Aconselhamento pastoral após o aborto: Deus me perdoará? Entrevista com palotino Klaus Schäfer

Foto: Francesco Ungaro | Pexels

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02 Outubro 2025

A Igreja considera o aborto um pecado. Ainda assim, o Padre Klaus Schäfer trabalha como conselheiro pastoral voluntário para mulheres que passaram por essa situação. Em entrevista à katholisch.de, ele fala sobre as perguntas que elas fazem e por que a Igreja deveria voltar a oferecer aconselhamento em casos de conflito na gravidez.

O fórum na internet nachabtreibung.de (após o aborto) foi concebido como um portal de autoajuda para mulheres que realizaram um aborto. Após uma pausa de vários anos, ele será reativado. O padre palotino Klaus Schäfer está envolvido nesse projeto. Através da seção "Aconselhamento Pastoral", as mulheres podem entrar em contato com ele. Na entrevista, ele explica como se envolveu nesse trabalho e como pode conciliá-lo com a doutrina católica.

A entrevista é de Gabriele Höfling, publicada por katolisch.de, 30-09-2025. 

Eis a entrevista. 

Padre Schäfer, como o senhor começou a oferecer aconselhamento pastoral voluntário no fórum "nachabtreibung.de"?

Eu sou conselheiro pastoral em hospital e, há cerca de 20 anos, fiz pesquisas online para um livro sobre como as mulheres se sentem após natimortos e abortos espontâneos. Foi assim que os responsáveis pelo fórum me encontraram e perguntaram se eu gostaria de participar como conselheiro pastoral. Eu disse "sim" espontaneamente.

Como o portal foi concebido?

O portal é exclusivamente de autoajuda e se diferencia conscientemente do aconselhamento profissional. A ideia é apenas que as mulheres que fizeram um aborto possam se comunicar em um ambiente de confiança. No chat, há uma aba "Aconselhamento Pastoral" com meu contato. Na maioria das vezes, é uma troca rápida, e apenas algumas poucas mulheres eu acompanhei por meses. A maioria fica muito feliz com o apoio que recebe. No fórum, não há nenhum tipo de condenação moral. Depois que ele atingiu seus limites técnicos em 2014, ficou inativo por alguns anos e agora foi atualizado. Queremos dar-lhe uma nova vida. A necessidade de falar sobre o tema tabu do aborto ainda existe.

Com que tipo de perguntas as mulheres procuram o senhor?

Até agora, as perguntas foram muito variadas, incluindo questões espirituais: "Existe vida após a morte?", "Como lido com meus sentimentos de culpa?", "Deus me perdoará?". Uma mulher havia se envolvido em campanhas contra o aborto, inclusive em eventos públicos. De repente, ela mesma engravidou sem querer. Decidiu fazer um aborto e fez exatamente o que antes havia condenado de forma veemente. Isso me mostrou como é fácil exigir algo dos outros quando não se precisa passar pela mesma situação. Outra mulher me escreveu no chat que se sentia diante de duas alternativas erradas. Uma terceira disse que, se pudesse, não teria abortado a criança, mas sim as circunstâncias. No aconselhamento hospitalar, também conheci outros exemplos: uma mulher, já mãe de vários filhos, foi aconselhada a abortar devido a uma grave deficiência de seu bebê. Disseram que a criança provavelmente não sobreviveria ao parto. Mas a mulher tomou uma decisão consciente diferente. Ela viveu essa gravidez de forma plena. De fato, após o nascimento, ela pôde passar algumas semanas com a criança. Estou curioso para saber com que perguntas as mulheres me procurarão agora, com a reativação do fórum.

Quando as mulheres que fizeram um aborto procuram o senhor com sentimentos de culpa, esses sentimentos vêm delas mesmas ou são impostos por fatores externos, como a sociedade, a família e a Igreja?

Os sentimentos de culpa vêm também de fora. Mas aqui também há um exemplo de como as coisas podem seguir um caminho positivo. Uma senhora idosa me contou uma vez que, décadas atrás, uma grávida solteira e desesperada a procurou. Ela não sabia onde ir para fazer um aborto. A senhora, que tinha filhos pequenos, ofereceu-se para cuidar da criança durante o dia. Assim, a mãe poderia trabalhar e continuar a ganhar a vida. A criança nasceu e já é um adulto. Ainda hoje, as pessoas afetadas precisam de mais ajuda concreta, não apenas do Estado ou da Igreja, mas também de seu círculo social. Em vez de condenar, é preciso dizer: "Estou com você, que tipo de ajuda você precisa?"

O senhor também escreve no fórum: "Não condeno, eu acompanho". Como o senhor consegue conciliar o aconselhamento pastoral com a doutrina da Igreja Católica, que rejeita o aborto como um pecado?

Fui soldado no exército alemão. Durante esse tempo, visitamos um enorme cemitério de soldados no norte da França, um mar de túmulos de soldados alemães, mais de 25 mil, uma "pequena cidade", por assim dizer. Foi uma experiência marcante para mim. A Igreja condena a guerra. Mas ela enterra os mortos de guerra e acompanha suas famílias. É esse paralelo que tracei e que motiva meu trabalho. Eu só atuo como conselheiro pastoral quando o aborto já ocorreu. Nesse momento, não adianta mais condenar. O que importa é acompanhar.

Que base teológica existe para o aconselhamento pastoral após um aborto?

O fundador de nossa ordem, Vicente Pallotti, escreveu um livro intitulado "Deus, o Amor Infinito": Deus não aprova tudo o que fazemos, mas nos ama, e não podemos impedir isso. É com essa imagem de Deus que eu encontro as mulheres. No Antigo Testamento, o profeta Isaías (49,15) diz: "Pode uma mulher esquecer-se de seu filho de peito, e não ter compaixão do filho do seu ventre? Mas ainda que ela se esqueça dele, eu não me esquecerei de ti". Isso significa para mim: o amor de Deus é maior do que tudo o que podemos imaginar no amor humano, até mesmo maior do que o amor entre mãe e filho.

As mulheres têm alguma hesitação em procurar o senhor, justamente por ser um conselheiro pastoral católico?

Eu não tive essa impressão até agora. As mulheres viam o fórum como um espaço seguro e confiavam que apenas pessoas que não condenam se engajariam ali. Os responsáveis pelo site, que também têm experiência com aborto, se certificam disso. Comentários que condenam são apagados imediatamente.

O que um aborto causa em mulheres de fé? E nos parceiros?

Na maioria das vezes, não sei nada sobre a formação religiosa das mulheres com quem converso. Respondo às perguntas que elas me fazem, mas não pergunto sobre a fé delas ou se frequentam a igreja. Uma mulher me escreveu preocupada com o além. A ideia de ir para o inferno por causa do aborto ela conseguia suportar – mas não a de ficar eternamente separada de seu filho, que estaria no céu. Isso pode parecer um pouco estranho, mas era o conflito interno dessa mulher. As mulheres raramente falam sobre os parceiros e o relacionamento com eles.

Em sua opinião, o que a Igreja deveria mudar em sua atitude em relação às mulheres que interrompem a gravidez?

Lamento profundamente que as dioceses tenham sido obrigadas a se retirar do aconselhamento em casos de conflito na gravidez a partir de 1998. Isso deveria ser revisto. Antes da decisão do Papa João Paulo II, bispos alemães viajaram para Roma. Eles mostraram a ele um álbum de fotos de crianças que vivem após as mulheres terem procurado aconselhamento em centros da Igreja. Os ativistas pró-vida gostam de chamar os certificados de aconselhamento de "licença para matar". Quem vê o aconselhamento apenas sob essa perspectiva ignora uma grande parte da realidade. Espero que um dia na Alemanha voltem a existir centros de aconselhamento católicos para gestantes em conflito, que mostrem às mulheres todo o espectro de ajuda que a Igreja pode lhes oferecer. Até lá, eu sigo o que Confúcio disse: "Pode-se passar muito tempo reclamando ou amaldiçoando a escuridão. É melhor acender uma luz".

Um retorno ao aconselhamento para gestantes em conflito teria que ser decidido em Roma – já existem possibilidades mais acessíveis de pastoral hoje?

Isso depende do padre individual. Existem aqueles que têm uma atitude semelhante à minha e acompanham bem as mulheres no confessionário ou na conversa de confissão. Mas também existem aqueles que aplicam as regras rígidas da Igreja Católica ao pé da letra e condenam as mulheres que fizeram um aborto. Se o tema do aconselhamento em conflito na gravidez fosse reaberto no nível dos bispos, uma mudança de mentalidade poderia ocorrer. Além disso, há também situações-limite particularmente difíceis…

O que o senhor quer dizer com isso?

No aconselhamento hospitalar, encontrei uma vez uma mulher que recebeu um diagnóstico de câncer no início da gravidez. Os médicos disseram que a probabilidade de o bebê sobreviver era muito baixa – mesmo se a mulher desistisse da própria terapia contra o câncer. Eles aconselharam o aborto. A clínica católica, no entanto, não podia realizar o aborto nesse caso. Por isso, a mulher precisou ir a outros médicos e depois retornou para continuar o tratamento. Eu acho que a Igreja deveria considerar seriamente se não deve mudar sua posição, pelo menos em tais casos-limite éticos e morais.

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