05 Setembro 2025
Não se trata mais da extração de mais-valia numa fábrica, mas da extração de valor da vida social.
O artigo é de Diego Álvarez Newman, publicado por Diagonales, 03-09-2025.
Diego Álvarez Newman é sociólogo, doutor em Ciências Sociais e pesquisador do CONICET na área de estudos do trabalho na @UNPAZ_Oficial. Autor do livro "A Hegemonia do Capital" (Ed. Teseo).
Eis o artigo.
Nos últimos 15 anos, testemunhamos a consolidação de uma mudança estrutural no capitalismo, frequentemente chamada de "capitalismo de plataforma". Tendências de longo prazo se consolidaram, como a conversão do comportamento humano em dados (dataficação), a substituição de tarefas por Inteligência Artificial Generativa (IAG) (automação) e a concentração de informações em plataformas digitais (plataformização). Essa mudança estrutural é evidente no surgimento de uma liderança corporativa em que as corporações baseadas em tecnologia da informação (IAGs) (Nvidia, Microsoft, Alphabet, Apple, Meta, Amazon) substituíram as tradicionais.
Essa mudança estrutural produziu reconfigurações trabalhistas que chamei de "heterogeneidade organizacional com homogeneidade na precariedade". Isso significa que os processos de flexibilização e terceirização se desenvolveram a tal ponto que desocuparam a população trabalhadora, homogeneizando as condições de trabalho em torno da precariedade. Por exemplo, formas tradicionais de flexibilização, como a terceirização, foram complementadas pelo uso generalizado do trabalho autônomo em plataformas digitais, onde proliferam microempreendedores que utilizam plataformas de e-commerce e mídias sociais, trabalhadores de plataformas de entrega e freelancers vinculados a microtarefas em plataformas de crowdsourcing, entre outros tipos de trabalho.
Assim, as condições já precárias da década de 1990 foram agravadas pelo surgimento de novos empregos. A falta de direitos trabalhistas e os baixos salários começaram a moldar o "emprego típico" dos últimos 15 anos.
No entanto, a precarização não surge per se da mudança estrutural, mas de três aspectos políticos: um Estado incapaz de regular (e entender) a mudança, as dificuldades das organizações sindicais em abordar novos trabalhadores e a ausência de uma narrativa comum para a classe que vive do seu trabalho.
Embora a precariedade pareça individualizante, ela contém o potencial político para repensar o comum, levando em conta, é claro, as limitações da heterogeneidade organizacional. O computador não é mais o local de trabalho, mas uma condição compartilhada.
Em outras palavras, a produção de valor não se restringe à fábrica; em vez disso, por meio de plataformas digitais, corporações baseadas em tecnologia da informação e grupos de interesse coletivo capturam e monopolizam a cooperação social. É a sociedade como um todo que disponibiliza os dados concentrados por um punhado de empresas. Portanto, a fonte de valor é todo o conhecimento compartilhado em redes; o maior problema é que ele permanece concentrado e privatizado.
Essa monopolização da cooperação social é o que constitui a incapacidade do Estado de regular esse processo, especialmente em países dependentes. Muitos analistas acreditam que a negligência do Estado em seu papel de garantir o bem-estar da população é unicamente um problema de "má liderança", que não reconhece o poder institucional dessas corporações para impor suas agendas a seu critério.
Tomando o caso da Uber, nossa pesquisa identificou três fatores que se sobrepõem às funções do Estado argentino: a desterritorialização da relação jurídica (em caso de conflito, as questões não são resolvidas nos tribunais argentinos, mas no país onde a empresa está sediada); o contrato de adesão direta a termos e condições com os usuários (sem adesão às regulamentações locais, por exemplo, em questões tributárias); e a evasão às regulamentações trabalhistas.
Essa experiência com a plataforma oferece lições que merecem ser mais exploradas. Parece que, atualmente, a fonte de valor está na cooperação social em redes e no conhecimento compartilhado por meio de interações digitais, na maioria dos casos de forma voluntária. O que as plataformas fazem é gerenciar esse conhecimento por meio de dados.
Se removermos o véu tecnológico, descobriremos que a base da precarização é o trabalho não remunerado ou mal remunerado que todos nós realizamos diariamente, mas que é capturado por corporações baseadas em tecnologia da informação e SIG. Não se trata mais da extração de mais-valia em uma fábrica, mas sim da extração de valor da vida social.
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