13 Agosto 2025
"A libertação não aponta para o futuro, mas sim para o processo permanente de conversão da pessoa e da sociedade".
O artigo é de Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Em épocas de muitas confusões e problemas que não entendemos bem, normalmente não queremos aumentar a crise e evitamos perguntas que podem nos confundir ou nos colocar em pior situação. Porém, um dos grandes problemas do nosso tempo é exatamente a perda do “mapa mental” que nos oferecia respostas para perguntas e problemas. Sem enfrentar algumas dessas perguntas, não somos capazes de encontrar um caminho melhor para, pelo menos, entender o que está acontecendo e ver o que é possível fazer.
A queda do Muro de Berlin e a posterior derrocada do bloco socialista foram momentos de um grande terremoto que transformou profundamente a geopolítica mundial e o horizonte de compreensão e de esperança da esquerda mundial. Após anos de hegemonia do capitalismo neoliberal no mundo, a eleição de um negro, Barack Obama, como presidente dos Estados Unidos parecia mostrar que a história estava voltando a um caminho de “progresso”. Parecia que Marx estava realmente sepultado no cemitério da história e dos debates teóricos e as lutas de raça/etnia e gênero (a política de identidade) seriam o verdadeiro motor do “progressismo”. Tudo parecia que, após um negro, uma mulher iria ser o próximo presidente do país mais poderoso do mundo e o caminho do futuro (sob o mito de que o futuro será sempre melhor do que o passado) estava de volta.
Contudo, a história não caminhou como desejávamos ou prevíamos. A eleição e a reeleição do Trump, e as vitórias da extrema-direita no mundo, nos mostram que a vida tem voltas e revoltas. Mais do que isso, descobrimos – mesmo não querendo aceitar – que o nosso “mapa mental” não está funcionando bem.
Quando não queremos aceitar que a nossa visão de história e do mundo estão desfocados ou são mais “pensamento positivo” (wishful thinking) do que análise da realidade, podemos nos apelar pela fé nas promessas de Deus. Esse tipo de fé que se distancia da realidade histórica é perigoso. Em extremo, ele pode nos levar a um caminho semelhante ao assumido por judeus sionistas que apelam à sua identidade de “povo escolhido” por Deus para justificar o que está ocorrendo em Gaza e insistir que não é genocídio, mas sim o caminho necessário para realizar a promessa divina da terra.
É claro que não estou dizendo que não há diferença entre a “fé dos judeus sionistas” ou dos cristãos nacionalistas e dos que, em nome da fé de um cristianismo de libertação, não querem reconhecer o que está acontecendo no mundo. Isto é, que a extrema-direita e a direita neoliberal estão vencendo na sua batalha pela negação da igualdade fundamental de todos seres humanos e dos direitos humanos. Nesse momento, é preciso repensar teologicamente a nossa fé na promessa de libertação dos pobres e dos oprimidos.
A reconstrução da identidade do cristianismo de libertação, o conjunto de diversos grupos do cristianismo que se uniu na fé na promessa da libertação dos pobres e oprimidos, depende dessa questão. No famoso encontro de Maria com Isabel (Lc 1, 39-56), há duas compreensões sobre a fé na promessa de Deus. Isabel diz: “Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” (Lc 1,45). Uma afirmação que quase todos nós concordaríamos, pois cremos que as promessas de Deus serão cumpridas. É uma visão messiânica da tradição profética.
Porém, Maria usa um tempo verbal diferente para falar dessas promessas. Enquanto que Isabel trata do futuro, o tempo de libertação que ocorrerá no futuro, quando Messias vem e traz consigo o Reino de Deus – tempo em que o cego vê, o coxo anda e os pobres comem com abundância –; Maria diz que Deus já fez e tem feito essas ações que podemos chamar de libertação. O tempo verbal, em grego, das descrições de Maria é “aoristo” (que se refere a ação sem determinação quanto à duração do processo ou ação ou ao seu acabamento), que podemos traduzir como “tem feito” ou “tem agido”. Nesse sentido, a libertação não acontecerá no futuro, tempo em que todas as causas das opressões serão desaparecidas, mas já aconteceu, está acontecendo e continuará. O que significa que essa libertação não é “perfeita” ou pura.
Nessa perspectiva estranha para o mundo moderno, a presença de Deus no meio de nós, o RD entre nós, não acontecerá após o desaparecimento da injustiça e do mal entre nós, mas sim nas lutas contra a opressão e a injustiça. O objetivo da libertação é chegarmos à liberdade, porém, só há liberdade humana na medida em que há possibilidade do ser humano de cair no mal, assim como a conversão do mal para o amor-solidário é uma possibilidade presente na vida de todas pessoas. O mal faz parte da condição humana e da história; a libertação visa o fim da opressão e injustiça, e não a libertação da nossa condição humana. A libertação não aponta para o futuro, mas sim para o processo permanente de conversão da pessoa e da sociedade.