13 Setembro 2025
Em 3 de maio de 2026, vamos completar 400 anos da entrada do primeiro padre jesuíta no Rio Grande do Sul.
O artigo é de Jefferson Fernandes, publicado por Sul21, 05-09-2025.
Jefferson Fernandes é de deputado estadual e relator da Subcomissão 400 anos das Missões.
Eis o artigo.
Em 3 de maio de 2026, vamos completar 400 anos da entrada do primeiro padre jesuíta no Rio Grande do Sul. Ele veio das bandas de Assunção, Paraguai, onde nascera em 17 de novembro de 1576. Estou falando de Roque Gonzales de Santa Cruz, o qual, aos 50 anos, acumulava uma experiência magnífica na catequização de indígenas no território castelhano. Havia fundado as reduções de Santana, Concepción e a de Itapuã, onde atualmente fica a capital de Misiones (AR), Posadas.
Para chegar no noroeste do Rio Grande do Sul, atualmente conhecida como região das Missões, Roque Gonzales atravessou o rio Uruguai e, após cativar lideranças indígenas, fundou a primeira redução no lado gaúcho, a de São Nicolau. No mesmo ano de 1626, criou outra, a de São Francisco Xavier e, passados dois anos (1628), organizou a redução do Caaró, onde atualmente é o município de Caibaté (OLIVEIRA, 2018, págs.58-64). Esse local foi o de sua morte trágica, no dia 15 de novembro, pelas mãos do pajé Ñheçú e seus aliados. Líder religioso dos Guarani, pajé Ñheçú via com preocupação a atuação dos jesuítas, por isso, também assassinou, no mesmo dia e local, o padre Afonso Rodrigues e, dois dias depois, na redução Assunção do Ijuí, o outro jesuíta, João de Castilhos.
O início do trabalho dos missionários da Companhia de Jesus – os “Soldados de Cristo” -, congregação católica marcada pela forte hierarquia e disciplina de seus membros, foi muito árduo porque, além de contar com hostilização dos xamã, a compreensão de evangelização que lhes orientava se chocava com o intento dos colonizadores. Enquanto para os religiosos as pessoas nativas poderiam se tornar cristãs via batismo e, por consequência, servas também do rei da Espanha; para as autoridades espanholas locais isso não mudava nada: continuavam como se fossem animais que poderiam ser usados para trabalho escravo (LUGON, 1976, págs. 32-33).
A escravização, portanto, e todos os demais tipos de abusos feitos contra indígenas, como a violência sexual praticada contra as mulheres (SCHALLENBERGER, 2006, p. 55), levaram os religiosos a buscarem territórios mais distantes do domínio daqueles que representavam a coroa da Espanha. Assim, adentraram no oeste do Mato Grosso do Sul, no oeste paranaense e nas regiões norte, oeste e centro do Rio Grande do Sul. Caracterizado como o primeiro ciclo missioneiro, esse período se estende até por volta de 1638, oportunidade em que houve um êxodo dos indígenas, liderados pelos padres jesuítas, para o lado argentino e paraguaio, devido aos constantes e sanguinários ataques bandeirantes paulistas.
Os padres não vislumbraram que ao adentrar no território hoje pertencente ao Paraná, criando reduções na província denominada de Guairá, estariam se aproximando dos bandeirantes, oriundos de São Paulo (LUGON, 1976, pág. 45). Conhecidos também como sertanistas ou mamelucos, por serem filhos de pais portugueses e mães nativas do litoral atlântico, atacavam sem piedade todas as tribos que encontrassem. O objetivo das expedições era capturar e levar o máximo de pessoas para trabalharem nas lavouras de cana-de-açúcar em São Paulo e no Rio de Janeiro, além da exploração de minérios na região de Minas Gerais. Era o chamado ciclo das bandeiras que capturavam e vendiam mão-de-obra indígena, diante da crise de fornecimento do tráfico negreiro na primeira metade do século XVII. No chamado primeiro ciclo missioneiro, foram escravizados mais de 300 mil indígenas Guarani oriundos das reduções (LUGON, 1976, págs. 63-64). Um dos comandantes mais bárbaros dessas bandeiras era o Capitão Raposo Tavares, o qual perante a pergunta do padre Mendonça sobre qual o “direito lhe autorizava exterminar e reduzir a escravos os seus fiéis, respondeu: – É Deus que nos dá a ordem, no livro de Moisés: combatei as nações pagãs!” (LUGON, 1976, 52).
Perante os ataques com saques, centenas de milhares de mortes e sequestros, os jesuítas foram obrigados a liderar migrações em massa, abandonando todo território do Guairá (Paraná), Itati (Mato Grosso do Sul) e Tape (Rio Grande do Sul). Na maior das migrações feita pelo leito e margem do rio Paraná, passando por corredeiras e saltos de dez a quinze metros de altura, sob a cruel perseguição dos bandeirantes, das mais de 100 mil pessoas que havia no Guairá, chegaram vivas com o padre Ruiz de Montoya, apenas 12 mil. (LUGON, 1976, pág. 58). Essa brutalidade só tem fim a partir do momento em que o rei Felipe IV e o papa atendem o pedido feito em Roma e Madri pelo padre Montoya em 1639, de aquisição de armas e treinamento militar dos indígenas Guarani, sob a responsabilidade dos membros da Companhia de Jesus. Esse acontecimento histórico gerou outro de maior importância ainda que foi a Batalha do M’Bororé (1641), travada no leito do rio Uruguai e seus afluentes do lado direito: Acarai e M’Bororé.
Um exército formado por 4.200 guaranis, padres e alguns militares espanhóis, enfrentaram por volta de 7 mil paulistas, os bandeirantes que comandavam, mamelucos e indígenas Tupi Guaranis cooptados por eles. Dos dias 9 a 18 de março de 1641, com apenas 300 mosquetões e outras armas improvisadas com uso de pólvora, além das tradicionais lanças e flechas, os missioneiros massacraram os paulistas. Sobreviveram apenas 200 paulistas, chegando de volta a SP somente dois anos depois de peregrinarem por matas e rios. Essa lição rendeu a paz do território das Missões por mais de 100 anos. O segundo ciclo missioneiro começa no lado brasileiro com a fundação de São Borja (1682) e na sequência os outros seis povos: São Nicolau (1687), São Luiz Gonzaga (1687), São Miguel Arcanjo (1687), São Lourenço Mártir (1690), São João Batista (1697) e Santo Ângelo Custódio (1706).
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