Leão na armadilha. Artigo de Fabrizio Mastrofini

Foto: Mariananistor35 | pixabay

Mais Lidos

  • A ideologia da Vergonha e o clero do Brasil. Artigo de William Castilho Pereira

    LER MAIS
  • Juventude é atraída simbolicamente para a extrema-direita, afirma a cientista política

    Socialização política das juventudes é marcada mais por identidades e afetos do que por práticas deliberativas e cívicas. Entrevista especial com Patrícia Rocha

    LER MAIS
  • Que COP30 foi essa? Entre as mudanças climáticas e a gestão da barbárie. Artigo de Sérgio Barcellos e Gladson Fonseca

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

06 Outubro 2025

"O mundo conservador pôde, assim, implementar sua técnica habitual: usar o Papa apenas no que interessa, excluindo o resto", escreve Fabrizio Mastrofini, jornalista e ensaísta italiano, publicado por l'Unità, 02-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O mundo conservador católico EUA está exultante: "Fomos nós", escreve nas mídias social o "Catholic Vote", uma rede com mais de 96.000 seguidores, "que forçamos o Papa a intervir e obrigar ao recuo na intenção de atribuir ao senador democrata Dick Durbin (pró-aborto, ndr) o prêmio para os direitos humanos concedido pela Arquidiocese de Chicago". A história, mais uma vez, demonstra a incandescência da polarização política e eclesial nos EUA.

Desta vez com a cumplicidade involuntária do Papa Leão XIV. Questionado há dois dias em Castel Gandolfo pela emissora conservadora EWTN sobre a adequação do prêmio, o Papa Leão caiu na armadilha. "Acho", disse Leão XIV, "muito importante analisar o trabalho geral que o senador realizou durante, se não me engano, 40 anos de serviço no Senado dos Estados Unidos". Ele acrescentou que é "importante analisar muitas questões relacionadas ao ensinamento da Igreja". Dizer "sou contra o aborto", mas "a favor da pena de morte" não é realmente pró-vida, assim como não o é "concordar com o tratamento desumano dos imigrantes nos Estados Unidos".

Isso foi o suficiente para a exultação dos conservadores: na opinião deles, o Cardeal Cupich, Arcebispo de Chicago, um progressista, visto como uma pedra no sapato deles, errou ao premiar o senador democrata Durbin, que é muito crítico com o governo Trump em questões de direitos humanos (imigrantes e repressão), mas está errado em pertencer a um partido que apoia o "direito de escolha" das mulheres e é ele próprio a favor do aborto, embora com muitas ressalvas. De nada serviu uma declaração da arquidiocese na semana passada, que tentou suavizar a situação, convidando a considerarem o empenho de quarenta anos do premiado pelos direitos civis.

Ontem, finalmente — os conservadores católicos comemoraram nas redes sociais —, o senador anunciou que não aceitaria o Prêmio por sua carreira durante o evento anual de arrecadação de fundos do centro para a imigração da Arquidiocese de Chicago, "Keep Hope Alive". Durbin é um proeminente defensor dos direitos dos imigrantes e muitas vezes colocou a dignidade dos vulneráveis no centro de seu serviço público. Ele trabalhou arduamente para promulgar leis de apoio aos imigrantes, entre as quais o "Dream Act". Em setembro, fez um discurso apaixonado desafiando as políticas de deportação do presidente Donald Trump e condenando o plano de Trump de implementar a Operação Midway em Chicago, que, a partir de 6 de setembro, levou à detenção de 500 imigrantes ilegais nas duas primeiras semanas.

O Cardeal Cupich quis destacar esse bom trabalho — e essa é a motivação do prêmio. Mas, como explica Mike Lewis, um analista religioso sério e atento, o cardeal talvez não tenha prestado atenção suficiente ao histórico de Durbin, especialmente a uma entrevista de 2005, na qual afirmava: "Sou contra o aborto. Se uma mulher da minha família dissesse que queria abortar, eu faria tudo para dissuadi-la de tomar essa decisão." Mas acrescentou: "no final cheguei à conclusão de que há certos momentos na vida de uma mulher em que precisa tomar essa decisão com seu médico, sua família e sua consciência, e que o governo não deveria interferir." O mundo desabou! Nos EUA, o respeito à vida é uma via de mão única, pelo menos no mundo católico: significa se opor ao aborto, mas de forma alguma contestar o direito de se armar e se defender, nem mesmo de tratar de forma desumana os imigrantes e, muito menos aceitar a rejeição da pena de morte pelo Vaticano. Por esse motivo, a EWTN astutamente questionou o Papa na terça-feira.

Leão XIV tentou lidar com a situação, mas no final teve que dizer: o ensinamento da Igreja contra o aborto é muito claro. O mundo conservador pôde, assim, implementar sua técnica habitual: usar o Papa apenas no que interessa, excluindo o resto. Talvez em suas relações com as mídias, Leão XIV deveria ser alertado sobre a importância de não ter que responder obrigatoriamente a todas as perguntas.

Principalmente quando cheiram a armadilha.

Leia mais