04 Julho 2025
O lançamento do Pronara (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), por meio de decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (30), representa um marco histórico para a política ambiental e de saúde pública no Brasil, avaliam organizações sociais que integram a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Mas as entidades reforçam que a vitória precisa ser acompanhada de políticas públicas efetivas e do envolvimento da sociedade para que o plano se concretize.
A reportagem é de Tamyres Matos, publicada por Repórter Brasil, 03-07-2025.
Em nota publicada na última terça-feira (1), a campanha chama a atenção para o fato de que, no mesmo dia da assinatura do decreto, o Diário Oficial da União publicou a concessão de 115 novos registros de agrotóxicos. Critica, ainda, as bilionárias isenções fiscais concedidas para a indústria de defensivos agrícolas. Até agosto de 2024, por exemplo, o governo federal renunciou a mais de R$ 25,7 bilhões em impostos para o setor. Esses dois pontos, diz a nota, “nos lembram de que o ‘Programa de Incentivo aos Agrotóxicos’ segue mais forte do que nunca”.
O Pronara prevê a coordenação entre ministérios como o da Agricultura, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social para reduzir gradualmente o uso de agrotóxicos, especialmente os mais perigosos ao meio ambiente e à saúde humana, além de fomentar a produção sustentável e agroecológica.
O programa está vinculado ao Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e foi construído ao longo de mais de uma década de intenso diálogo entre governo, movimentos sociais, agricultores familiares e organizações da sociedade civil.
“A gente sempre acreditou na proposta do Pronara como uma ferramenta viável para o Brasil poder avançar, mesmo que em passos tímidos, para um processo de transição agroecológica. Ele tem ações para fomentar a agroecologia, a tecnologia, capacitação e assistência técnica, além de propor avanço na pesquisa e vigilância em saúde”, afirma Jakeline Pivato, coordenadora da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. “A questão é: só vai surtir algum efeito se o que projetamos realmente sair do papel, e não há dúvidas que, para avançar, só com muita luta e pressão popular”, completa.
Desde sua elaboração, há mais de dez anos, o Pronara enfrentou forte resistência, principalmente do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). Em 2014, por exemplo, a então ministra Kátia Abreu – na época, líder ruralista – bloqueou a inclusão do programa no Planapo, alegando que seria uma “sentença de morte da agricultura brasileira”.
Em 2024, a Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa negou novamente a incorporação do Pronara ao Planapo, atrasando seu lançamento e exigindo a intervenção direta do presidente Lula para que o ministério aceitasse o programa.
“Mesmo sendo um programa dentro do governo, e mesmo havendo eventualmente vontade política, as fortíssimas bases do agronegócio e da bancada ruralista instaladas no executivo sempre agiram para frear o Pronara”, afirma a nota da campanha.
Esse histórico de resistência ao programa ocorre em um contexto preocupante: o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos; em 2022, por exemplo, usou mais de 800 mil toneladas, o que representa 22% do total global. Entre 2000 e 2023, o uso desses produtos cresceu 365%, muito acima do crescimento econômico do país.
Pesquisas apontam que a exposição a agrotóxicos provoca sérios danos à saúde, incluindo intoxicações agudas, danos ao DNA, aumento do risco de câncer, distúrbios hormonais, abortos espontâneos e doenças neurológicas. Um estudo recente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) identificou que trabalhadores rurais expostos apresentam níveis significativamente maiores de danos genéticos, associados a envelhecimento precoce e doenças degenerativas.
Além disso, a Anvisa monitora resíduos dessas substâncias em alimentos consumidos pela população, reforçando os riscos de contaminação alimentar. Organizações como a Abrasco alertam que cerca de um terço dos alimentos consumidos no Brasil está contaminado por agrotóxicos.
Além dos impactos à saúde, o uso intensivo de agrotóxicos está associado a práticas agrícolas que dependem de monoculturas e alta mecanização, que, por sua vez, requerem grandes quantidades de fertilizantes sintéticos. Esses fertilizantes nitrogenados liberam óxido nitroso (N2O), um gás com potencial de aquecimento global cerca de 300 vezes maior que o CO2, segundo estudos do Karlsruhe Institute of Technology (KIT) e relatórios internacionais como o da ONU.
Para os movimentos sociais, a instalação do Comitê Gestor do Pronara, prevista para os próximos dias, será fundamental para garantir a transparência, o monitoramento e a implementação das ações que podem transformar a realidade da agricultura brasileira, protegendo a saúde da população e a preservação ambiental.
“O caminho que precisamos percorrer para avançar na proteção da sociedade é a reforma agrária, subsídios e fomento à agroecologia, banimento dos agrotóxicos banidos em outros lugares do mundo, legislações protetivas, acesso à cultura, educação. Mais políticas públicas de redução de agrotóxicos e o fim da isenção fiscal aos agrotóxicos”, analisa Pivato.