“A política de Trump humilha as pessoas. Não basta se dizer católicos, são as ações que contam”. Entrevista com Gianfranco Ravasi

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22 Abril 2025

"O Papa Francisco escreveu uma carta aos bispos estadunidenses explicando como as deportações de migrantes ferem a dignidade humana. É uma intervenção que vai na linha de não se abstrair, não detestar, mas tentar entender, eventualmente julgar e, de alguma forma, introduzir uma visão diferente. Propor o cristianismo autêntico", afirma Cardeal Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em entrevista a Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 20-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Cardeal Gianfranco Ravasi, como o senhor interpreta a visita do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, a Roma e ao Vaticano?

A visita de um líder político ao Vaticano, especialmente em momentos tão delicados e em contextos internacionais tão dilacerados, é sempre um sinal importante. Além disso, sabemos bem como os comportamentos públicos de Vance também são julgados e criticados pelo mundo eclesial. Agora é difícil entender o que realmente está acontecendo.

Qual é a sua sensação?

Eu o vi entrar na Basílica de São Pedro com sua família. Ele se declara católico. O que acontece nas consciências é difícil de entender, mas será visto mais tarde nas ações: o que importa é como as pessoas vivem sua fé e como agem de acordo com ela. Em todo caso, o publicano, o pecador, o fariseu: todos devem estar no Templo. Depois, cada um tem sua própria consciência. Essa é a força da religiosidade autêntica.

O magnata está desmontando as categorias nas quais o mundo se alicerçou nos últimos anos. A primeira-ministra Meloni está buscando um diálogo profícuo por meio da sintonia pessoal. Como o “trumpismo” deve ser enfrentado neste momento?

Acho que há duas atitudes a serem mantidas. Por um lado, devemos ser severos em nossos julgamentos, especialmente quando vemos políticas que humilham as pessoas - como as políticas de migração - ou minam a confiança nas instituições. Ao mesmo tempo, porém, não devemos nos isolar ou renunciar a um diálogo construtivo. O próprio Jesus, em sua vida, esteve muitas vezes em más companhias, conviveu com pessoas com quem não compartilhava ideias ou valores. Além disso, a Igreja não deve justificar situações problemáticas, mas tentar introduzir uma mensagem diferente, de esperança, de humanidade. Isso nem sempre acontece na esfera religiosa.

O senhor pode explicar?

Algumas comunidades eclesiais, mais parecidas com movimentos espirituais, parecem tentar justificar certos extremos, às vezes por meio de teorias que certamente não são cristãs. Estou pensando, em particular, na chamada 'teologia da prosperidade', que surgiu quando alguns líderes de comunidades religiosas de matriz protestantes oravam por Trump.

O que essa teologia diz?

A tese básica é que se você é rico, saudável e poderoso, isso é um sinal de que você é abençoado por Deus, você é quase o escolhido. Esse princípio se baseia na teoria do "crime e castigo", da "justiça da recompensa", conhecida como teoria da retribuição na Bíblia. Pois bem, essa é a grande tentação que Jesus rejeita.

Qual é a atitude alternativa aconselhável?

O Papa Francisco escreveu uma carta aos bispos estadunidenses explicando como as deportações de migrantes ferem a dignidade humana. É uma intervenção que vai na linha de não se abstrair, não detestar, mas tentar entender, eventualmente julgar e, de alguma forma, introduzir uma visão diferente. Propor o cristianismo autêntico.

Ucrânia e Gaza. Que esperanças o senhor deposita na diplomacia?

A guerra, infelizmente, é sempre a resposta mais simples, imediata e instintiva. Já a diplomacia é frágil e exige tempo. No entanto, devemos continuar a apoiar a diplomacia, estimular as consciências e educar as pessoas. A Igreja tem um papel fundamental em não justificar a violência e em tentar levar uma mensagem de paz. É difícil, mas a voz da Igreja, a do Pontífice, continua sendo uma das mais significativas. E ela deveria ser mais seguida pelos poderosos da Terra: não basta reclamar dos abusos, devemos nos mover para acabar com toda violência.

Como esta Páscoa deve ser vivida em meio aos conflitos que dividem e cobrem de sangue o planeta?

Ocorre-me um verso do famoso poeta George Byron, aquele do "Don Juan": o ódio é o maior e mais duradouro prazer que os homens sentem. Amar é fácil, mas odiar é um prazer duradouro. É isso, esse terrível componente de prazer do ódio parece ser quase uma lei universal. A própria Bíblia começa com Caim e Abel, e é interessante como, infelizmente, essa dinâmica se repete na história.

Como se pode remediar?

Diante desse ódio radical que gera carnificina e massacres, é necessário voltar a propor uma visão alternativa: Cristo nos convida a amar nossos inimigos e a rezar por nossos perseguidores. Isso é um aspecto utópico, mas a Igreja deve continuar a repeti-lo, não apenas para os crentes, mas também para a cultura em geral. Ao mesmo tempo, nesse cenário, devemos observar e julgar com mais consciência, corrigindo quando necessário.

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