16 Outubro 2025
"A gente sempre quer avançar etapas. Quando criança, já quer ser adolescente para poder ir pra balada. Quando adolescente, quer ser jovem, porque pode pegar o carro do pai e dar umas bandas. Quando jovem, quer ser adulto, para poder se firmar na vida, desempenhar uma profissão, ganhar a sua grana. Quando adulto, o pensamento se centra na aposentadoria", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Eis o artigo.
Há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de chorar e tempo de rir, tempo de estar calado e tempo de falar ensina o livro de Eclesiastes. Assim também há o tempo de ser criança e de ser adolescente, de ser jovem e de ser adulto. Cada qual com seus momentos de alegria, dor, sofrimento, realizações. Também de perigos.
Nenhum pai responsável deixará seu filho ou filha de três anos de vida sozinho numa piscina, nem permitirá que um adolescente saia por aí dirigindo um carro. Cada momento com os seus perigos. Mais quais são os perigos da Terceira Idade e quem zela por esse grupo? Têm os que vivem sozinhos, com o/a cônjuge, em asilos, com parentes ou estão abandonados. É o tempo, diz a propaganda, da “melhor idade”.
Só que na melhor idade o sujeito é mais propenso a cair, quebrar o nariz, um braço, uma perna, bater a cabeça no chão; também pode cair devido a um apagão, quando desmaia, pego por uma arritmia, por exemplo. Claro, o coração não é mais o de 40 anos atrás, nem mesmo o pulmão, as pernas, a força dos braços. E quando se perde a memória, então, nem os seus a gente reconhece mais.
As limitações aumentam. Nem todos os e as na “melhor idade” estão em condições de dirigir. Talvez tenham que trocar o hotel de antanho pelo hospital. Andar de bicicleta, embora excelente exercício, pode se tornar uma temeridade. Além do equilíbrio tem o movimento do trânsito. Aquele churrasco gordo com amigos dá lugar a uma sopa de capeletti. Trago, nem pensar.
Recolhimento em casa é a receita para quem tem um mínimo de condições de se manter sozinho sobre os dois pés. Ir aos pés, se não for todos os dias, pode se transformar num problema intestinal. Se for viajar, é preciso levar xarope, comprimido para dores musculares, para a hipertensão, para a diabete, para a dor de cabeça... aliás, arrumar na mala uma mini farmácia.
Então, bom é ficar em casa. Há tempo pra ler, escutar música, assistir televisão. Mas se os olhos não ajudam, ler fica difícil, a TV ainda vai. Se não precisar de aparelho para ampliar o som nos ouvidos, a música cai bem. Tranquiliza e mexe com os sentimentos. “Melhor é serem dois do que um, porque se cair, o/a companheiro/a levanta”, de novo o Eclesiastes. Num casal, um serve de apoio ao outro. Mas não se esqueça: não discuta, ela sempre tem razão.
A gente sempre quer avançar etapas. Quando criança, já quer ser adolescente para poder ir pra balada. Quando adolescente, quer ser jovem, porque pode pegar o carro do pai e dar umas bandas. Quando jovem, quer ser adulto, para poder se firmar na vida, desempenhar uma profissão, ganhar a sua grana. Quando adulto, o pensamento se centra na aposentadoria.
“Ah, como é bom ser aposentado, não ter horário pra nada, não ter compromissos, poder levar a vida ao bel prazer, passear, viajar, encontrar amigos ficar de papo pro ar, deitado numa rede e deixar o tempo passar...” Mas entra no calendário uma agenda médica, que não dá para ignorar.
E eu que pensava que na “melhor idade” chegaria, de fato e de direito, na melhor idade, sem contar com percalços que o passar dos anos nos apresenta. A melhor idade tem suas marcas. Algumas boas, outras profundas, doloridas. Mais indicado seria chamá-la de “idade do condor”: com dor aqui, com dor ali. E para viver a melhor idade é preciso conviver e aceitar as tais marcas, as visíveis, como os cabelos brancos, e as invisíveis, o que vai na alma. O melhor a fazer, para preservar a saúde do corpo e do espírito, é “mexer-se”.
Esses são modelos de quem pode sonhar e desfrutar de uma aposentadoria sem ter que recorrer a empréstimos consignados, ou de filhos, parentes e amigos. Quantos milhares de brasileiros e brasileiras, mesmo na idade da aposentadoria, precisam continuar ativos no batente para ter o que botar na mesa! Para esses e essas não têm “melhor idade”. Nunca a alcançam.
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