07 Agosto 2025
"Um momento de recolhimento que, para a comunidade curdo-yazidi na Armênia, representa um ponto firme de memória e presença. 'Esse genocídio não é uma memória distante. É uma ferida aberta, uma dor que não desaparece. É o mesmo horror.''
O artigo é de Daniela Galié,, publicado por il manifesto, 0-08-2025.
Daniela Galiè é jornalista e ativista. Colabora com a DinamoPress, Il manifesto e outros veículos de comunicação independentes, cobrindo migração, direitos humanos, conflitos e processos de resistência. Ela cobriu os percursos da autodeterminação do povo curdo e da resistência palestina, as rotas do Mediterrâneo e os legados nunca resolvidos do colonialismo italiano.
O 3 de agosto é uma data crucial na memória coletiva contemporânea: marca o início, em 2014, do genocídio yazidi na região de Shengal, no noroeste do Iraque, pelas milícias do autoproclamado Estado Islâmico. Em poucos dias, milhares de homens foram executados, e mulheres e crianças foram deportadas, separadas com violência de suas famílias e submetidas à escravidão sexual, conversões forçadas e torturas. Foi uma tentativa deliberada de aniquilação religiosa, cultural e identitária. A comunidade yazidi, guardiã de uma tradição milenar, no entanto, reagiu dando início — em meio a escombros e traumas — a caminhos de reconstrução e reivindicação.
Os ecos dessa tragédia também alcançaram contextos aparentemente distantes, mas historicamente ligados, como a Armênia, onde vive uma das maiores e mais organizadas comunidades yazidis fora do Oriente Médio. A partir do século XIX, grupos yazidis migraram para o Cáucaso meridional para escapar da perseguição otomana, estabelecendo-se entre a Geórgia e a Armênia, onde sua presença adquiriu um valor histórico e simbólico duradouro. Durante a época soviética, apesar das restrições religiosas, os yazidis obtiveram um reconhecimento parcial, que ajudou a consolidar sua presença no país. Hoje, mais de 30.000 yazidis vivem na Armênia, com assento parlamentar reservado e instituições culturais autônomas.
Um dos centros mais significativos é o vilarejo de Shemiram, na região de Aragatsotn. O portal de entrada ostenta o símbolo solar, sagrado para o culto yazidi, e o retrato de Usub Bek, acompanhado por uma placa em armênio: "O líder do povo yazidi, Usub Bek, viveu nesta comunidade de 1919 a 1934". Figura central para os yazidis do Cáucaso, Usub Bek desempenhou um papel político e espiritual no período subsequente ao genocídio perpetrado pelo Império Otomano e nos primeiros anos soviéticos. Sob sua liderança, a comunidade consolidou sua estrutura interna e estabeleceu relações com as autoridades soviéticas, conseguindo preservar seus rituais, a língua kurmanji e a ordem religiosa. No centro da aldeia, ergue-se um memorial dedicado aos yazidis que tombaram nas guerras do século XX: três colunas com o símbolo solar e uma estela de pedra negra ostentam os nomes dos falecidos, em armênio.
Pouco distante, um segundo monumento em calcário vermelho representa o santuário de Lalish, com a inscrição em curdo: Lalisa Nûran Ziyaretêta Êzîdiyan (Lalish, o santuário da luz dos fiéis yazidis). No verso, a figura de um dignitário religioso com cajado e vestes tradicionais é encimada pelo pavão sagrado, símbolo de Melek Taus, o Anjo Pavão e manifestação divina central no culto yazidi.
Hoje, Shemiram é um espaço com forte identidade yazidi, marcado por símbolos, práticas religiosas e memória coletiva. O kurmanji é falado, mas a educação também é ministrada em armênio, refletindo um duplo pertencimento expresso na vida cotidiana e no senso de comunidade. O vilarejo representa um ponto-chave para a compreensão das dinâmicas de diáspora e a resiliência cultural dos yazidis no Cáucaso.
Pouco além da aldeia de Shemiram fica Apnagyugh, pequeno centro habitado também por famílias curdas. Aqui, em 31 de julho, encontramos Seyriana Celad, escritora e guardiã da memória histórica de seu povo. Nascida na aldeia armênia de Savmosavan, mudou-se com a família para o vizinho Artashavan ainda criança. Sua família é originária de Mosur e, posteriormente, de Van, de onde fugiram entre 1915 e 1917 devido à perseguição otomana.
O motivo da fuga foi o mesmo que atingiu centenas de milhares de armênios, curdos e yazidis: a perseguição e as deportações do Império Otomano durante o genocídio de 1915. Para muitas famílias não muçulmanas como a dela, a Armênia tornou-se um refúgio. Sua história se entrelaça, portanto, com a do povo armênio, em um destino compartilhado de exílio, resistência e sobrevivência.
"Não queríamos ser deslocados. Mas sempre fomos um povo perseguido. Nunca tivemos uma base estável. No entanto, apesar de tudo, preservamos nossa língua, cultura e identidade", relata Seyriana. Sua experiência revela uma ligação com uma figura central na história yazidi: Jangir Agha (Cangîr Axa, c. 1874-1943), um líder militar e social ativo na Armênia nas primeiras décadas do século XX, hoje considerado um herói nacional do povo yazidi. "Somos os herdeiros de Jangir Agha", afirma com orgulho. "Ele trouxe seus quatro filhos para a segurança da Armênia."
Seyriana enfatiza que o legado yazidi não está separado da identidade curda, mas sim sua raiz originária: "Os curdos são nosso povo, o yazidismo é nossa religião. As religiões podem mudar, mas as raízes permanecem. Na Armênia, plantamos novas."
Um país que é parte essencial de sua biografia: "É minha terra natal. Aqui encontrei meu segundo lar. Nós também, como curdos, demos as vidas por essa terra."
Além da memória histórica e familiar, Seyriana enfatiza o papel decisivo que a Rádio Yerevan desempenhou na transmissão da cultura curda na Armênia e além-fronteiras. Após a guerra, à medida que a comunidade buscava se reconstruir, a rádio tornou-se um espaço único para a expressão e difusão da língua kurmanji. "Tudo começou em 1955", conta ela. "Os fundadores iam de aldeia em aldeia, buscando talentos e trazendo-os para a rádio." Para Seyriana, o rádio foi um meio artístico, profundamente político: "A Rádio Yerevan era ouvida em segredo também na Turquia. Era a nossa escola invisível. Lá, salvamos a língua, a cultura, tudo." Seu tom muda quando menciona Shengal, devastada em 2014 pelo ataque do ISIS. A lembrança se torna pesada, quase indizível: "Foi um genocídio cruel e desumano. Ainda é difícil para mim falar sobre isso. Anos se passaram, mas nossas meninas, nossas mulheres, ainda são prisioneiras. Aconteceu no século XXI. E o mundo olhou para o outro lado."
O silêncio internacional foi um segundo trauma: "Fomos esquecidos. Mas quero que o mundo saiba quem são os curdos. Quero que conheça nossa dor, nosso conhecimento, nossa força." E acrescenta, com uma clareza que perpassa a dor: "Os yazidis nunca aceitaram imposições. Não dobraram sua fé, permaneceram como Deus os criou: puros."
O vínculo entre os dois povos se mede sobretudo na dor compartilhada. O olhar se volta novamente para Shengal, 2014. "No dia 3 de agosto, como todos os anos, nos reuniremos em Yerevan para comemorar aquele dia." Um momento de recolhimento que, para a comunidade curdo-yazidi na Armênia, representa um ponto firme de memória e presença. "Esse genocídio não é uma memória distante. É uma ferida aberta, uma dor que não desaparece. É o mesmo horror."