11 Abril 2025
"Aspecto mais do que importante é a presença de evangélicos no comando de prefeituras, ou a presença de operadores políticos estreitamente ligados a Igrejas evangélicas. Certamente devem ter contribuído para conquistas eleitorais inclusive fora da região aqui observada. Neste sentido, chama-se a atenção para uma mais apurada análise sobre a presença de evangélicos no espaço da política e nos pleitos eleitorais futuros".
O artigo é de Ibanes Mariano e Carlos A. Gadea.
Ibanes Mariano é graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Carlos A. Gadea é professor da Escola de Humanidades da Unisinos, doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O desenho eleitoral do ano de 2024 trouxe sensíveis indicações sobre o comportamento eleitoral gaúcho. Muito importante é observar o processo eleitoral da Região Metropolitana de Porto Alegre, seja pela sua configuração populacional e eleitoral, pela sua importância política e cultural, ou pela atuação dos próprios partidos políticos. Pense-se que nos 34 municípios aqui mencionados, que representam 6,85% do total das cidades do Estado, estão concentradas em torno do 40% da população total, o que leva a considerar uma porcentagem semelhante de potenciais eleitores. Por isso, muito pode se deduzir a partir do comportamento eleitoral desta região, elencar hipóteses que expliquem as razões que levariam ao triunfo de certos partidos políticos, ao fracasso de outros, bem como a analisar o comportamento que tiveram ex-prefeitos que buscaram a sua recondução no poder, o índice de reeleição, a presença de mulheres e de evangélicos no pleito do ano de 2024.
A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), instituída por lei a partir do ano de 1973, conta, atualmente com 34 municípios, que respondem por diversos perfis e características. Trata-se de cidades tanto com grandes extensões territoriais e um baixo adensamento populacional, até de cidades com uma concentração de pessoas por metro quadrado extraordinária em um diminuto território. Segundo dados do Atlas Econômico do Rio Grande do Sul, a RMPA compreende, exatamente, 38.2% da população gaúcha, perfazendo em torno de 4,4 milhões de habitantes (estimativa de 2020). Considerando-se que o total do eleitorado do Estado é de 8.682.558 de pessoas, a RMPA, com seus 3.167.671 de eleitores e eleitoras, representa em torno de 36.5% do eleitorado gaúcho. Focaremos neste universo populacional e eleitoral as nossas reflexões.
A primeira observação importante refere a um comportamento eleitoral sobre a reeleição e recondução de candidatos. Interessante lembrar que o instituto da reeleição política passou a vigorar no Brasil a partir do ano de 1998, algo bastante recente, quebrando-se um padrão histórico que vigorava na República desde 1889. A reeleição foi instituída pela Emenda Constitucional de número 16, em 4 de junho de 1997, passando a fazer parte do leque de possibilidades eleitorais e políticas desde esse momento. Pode-se dizer que rapidamente teria sido adotada pelos eleitores, internalizada facilmente como prática política desde os anos 2000.
Nestas eleições de 2024, identificou-se as seguintes cidades nas quais os titulares disputavam a manutenção do comando das prefeituras: Sapucaia do Sul, Estância Velha, Canoas (não reeleito), Nova Santa Rita, Guaíba, Portão, Porto Alegre, Cachoerinha, Gravataí, Dois Irmãos, Charqueadas, Igrejinha, Montenegro, Rolante (não reeleito), Santo Antônio da Patrulha, Sapiranga, Taquara, Arroio dos Ratos (não reeleito). Destaca-se que em 53% dos municípios da RMPA houve disputa de reeleição, totalizando-se 18 cidades. Em 15 delas, os candidatos que já estavam governando e que disputaram reeleição lograram êxito. Com exceção de Canoas, Arroio dos Ratos e Rolante, todos os demais foram exitosos na busca pela manutenção da condução de suas cidades. Trata-se de um 84% dos postulantes reeleitos, contra 16% de não reeleitos, de alguma maneira um comportamento semelhante ao resto do Brasil, já que o porcentual de reeleição foi de 82% no país, repetindo-se, por aqui, um padrão nacional.
Quando observamos para a participação efetiva das mulheres na política partidária e, concretamente, para o êxito eleitoral das suas candidaturas, percebe-se que tão simplesmente três (3) candidatas se elegeram prefeitas (8,9%), bem menos do 15% de prefeitas eleitas ou reeleitas no Brasil. Mulheres triunfaram em Eldorado do Sul, Sapiranga e Taquara.
E qual foi a configuração partidária dos candidatos eleitos? O leque de partidos políticos que elegeram seus prefeitos e prefeitas na RMPA é diverso, seja com relação às siglas partidárias, já que foram oito (8) partidos que elegeram mandatários nas 34 cidades da região. No entanto, quando olhamos para o espectro político e ideológico desses partidos, percebe-se que há uma prevalência dos partidos políticos mais à direita. Nesse contexto, destacamos o triunfo eleitoral em cinco (5) cidades do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, de escassíssima expressão histórica no Estado. Por outro lado, expressou-se uma evidente redução das prefeituras governadas por prefeitos mais à esquerda.
Quando falamos do PT – partido do presidente Lula – constatamos a vitória em unicamente uma cidade (Nova Santa Rita). Embora os partidos políticos se entrecruzem em alianças locais muito particulares e pragmáticas, esse quadro revela uma força considerável do que podemos chamar de ‘campo bolsonarista’ na RMPA, visto que o prefeito de Porto Alegre, mesmo sendo do MDB, se reelegeu com uma vice declaradamente alinhada ao ex-presidente Bolsonaro (Betina Worm).
Semelhante situação pode se dizer do prefeito reeleito de Portão, Kiko Hoff, que mesmo fazendo parte do PDT, apoiou decididamente o ex-presidente Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. De qualquer modo, importante considerar uma clara tendência do comportamento eleitoral dos gaúchos mais à direita do espectro político, um comportamento não necessariamente homogêneo e alinhado a partidos políticos específicos, e com um grau de adesão que pode ser permanente no tempo para futuras eleições.
O quadro partidário quanto ao êxito eleitoral ficou desta maneira na RMPA: PL, 5 cidades; MDB, 5 cidades; PT, 1 cidade; PP, 10 cidades; PSDB, 6 cidades; Republicanos, 3 cidades; PRD, 1 cidade; PDT, 3 cidades.
Um dado igualmente interessante refere ao que parece ser uma ‘sucessão geracional’ no protagonismo político de candidaturas ao governo municipal, na medida em que alguns nomes que se apresentaram tiveram passagens marcantes nos comandos das referidas cidades, mas não lograram êxito ao tentarem voltar ao comando dos paços municipais.
Por outra parte, destaca-se que se esforçam para manterem-se ativos politicamente e têm alguma dimensão política, ainda, figuras como: Gilmar Rinaldi e Vanderlan Vasconcellos (Esteio), Marco Alba e Daniel Bordignon (Gravataí), Giovani Feltes e Faisal Karam (Campo Bom), Nelson Spolaor (ex-prefeito de Sapiranga que concorreu em São Leopoldo), Tarcísio Zimmermann (Novo Hamburgo), Tania da Silva (ex-prefeita de Dois Irmãos, que concorreu em Novo Hamburgo), Maria de Lourdes (Ivoti), Stela Farias (Alvorada), Paulo Azeredo (Montenegro), Darci Lauermann (São Sebastião do Caí), Titinho – Tito Livio Jaeger (Taquara).
Identificamos que quatorze (14) ex-prefeitos tentaram se eleger ou reeleger na RMPA. Ao respeito, alguns aspectos são interessantes: 1) em duas cidades houve disputa entre ‘cria’ e ‘criador’ (em Gravataí e em Campo Bom), sendo que em Gravataí o vencedor foi Zaffa (PSDB) que se elegeu na esteira da força eleitoral de Marco Alba em 2020, quando ambos eram do MDB. No caso de Campo Bom, por sua vez, manifestou-se o inverso, visto que Giovani Feltes tinha sido o mentor da eleição de Faisal Karam. Na eleição atual, Feltes venceria a eleição. Duas situações semelhantes se apresentaram em São Leopoldo e Novo Hamburgo. Em São Leopoldo, o ex-prefeito de Sapiranga, Nelson Spolaor (PT), concorreria ao cargo com o apoio fundamental do prefeito Ari Vanazzi, enquanto a ex-prefeita de Dois Irmãos, Tania da Silva (MDB), buscou a mesma condição na cidade de Novo Hamburgo. Ambos não lograram êxito. Foi em Campo Bom, com o ex-prefeito Giovani Feltes (MDB), o único caso de êxito na reeleição, com uma leve vantagem (2,84% de diferença dos votos válidos sobre seu oponente). Importante lembrar que Feltes já tinha sido prefeito da cidade por três vezes, e voltando, então, em 2024.
Uma reflexão à parte merece a participação ativa de candidatos autodefinidos evangélicos no cenário político. Na região, o maior número de prefeitos eleitos que seguem a fé evangélica é originário do Republicanos, partido que se identifica com a Igreja Universal do Reino de Deus. Em Araricá, Oseas Garcia, do PL, ligado à Igreja Assembleia de Deus, se elegeu prefeito. Foram identificados quatro (4) prefeitos eleitos em 2024 com a causa evangélica. Trata-se de candidatos que de maneira explícita se apresentaram como pertencentes à fé evangélica. No entanto, importa compreender que o mote de suas campanhas, pelo menos a partir do monitoramento das suas redes sociais, não passou estritamente por um aspecto religioso na sua plataforma eleitoral e política, ou no discurso difundido. Por consequência, não necessariamente é possível considerar o seu êxito pelo apoio maciço de eleitores evangélicos e, por outro lado, que não é possível identificar em estruturas partidárias concretas um viés ideológico estritamente comprometido com pautas evangélicas. A ação política de atores evangélicos permeia o comportamento de diferentes setores partidários. Destacamos também que, no caso da cidade de Nova Santa Rita, governada pelo PT desde 2012, as igrejas evangélicas, grosso modo, não apoiaram a reeleição do prefeito Rodrigo Battistella, fazendo parte, inclusive, do campo de oposição ao mandatário reeleito. Quer dizer que, de certa forma, os evangélicos apoiaram mais a setores políticos à direita do espectro eleitoral, a considerar o caso mencionado, mas também se observamos nos casos de cidades como Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo. As candidaturas de Heliomar Franco (PL), em São Leopoldo, e de Airton Souza (PL), em Canoas, são interessante exemplo de como ‘operadores políticos’ das igrejas evangélicas ‘incidiram’ durante as campanhas eleitorais com retórica e discurso político que apelava à estética e valores religiosos próprios de evangélicos.
Por último, ao tratarmos o nível de comparecimento no dia da votação, obtemos a seguinte tabela.
Se considerarmos os números gerais expostos na tabela, verificamos que o comparecimento geral na RMPA ficou em 71,4% do total do eleitorado. Resulta importante não esquecer que o contexto eleitoral sofreu os impactos e tristes consequências econômicas e sociais decorrentes das enchentes do mês de maio de 2024, em especial nas principais e mais populosas cidades da região. Isso quer dizer que para avaliar o comparecimento às urnas é indispensável inserir esta variável conjuntural e concreta, na medida que teve impactos na possibilidade de ir a votar para muitas pessoas. Esse seria o caso de cidades como Canoas, com vastas regiões ainda em recuperação de escolas e colégios públicos, que teriam sido utilizados como centro de votação. Especula-se que muitos votantes dos bairros Rio Branco e Mathias Velho não conseguiram acessar esse direito pelas condições em que se encontravam seus lares, bem como de infraestrutura da própria cidade, pela falta de condições de ocupação e uso das escolas para os fins das eleições.
Com relação ao comparecimento do eleitorado às urnas, percebe-se que houve uma maior participação do voto em municípios com menor população. Conforme se vai aumentando demograficamente a cidade, percebe-se que o eleitor não comparece às urnas. Na tabela podemos observar como em municípios como Porto Alegre, Canoas, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, dentre outros, o comparecimento esteve por abaixo, ou no patamar do 70% do eleitorado, sugerindo, em parte, como o impacto das enchentes de maio tiveram uma significativa incidência. No entanto, isso não explica totalmente o fenômeno. Destacando dois casos, podemos ter algumas pistas sobre o interesse do eleitorado pelas eleições, permitindo hipóteses sobre o acontecido. Um primeiro caso refere a observar como em municípios que têm até 30 mil eleitores, a participação eleitoral ultrapassou 80% do número total do eleitorado (Ivoti, Igrejinha).
Num segundo caso, em municípios que têm acima de 50 mil eleitores, manifesta-se o oposto: uma menor participação. Considerando-se que a conjuntura geral e questões locais incidem em cada eleição, uma observação mais acurada merece ser desenvolvida acerca deste comportamento recente em eleições. Evidente que as enchentes de maio de 2024 e as suas consequências práticas, em especial na RMPA, impactou diretamente no comparecimento aos locais de votação, bem como no próprio ‘clima eleitoral’ necessário para a tomada de decisões políticas. Evidente que em tempos de redes sociais virtuais e a digitalização da vida, o papel que desempenhou a comunicação virtual (via Whatsapp, Instagram, Facebook) ‘padroniza’, grosso modo, informações necessárias para comprometer temporalmente aos cidadãos nos assuntos eleitorais para a participação política, constituindo verdadeiras ‘bolhas’ de sociabilidade que condiciona opiniões e posições a serem adotadas. No entanto, o que de imediato se pode constatar é a manifestação de uma constante demográfica e social estudada pela sociologia há mais de 100 anos: que em espaços densamente povoados, e com laços sociais mais próximos, como em cidades menores, a possibilidade de construir-se opiniões sobre ‘questões públicas’ é maior, seja pelo contato direto e físico, como pelo chamado ao pertencimento à comunidade, independentemente dos contatos e relações virtuais existentes.
Em espaços menores, o sentido de comunidade tende a se reproduzir através da participação mais direta nos debates que lhe são próprios, captando o interesse imediato. Desde a escola sociológica de Chicago de começos do século XX se entende que os efeitos das formas de sociabilidade em uma cidade são determinantes para compreender o comportamento político da sua população: quanto mais próximas as pessoas, maior envolvimento com os temas ‘públicos’. De maneira oposta, em cidades com maior circulação de ideias, com maior possibilidade de se construir individualidades, algo próprio da ‘vida nas metrópoles’ (Simmel), a indiferença perante assuntos que levem a posições restritas, ideológicas e políticas, tende a ser apresentada como consequência previsível. Ou seja, a perda ou fragilidade dos laços sociais diretos leva a um menor interesse por discutir assuntos que se impõem como se fossem determinantes para a sua vida na cidade; e isto se produz por consequência, inclusive, da influência da comunicação virtual. Cidades fragmentadas, com diferentes grupos de interesse, com circulação maior de ideais e pessoas, tendem a comprometer menos nos assuntos ‘públicos’. Isto, inclusive, acrescenta-se quando se percebe que em muitas cidades os ‘escândalos políticos’ e conflitos terminam ‘contaminando’ a possibilidade de uma tomada de posição ‘convencida’, autoexplicada para justificar a participação eleitoral e a mobilização. Talvez essas situações se inscrevam no rol de ‘protestos silenciosos’ de parte significativa do eleitorado, decidindo se ausentar da escolha de representantes.
Façamos, então, uma retrospectiva e resumo destas eleições passadas a partir destes breves apontamentos.
Em primeiro lugar, que os setores mais à direita do espectro político são os grandes triunfadores. Como estrutura partidária, o PP foi o principal vencedor. A novidade fica por conta do crescimento do PL no comando de prefeituras na RMPA (Canoas, São Leopoldo), e na vice-prefeitura em Porto Alegre. No campo oposto, constata-se uma significativa redução do PT e dos demais partidos de esquerda. Considerando-se aspectos gerais e complexos, indica-se que a esquerda pode ter perdido esta disputa, e que precisará se preparar para um futuro próximo.
Outro ponto importante refere ao que se chama de ‘sucessão geracional’ que está em curso. Figuras políticas mais jovens conseguiram se impor com legitimidade considerável.
Por outro lado, e algo verdadeiramente preocupante, é a presença de poucas mulheres eleitas como prefeitas. A participação na RMPA das mulheres neste ponto tem sido inferior à média nacional.
Aspecto mais do que importante é a presença de evangélicos no comando de prefeituras, ou a presença de operadores políticos estreitamente ligados a Igrejas evangélicas. Certamente devem ter contribuído para conquistas eleitorais inclusive fora da região aqui observada. Neste sentido, chama-se a atenção para uma mais apurada análise sobre a presença de evangélicos no espaço da política e nos pleitos eleitorais futuros.
Por último, o nível de comparecimento eleitoral deve ser mais bem estudado, na medida em que o avaliar como um fenômeno inserido em particulares conjunturas, como as enchentes de 2024, não parece explicar, em sua totalidade, a complexidade existente. Não há dúvida que as enchentes movimentaram ‘mentes e paixões’ em diversas cidades, mas suspeita-se que outras variáveis políticas devem ser observadas, quem sabe observações que se apoiem na explicação do êxito de alguns setores políticos concretos, atrelados a perfis de candidatos midiaticamente apresentados, bem como a transformações na própria prática da política, do seu interesse na vida cotidiana e o sentido para o próprio eleitor. Nisto também se poderá explicar até a própria redução na adesão a setores políticos de esquerda em amplos setores sociais.