07 Abril 2025
Gianni Alioti, ex-sindicalista da FIM-CISL no setor industrial de armas e sistemas de armamentos – agora ativista do TheWeaponWatch – responde às nossas perguntas sobre o “plano de rearmamento” da Europa, do qual deriva a tão discutida votação em Estrasburgo no último 12 de março.
A entrevista com Gianni Alioti, é publicada por Settimana News, 06-04-2025.
Caro Gianni, o que exatamente prevê o plano ReArm Europe aprovado pelo Parlamento Europeu?
Na verdade, o Parlamento Europeu não pôde – e não poderá – aprovar o plano ReArm Europe. Ursula von der Leyen recorreu ao art. 122 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Dessa forma, o plano foi apresentado diretamente ao Conselho Europeu – formado pelos governos dos 27 Estados-membros – excluindo o Parlamento do processo decisório. Em Estrasburgo, votou-se apenas a favor ou contra uma resolução de apoio ou de oposição ao Livro Branco sobre a Defesa Europeia, que contém o plano ReArm Europe, rebatizado, de forma um tanto hipócrita, como Readiness 30, ou seja, Preparados para 2030.
O plano ReArm Europe prevê, portanto, um gasto adicional ao atual de mais de 800 bilhões de euros, estruturado em torno de três eixos:
Quais são os próximos passos – europeus e nacionais – para a implementação do plano?
O plano ReArm Europe foi formalmente aprovado na reunião do Conselho Europeu de 20 e 21 de março de 2025, em Bruxelas.
Para colocá-lo em prática, os Estados-membros deverão apresentar até abril seus pedidos e ativar a cláusula de salvaguarda nacional para utilizar os financiamentos públicos destinados a investimentos em defesa, fora do pacto de estabilidade da UE. No início de abril, haverá uma reunião informal dos Ministérios da Defesa dos 27 Estados-membros. As solicitações serão coordenadas pelo Conselho Europeu e avaliadas pela Comissão Europeia, sendo então reapresentadas ao Conselho, com recomendações, na reunião prevista para os dias 26 e 27 de junho de 2025, após a cúpula da OTAN em Haia, de 24 a 26 de junho de 2025.
Com relação aos eixos 2 e 3 do plano ReArm Europe, o regulamento para a criação do SAFE já foi aprovado e as barreiras aos financiamentos do BEI para a indústria de defesa foram, de fato, superadas.
É correto falar em rearmamento, como se estivéssemos desarmados?
Poderia responder com uma piada. Se a Europa e a Itália não estivessem suficientemente armadas, não se entenderia por que as indústrias europeias de defesa continuam exportando 70% de suas produções, em vez de abastecerem nossas Forças Armadas. Se os armamentos não servem para defesa, então servem para guerras. E as indústrias europeias, inclusive a italiana Leonardo, contribuem exportando seus sistemas de armas para alimentar a "terceira guerra mundial em pedaços", como diz o Papa Francisco, e para sustentar regimes militares e autocracias que não respeitam os direitos humanos fundamentais.
Tampouco são claros os critérios utilizados: não é correto falar de “rearmamento” nos países da UE, quando os dados oficiais do Conselho Europeu demonstram que os países da UE e da OTAN já vêm se rearmando continuamente desde 2014 – nem mesmo durante os dois anos de pandemia (2020-2021) isso parou.
Ainda ecoam as palavras do Papa: “É uma vergonha o aumento dos gastos com armas.” Os gastos militares nesse período mais do que dobraram (+121%) e os específicos com armamentos quadruplicaram (+325%). Nada de desarmamento!
Diante desses dados, seria mais honesto falar de escalada armamentista: uma nova e mais ampla fase de rearmamento para estarmos “preparados” para uma guerra, evidentemente contra a Rússia.
De quais armas ou sistemas de armas – europeus – estamos falando?
Não me parece que estejamos caminhando para uma Defesa Comum Europeia. Como foi dito, serão os próprios Estados-membros da UE que decidirão o nível de gasto militar e, sobretudo, o tipo e o número dos novos sistemas de armas a adquirir.
A única ação gerida em nível da UE será a dos empréstimos para apoiar contratos públicos comuns de defesa. Nesse caso, além das ações de apoio à Ucrânia, fala-se de áreas consideradas críticas: munições e mísseis, sistemas de artilharia, espaço, inteligência artificial e ciberdefesa.
No plano estritamente militar – já que tudo gira em torno da suposta ameaça russa – não se deveria ignorar o controle e o monitoramento dos principais armamentos convencionais disponíveis.
O International Institute for Strategic Studies – instituto anglo-saxão de prestígio mundial em segurança global, risco político e conflitos militares, com sedes em Londres, Washington, Berlim e Singapura – publica anualmente o relatório The Military Balance.
O mais recente, publicado no início de 2025, demonstra a superioridade dos países europeus da OTAN, mesmo sem os EUA, em relação à Rússia e Belarus, em todos os principais sistemas de armamento analisados: tanques, veículos blindados, artilharia pesada, aviões de combate, helicópteros de ataque.
Não é, portanto, sério descrever os países europeus da OTAN como desarmados e em inferioridade frente à Rússia para justificar a transferência de grandes recursos públicos do bem-estar social para a economia de guerra, e para convencer os cidadãos da UE a financiar com suas poupanças o rearmamento, especialmente quando quem nos dá lições constantes sobre “fazer mais pela defesa da Europa” é alguém como o atual secretário-geral da OTAN, Mark Rutte: nos Países Baixos – paraíso fiscal e societário onde todas as multinacionais abrem sede, e onde Rutte foi primeiro-ministro de outubro de 2010 a julho de 2024 – o número de tanques para defender a Europa é ZERO!
Essas armas seriam produzidas/compradas na Itália, na Europa ou onde? Quem vai lucrar com isso?
Falando dos armamentos comprados pelos Estados, além da retórica do “produzido na Europa”, não haverá nenhuma obrigação nesse sentido.
Por exemplo – com exceção de Portugal, que decidiu não comprar mais os F-35, e da Alemanha, que manifestou intenção de romper o contrato com os EUA para aquisição de 35 caças F-35 – não parece haver outros arrependimentos. Ao contrário, o Parlamento italiano será chamado em breve a decidir sobre a compra de mais 25 F-35, além dos 90 já contratados, por 7 bilhões de euros.
O SIPRI – Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz, com sede em Estocolmo – calculou recentemente que, nos últimos cinco anos (2020-2024), 64% dos gastos com novos sistemas de armas pelos países europeus da OTAN foram para as indústrias americanas, em comparação com 52% no período anterior (2015-2019).
O certo é que lucrarão tanto as empresas americanas quanto as europeias, cada vez mais entrelaçadas via gigantes financeiros dos EUA como Capital Group, BlackRock, Vanguard, Goldman Sachs, Fidelity, Wellington Management, Invesco, etc., principais acionistas das maiores empresas de armamentos dos EUA, mas também da alemã Rheinmetall, da britânica BAE Systems, da italiana Leonardo, da trans-europeia Airbus, da ucraniana Ukrainian Defense Industry e outras.
A indústria europeia de defesa, com subsídios crescentes e contratos bilionários garantidos pelos Estados – como os 23 bilhões de euros para Leonardo e Rheinmetall por 1.000 veículos blindados e 280 tanques para o Exército Italiano –, com os preços dos sistemas de armas subindo infinitamente (veja o caso do F-35) e altos lucros, está hoje mais próspera do que nunca.
Os mercados financeiros estão apostando no rearmamento e na guerra. Basta observar a valorização das ações na bolsa entre fevereiro de 2022 e março de 2025: +790% para a britânica Rolls Royce, +695% para a alemã Rheinmetall, +496% para a italiana Leonardo, +413% para a norueguesa Kongsberg, +150% para a italiana Iveco.
Imagino que um plano sensato entre países europeus pressupõe ao menos algum tipo de coordenação. O que se observa?
A lógica indicaria isso. Mas, na UE, a coordenação no plano do rearmamento diz respeito unicamente à indústria europeia de defesa, por meio do Conselho e do Comissário Europeu para a Defesa e o Espaço. Essa função é atualmente ocupada pelo lituano Andrius Kubilius.
As políticas de defesa e o comando das Forças Armadas continuam sendo prerrogativas dos Estados-membros da UE sob o guarda-chuva da OTAN, pelo menos para os 23 países da UE que pertencem à Aliança Atlântica. No horizonte, não há sinal de nenhuma decisão institucional que aponte para uma Defesa Comum Europeia ou mesmo um coordenamento sério.