Gaza. "A reconstrução não será feita por Kushner e Blair, mas pela sociedade civil". Entrevista com Pierbattista Pizzaballa

Foto: Mahmoud Abu Hamda/Anadolu Ajansi

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29 Outubro 2025

O Patriarca de Jerusalém, convidado em Roma para a reunião de paz de Sant'Egidio, disse: "Será um grande negócio, um bolo lindo que 99% da população não comerá. Precisamos reconstruir a partir das ruínas humanas que esta guerra criou".

A entrevista é de por Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 27-10-2025.

A reconstrução da Faixa de Gaza não será feita pelo genro de Donald Trump, Jared Kushner, e pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, mas sim por muitas pessoas comuns, entre palestinos e israelenses, que "serão capazes de se envolver e reconstruir o tecido civil e humano que esta guerra destruiu": o cardeal Pierbattista Pizzaballa está convicto disso.

Mattarella abre, Leão fecha

O Patriarca Latino de Jerusalém participou esta manhã do encontro "Ousando a Paz", organizado em Roma pela Comunidade de Santo Egídio. Ele discursou em uma conferência no auditório, juntamente com, entre outros, o Cardeal Matteo Zuppi, o cardeal congolês Fridolin Ambongo, o vice-primeiro-ministro libanês Tarek Mitri e o secretário da CGIL, Maurizio Landini. A secretária do Partido Democrático, Elly Schlein, também esteve presente.

Aberto ontem pelo presidente Sergio Mattarella, o encontro será encerrado amanhã à tarde no Coliseu pelo Papa Leão XIV. Mais de 10 mil pessoas participaram.

“Precisamos de uma nova liderança”

No Oriente Médio, "as instituições políticas e religiosas demonstraram seu fracasso", disse Pizzaballa, "as multilaterais, as nacionais, até mesmo as religiosas: não conseguimos oferecer uma palavra de direção neste drama". Mas, continuou o patriarca, "notei a vitalidade das instituições civis: organizações, movimentos, voluntários, participação transversal de cristãos, judeus, muçulmanos, israelenses, palestinos — tudo isso funcionou. Se nem todos em Gaza morreram de fome, foi porque essas instituições civis — com exceção da ONU — conseguiram, mesmo a um custo altíssimo, romper o cerco e fornecer o mínimo necessário. Conheci dezenas e dezenas de israelenses de dezoito anos que, em vez de pegar em armas e atirar, se recusaram e acabaram na prisão. Israelenses e palestinos que conseguiram se unir para chegar onde as instituições não conseguiram. Minha esperança é esta", disse Pizzaballa.

O religioso completou dizendo que "essa organização civil possa ser a liderança política da próxima geração, que será a que poderá virar a página: certamente não esta geração atual de líderes. Os mais novos serão capazes de trazer uma nova linguagem e uma nova perspectiva para este mar de ódio, violência, rejeição e desprezo em que esta guerra nos mergulhou. nquanto essas pessoas estiverem aqui, será possível reconstruir algo: a reconstrução não será feita por Kushner e Blair, a reconstrução será feita por voluntários que, um após o outro, serão capazes de se envolver e reconstruir o tecido civil e humano que esta terra destruiu".

“Um grande negócio”

Se o Patriarca Latino de Jerusalém já havia expressado sua oposição ao plano inicial de Donald Trump de evacuar palestinos de Gaza para construir uma "Riviera", ele agora reiterou sua preocupação com os riscos de uma reconstrução que não atenda aos interesses da população da Faixa. "A reconstrução de Gaza é um grande negócio, e será um bolo delicioso, mas 99% da população não vai querer comê-lo", disse Pizzaballa.

Gaza esquecida

Agora, disse o cardeal em seu discurso, "estamos no início de uma nova fase, ainda a ser construída, e talvez ainda mais difícil. Espero que a guerra tenha terminado, acredito que sim, acredito que a fase de emergência acabou.

Conversando com o nosso povo em Gaza, percebi o seguinte: durante a fase de emergência, vivíamos um dia de cada vez, cada dia era uma emergência e tínhamos que resolvê-la. Agora não há mais bombardeios indiscriminados, eles saíram de seus esconderijos e veem o nada e tanto ódio à sua frente." A reconstrução "levará anos, e enquanto isso, para onde vocês vão? Onde vocês estão?", questionou Pizzaballa.

"A mídia logo deixará de falar sobre Gaza e o mundo não verá mais Gaza. A questão se deslocará para outro lugar, mas esses dois milhões de pessoas permanecerão lá, sem-teto, sem emprego, sem hospital, sem escola, sem nada, e estar presente lá será ainda mais necessário." O Patriarca de Jerusalém agradeceu ao Cardeal Zuppi que, juntamente com a Conferência Episcopal Italiana (CEI), assumiu a tarefa de reconstruir um hospital, o que não será fácil. Mas, continuou ele, "reconstruir a partir dos escombros humanos, da devastação humana que esta guerra criou, exigirá ainda mais energia."

Desde os tempos de Caim e Abel

"Falamos de paz desarmada e sem armas", disse Pizzaballa. "As armas sempre existirão. Armas são compradas porque alguém quer comprá-las. Desde os tempos de Caim e Abel, no coração humano existe o desejo de posse, de vingança, de exclusividade. As armas são apenas a consequência. Precisamos trabalhar na raiz do problema, na linguagem, na narrativa, na cultura, na educação e assim por diante. Não há Palestina nos livros de história israelenses, não há mapa de Israel nos livros de geografia palestinos. Se você quer paz desarmada, é por aí que você tem que começar; é aí que os pensamentos são formados, é aí que as palavras nascem, que mais tarde se tornarão armas se forem as palavras erradas."

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