu poesia homoerótica e teve um relacionamento apaixonado com o arcebispo irlandês Malaquias de Armagh. Quando Malaquias morreu, foi sepultado com o hábito de Bernardo — e Bernardo usou o hábito de Malaquias até sua morte, cinco anos depois. Foram sepultados juntos.
Santa Hildegarda de Bingen (falecida em 1179 d.C.), uma importante teóloga e médica da Igreja, tinha uma profunda amizade pessoal com outra freira, Richardis von Stade.
John Henry Newman (também conhecido como Cardeal Newman, mais tarde São John Henry Newman) teve um relacionamento de 32 anos com o Padre Ambrose St. John. Os dois “eram inseparáveis e viviam juntos”. Após a morte de St. John em 1875, Newman passou “a noite na cama ao lado do cadáver” (431); eles pediram para serem enterrados na mesma sepultura. Como MacCulloch observa, havia uma subcultura homossexual bem estabelecida no sistema de escolas públicas inglesas (ou seja, escolas particulares de elite) do século XIX, apesar das leis britânicas punitivas que proibiam a homossexualidade masculina (432-433).
Se esses relacionamentos eram sexuais ou não, é claro que é desconhecido — e talvez irrelevante. Em certo nível, pelo menos, esses laços estreitos e comprometidos eram casamentos. MacCulloch nos lembra que, no cristianismo do século V, o casamento ainda não era ritualizado. O casamento cristão era baseado inteiramente no consentimento de ambas as partes, que se comprometiam uma com a outra perante Deus.
As autoridades da Igreja certamente tinham conhecimento desses laços entre pessoas do mesmo sexo e os toleravam, mas não os reconheciam como casamentos. Elas os classificavam, sem questionamentos, como "amizades" – a versão da Igreja para a política "Não pergunte, não conte".
Doutrina ou cultura?
A dicotomia de gênero masculino/feminino e a proibição do casamento e das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são posições doutrinariamente necessárias para a fé? Ou são costumes culturais — fortes e antigos, sem dúvida — que podem, portanto, ser mudados?
MacCulloch destaca que as visões da Igreja sobre a moralidade sexual não se baseiam muito nas Escrituras: os Evangelhos pouco dizem sobre moralidade sexual, e Jesus “nada disse sobre homossexualidade” (79). Em vez disso, sua base é a “lei natural”, cuja autoridade foi conferida pela teologia de Tomás de Aquino, do século XII, influenciada por Aristóteles, que, como afirma MacCulloch, insistia que: “Havia homens e havia mulheres, e suas partes corporais foram projetadas para se encaixarem na relação sexual. Qualquer outro uso delas era literalmente 'desordenado'” (495). MacCulloch espera que a Igreja possa atualizar essa visão, com base no que se tornou evidente sobre o comportamento humano e a biologia ao longo do último século (495).
MacCulloch afirma que, em última análise, a cultura altera a doutrina — inevitavelmente, embora talvez lentamente. Desde a década de 1970, algumas outras denominações cristãs importantes ajustaram suas visões sobre casamento, sexualidade e assuntos relacionados — primeiro a contracepção e o divórcio, depois a ordenação feminina e o casamento entre pessoas do mesmo sexo — adaptando a doutrina para se alinhar mais estreitamente com as mudanças nas atitudes culturais. A Comunhão Anglicana começou a ordenar mulheres como sacerdotisas em 1971. A Igreja Episcopal começou a ordenar mulheres em 1974, aprovou a ordenação de pessoas transgênero em 2012 e codificou o apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015.
Essas mudanças são exemplos de sensus fidelium — a atuação do Espírito Santo por meio dos fiéis leigos. Os próprios leigos clamam por mudanças, insistem na plena aceitação da comunidade LGBTQ+ e fazem com que suas vozes sejam ouvidas.
Alguns clérigos, incluindo bispos, estão ouvindo e já fazendo ajustes em seus ensinamentos: por exemplo, o Vigário Geral da Arquidiocese de Hamburgo, Padre Sascha-Philipp Geißler, publicou novas diretrizes que adotam uma “visão de amor, parceria, casamento, família e sexualidade fundamentada na ética dos relacionamentos” e que “defendem a aceitação da diversidade em termos de orientação sexual e identidade de gênero”.
Como demonstra a história da Igreja, são esses pequenos passos na prática que, eventualmente, levam à verdadeira mudança.
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