19 Março 2025
A crença de que “não há alternativa” – a máxima de Margaret Thatcher – parece ter sido assimilada também pelos governos petistas, que optaram por administrar o neoliberalismo em vez de rompê-lo.
O artigo é de Bruno Resck, Geógrafo, professor no IFMG campus avançado Ponte Nova, publicado por Jornal GGN, 12-03-2025.
Será que o Brasil realmente teve alguma alternativa ou apenas administrou o inevitável dentro dos limites impostos pelo capital financeiro?
Desde a década de 1990, o capitalismo em sua fase neoliberal se torna hegemônico, consolidando-se como a lógica dominante na economia global, influenciando diretamente a política e a economia brasileira. O texto explora como, ao longo das últimas décadas, o Brasil oscilou entre diferentes formas de neoliberalismo – de choque e progressista – com impactos profundos na estagnação econômica, na desigualdade social e na crise de representatividade política. Afinal, será que o Brasil realmente teve alguma alternativa ou apenas administrou o inevitável dentro dos limites impostos pelo capital financeiro?
Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido entre 1979 e 1990, ficou conhecida por sua firme defesa de políticas econômicas neoliberais, que incluíam a redução do poder dos sindicatos, a privatização de empresas estatais, desregulamentação e a diminuição do papel do estado na economia. A frase “Não há alternativa” (em inglês, “There is no alternative” ou TINA) tornou-se um dos slogans mais associados ao seu governo e à sua filosofia política. A frase foi usada repetidamente por Thatcher para justificar suas políticas e deslegitimar qualquer oposição. Seu argumento era que o país precisava adotar as reformas neoliberais para superar a crise – a alta dos preços do petróleo, a alta das taxas internacionais de juros, a deterioração dos termos de intercâmbio – e que qualquer tentativa de manter o modelo econômico anterior estava fadada ao fracasso.
Essas políticas neoliberais, defendidas por Thatcher, tiveram um impacto global e influenciaram profundamente a economia brasileira a partir dos anos de 1990. Esse sistema de acumulação marcou o fim da regulação fordista/keynesiana e abriu condições para uma extraordinária acumulação de capital e concentração de renda e riqueza em todo o mundo. No Brasil, a partir do governo de Fernando Collor (1990-1992) e, principalmente, durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o neoliberalismo consolidou a transição do modelo econômico baseado na substituição de importações pela lógica da financeirização da economia. Esse sistema trouxe consigo uma redução crônica dos investimentos, estagnação do PIB, piora nas condições de emprego, endividamento das famílias e aumento da concentração de renda[1].
De 1989 até os dias atuais, o Brasil alterna governos entre duas vertentes do neoliberalismo: Neoliberalismo de Choque (Fernando Collor, Fernando Henrique, Michel Temer e Jair Bolsonaro) e Neoliberalismo Progressista (Lula e Dilma Rousseff).
O Neoliberalismo de Choque, baseado nas diretrizes do Consenso de Washington[2] (1989), é marcado pela adoção do ‘tripé macroeconômico’ (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação), privatizações em massa e reformas trabalhistas e previdenciárias. Já o Neoliberalismo Progressista mantém as estruturas neoliberais, mas combina medidas sociais e desenvolvimentistas, como o fortalecimento relativo de bancos públicos e a expansão de programas sociais e de transferência de renda.
Em quase quatro décadas de neoliberalismo, o Brasil colheu resultados preocupantes: estagnação econômica crônica, a incapacidade do Estado em ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos, uma crise de representatividade política e uma crise de governabilidade da democracia, o que Grégoire Chamayou[3] denomina de sociedade ingovernável, tornando-se terreno fértil para a ascensão da extrema direita autoritária.
Como apontou o economista Celso Furtado em 1992[4], “(…) há um decênio já se fizera perfeitamente claro que vivemos não exatamente uma crise, no conceito que lhe emprestam os economistas, mas uma complexa transição estrutural com reacomodações nas relações entre os centros de poder, tanto de natureza econômica como política”. Três décadas depois, essa transição estrutural se consolidou: o que antes poderia ser interpretado como uma crise pontual se revela, na verdade, como o funcionamento normal do sistema capitalista neoliberal.
O modelo econômico vigente não apenas produz estagnação e desigualdade, mas opera dentro de uma lógica onde esses efeitos não são desvios, e sim características estruturais do sistema. A financeirização tornou-se um elemento central desse modelo, permitindo a dominação do capital financeiro sobre a economia real[5]. Esta dominância se materializa pela captura do orçamento público via dívida pública, onde o Brasil, desde a consolidação do Plano Real, mantém uma das maiores taxas de juros – real e nominal – do planeta. Não se trata, portanto, de uma exclusividade da relação entre franjas da burguesia e o Estado brasileiro. Em 1850, Marx[6] descreveu em “A luta de classes da França de 1848 a 1850” que o “endividamento do Estado era, pelo contrário, o interesse direto da fração burguesa que dominava e legislava através das Câmaras”. Marx nos ensina que, por trás de toda linguagem hermética do Banco Central, do Boletim Focus e do Conselho Monetário Nacional, e suas justificativas para a manutenção de taxas elevadas de juros, existe a manifestação da luta de classes.
Assim, a tentativa de construção de um Estado de bem-estar social, como anunciado pela Constituição de 1988, foi abortada pela opção política e ideológica ao neoliberalismo, que reforçou o papel de subalternidade do país na divisão internacional do trabalho, reprimarizando nossa economia e consolidando o capitalismo rentista e dependente brasileiro.
Alguns analistas questionam a inclusão dos governos petistas na categoria de neoliberal. Por outro lado, embora o discurso político do Partido dos Trabalhadores se apoie na defesa de um modelo desenvolvimentista e de inclusão social, a realidade é que, desde o lançamento da Carta ao Povo Brasileiro, publicada em junho de 2002, e a chegada ao poder em 2003, os governos petistas mantiveram diretrizes neoliberais, não tomando a iniciativa de um movimento de ruptura da espinha dorsal do modelo econômico de seu antecessor – tripé macroeconômico, independência do Banco Central, e ajuste fiscal como forma de estabilizar a relação dívida/PIB e transmitir segurança ao mercado para atração de investimentos privados. Um processo lento e contínuo rumo a centro-direita, ampliando o arco de alianças outrora impensáveis ao PT e acenos para tranquilizar o grande capital, o latifúndio agroexportador, a mineração e “circunscrevendo a submissão ao capital financeiro e ao imperialismo[7]”.
Para compreender como os governos petistas estruturaram e aprofundaram a lógica neoliberal no Brasil, é essencial examinar medidas concretas adotadas ao longo de suas gestões. Três exemplos se destacam nesse processo: (i) a criação da Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs), que ampliou o papel do setor privado na prestação de serviços públicos; (ii) o Novo Arcabouço Fiscal, que estabelece limites rígidos para os gastos do Estado em uma perspectiva de austeridade permanente; e (iii) o novo mecanismo de meta de inflação, que reforça a autonomia do Banco Central e a primazia do controle inflacionário sobre outras diretrizes econômicas.
Um dos pilares das políticas neoliberais é a redução do papel do Estado na economia. Uma das formas de atingir este objetivo é a privatização das empresas estatais ou a concessão à iniciativa privada do direito de explorar um determinado serviço público através de Parceiras Público-Privado (PPPs). Foi durante o primeiro mandato do presidente Lula e sob coordenação de Fernando Haddad, que a Lei nº 11.079/2004 (Lei das PPPs) foi promulgada. Essa legislação institui normas gerais para a licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. A militância de esquerda ligada ao Partido dos Trabalhadores, frequentemente faz um contraponto entre governos de esquerda e direita, acusando estes de entregarem o patrimônio e os serviços públicos à iniciativa privada. A ironia é que a legislação das PPPs foi criada pelo governo Lula e, atualmente, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem articulado junto ao Congresso Nacional alterações nesta legislação. Haddad destacou que “é preciso garantir segurança dos negócios, transparência e moralidade, além dos recursos públicos, que podem variar de zero até 100% das obras”. [8]
Outro aspecto relevante é o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que se apresenta como condutor do processo de concessões e outras formas de desestatização de ativos. O banco oferece suporte técnico e financeiro através do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para viabilizar projetos em infraestrutura, saneamento, educação, energia, complexos penais, portos, parques, entre outros. O atual Ministro dos Transportes, Renan Filho, declarou, em tom festivo, em janeiro deste ano, que o governo Lula 3 privatizou mais rodovias que o governo Bolsonaro e que a expectativa é de concluir mais de 40 leilões até o final do mandato[9].
No âmbito do saneamento básico, o BNDES tem atuado na implementação de PPPs nos estados de Alagoas, Paraíba, Goiás, Pernambuco, Rondônia, Pará e Rio Grande do Sul. O BNDES também tem apoiado, técnica e financeiramente, o estabelecimento de PPPs para escolas como, por exemplo, em Caxias do Sul/RS[10] e em Minas Gerais[11], consolidando o papel do banco na transferência de serviços públicos para a iniciativa privada.
É contraditório para um governo de esquerda a utilização de recursos públicos para transferir à iniciativa privada serviços estratégicos e com características monopolísticas como rodovias, energia e saneamento. Este movimento, contudo, é contrário à tendência da política adotada por vários países europeus nos últimos anos como a França, Reino Unido, Espanha e Alemanha que tem reestatizado serviços de energia e saneamento[12].
O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), posteriormente denominado de Novo Regime Fiscal (NRF), criado pela equipe econômica do atual Ministro da Fazenda, foi aprovado em maio de 2023 para substituir a PEC 55/2016 que estabelecia um limite para os gastos públicos federais por 20 anos. A principal promessa do NAF é garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, estabelecendo uma série de regras para manter os investimentos públicos abaixo da arrecadação, buscando uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública. O artigo de Pedro Paulo[13], professor da Unicamp, esclarece de forma detalhada as características e os meandros para a aprovação do NAF.
Para além dos aspectos técnicos e das regras do NAF, cabe destacar que o pano de fundo desta medida é o alinhamento político e ideológico do atual governo com os preceitos neoliberais.
O cientista político Mark Blyth[14] sustenta que o conceito de austeridade fiscal ganhou grande repercussão no mundo acadêmico a partir das publicações do proeminente economista italiano Alberto Alesina na década de 1990. A ideia para a defesa da austeridade é que, em tempos de crise, políticas fiscais restritivas podem ter efeitos expansionistas, possibilitando crescimento econômico.
Os defensores da austeridade fiscal argumentam que, em situações de crise econômica e elevação da relação dívida/PIB, o governo deve promover ajustes fiscais priorizando cortes de gastos primários em vez de aumentar impostos. Acredita-se que essas medidas restaurariam a confiança dos agentes econômicos. Ao demonstrar responsabilidade no manejo das contas públicas, o governo conquistaria credibilidade junto a esses agentes, melhorando suas expectativas e incentivando investimentos privados, o que, por sua vez, impulsionaria a recuperação econômica. Essa perspectiva parte do princípio de que o setor privado é mais eficiente na alocação de recursos. Portanto, com a redução dos gastos públicos, a iniciativa privaria teria espaço para expandir seus investimentos, assumindo um papel central no crescimento econômico.[15].
Podemos observar, portanto, que nas últimas décadas, tanto os governos de matriz ideológica de direita quanto de esquerda tem orientado suas políticas econômicas sob a égide da austeridade fiscal permanente.
Outros dois pilares do pensamento econômico neoliberal são: meta de inflação e a independência do Banco Central. O Brasil, por recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), adotou o sistema de metas de inflação em 1999 (substituindo o mecanismo de âncora cambial) com o objetivo de estabilizar os níveis de preços, preservando a saúde do sistema financeiro e não comprometendo o crescimento da economia. A independência do Banco Central foi formalizada pela Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021, garantindo autonomia na condução da política monetária, com o objetivo de assegurar a estabilidade de preços e fomentar o pleno emprego. Os presidentes do BC têm quatro anos de mandato, que começam sempre no terceiro ano do mandato do presidente da República.
Em janeiro de 2025, passou a vigorar o Decreto nº 12.079/24 que estabelece uma nova sistemática de meta para a inflação, como diretriz para fixação do regime de política monetária. Desde então, a verificação da meta de inflação não é mais pelo ano-calendário e passa a ser por um horizonte contínuo. Na prática, o BC fará uma avaliação mês a mês da inflação e, caso tenha desviado da meta por seis meses consecutivos, deve-se executar as políticas necessárias ao cumprimento da meta. Esta modificação pode dar subsídios para que o BC mantenha taxas de juros elevados, pois os impactos de choques inflacionários sazonais de oferta nos preços podem ficar mais evidentes.
No entanto, a mudança mais expressiva deste decreto é o prazo para que o Conselho Monetário Nacional (CMN) altere a meta de inflação e seu intervalo de tolerância. A meta e o intervalo de tolerância poderão ser alterados mediante proposta do Ministro da Fazenda, observada a antecedência mínima de trinta e seis meses para o início de sua aplicação. Desta forma, apesar do governo ter a maioria dos assentos no CMN, e autonomia para alterar a meta de inflação que influencia na taxa de juros, qualquer alteração levará três anos para entrar em vigor, podendo, desta forma, ficar desconectado do mandato presidencial e do projeto político vencedor nas urnas. Um mecanismo que coaduna com a teoria neoliberal de independência do BC que promete um isolamento desta instituição dos interesses políticos, justificando que esta instituição baseia-se em critérios técnicos, isentos dos interesses dos governantes de turno. Na prática, o atual governo criou amarras para desenvolver políticas fiscais e monetárias de acordo com o projeto político.
Este emparelhamento institucional foi proposto e executado pelo Ministro Fernando Haddad, que mostra um profundo alinhamento ideológico aos princípios econômicos neoliberais. A consolidação e ampliação do arcabouço institucional de cunho liberal parte de dentro do próprio governo petista e, este, por sua vez, faz a disputa ideológica/política junto ao parlamento e sociedade para aprovar suas medidas, não para derrubar as estruturas neoliberais herdadas dos governos FHC, Temer e Bolsonaro.
O economista André Lara Resende[16] sugere que o BC age de acordo com os “corolários de eficiência do modelo de equilíbrio geral de referência”, ao manter a inflação estável por meio de uma regra heurística para a taxa de juros, o Banco Central estaria, simultaneamente, estabilizando o crescimento econômico e assegurando o pleno emprego. No entanto, a evidência empírica é flagrantemente contrária. Em consonância, o professor da UnB, José Luís Oreiro[17], descreve que a experiência brasileira parece mostrar, de maneira bastante clara, que a política de juros altos é ineficaz no que se refere a manter a inflação dentro das metas definidas pelo CMN. A estabilização da inflação no Brasil nas últimas décadas foi possível devido ao “sacrifício imposto à classe trabalhadora”[18], pois os bens mais sensíveis à sobrevivência como alimentos, combustíveis e transportes tiveram variação acima do nível do IPCA, diminuindo seu poder de compra.
Desse modo, o que se observa não é uma crise conjuntural, ou uma crise na correlação de forças, mas sim o funcionamento estrutural do neoliberalismo. Apesar do discurso progressista dos governos petistas, não houve uma ruptura significativa, apenas mudanças marginais neste modelo econômico. O discurso de crise permanente, frequentemente mobilizado para justificar políticas de austeridade e ajuste fiscal, oculta o fato de que essa instabilidade não é um desvio do sistema, mas um elemento constitutivo da lógica neoliberal, reproduzido, inclusive, sob administrações que se propunham a enfrentá-lo.
III
Ao longo de suas gestões, o PT tentou equilibrar as demandas da classe trabalhadora com as pressões do grande capital, o que assegurou sua sobrevivência política nas últimas décadas. Em retrospectiva, conseguiu conciliar elementos contraditórios do neoliberalismo e da democracia por meio de uma estratégia de acomodação política e conciliação de classes, sustentada pela desmobilização de sua base social. Segundo Alfredo Saad Filho[19], esse modelo só foi viável enquanto o cenário econômico externo era favorável. Com a desaceleração do crescimento, o governo perdeu suas principais fontes de apoio, resultando na desintegração política que levou ao impeachment de Dilma em 2016.
Esse modelo, novamente, começa a dar claros sinais de esgotamento. A eleição presidencial de 2022 demonstrou essa fragilidade: enquanto setores da militância petista acreditavam na possibilidade de uma vitória expressiva contra Bolsonaro ainda no primeiro turno, o resultado revelou um cenário de extrema polarização, com uma margem de votos apertada em favor de Lula. Esse enfraquecimento da hegemonia petista ficou ainda mais evidente nas eleições municipais de 2024, que marcaram uma derrota significativa dos partidos de esquerda, incapazes de reverter a ascensão da direita e consolidar uma base eleitoral robusta.
O professor Paulo Arantes[20] analisa o governo de Lula como um “anteparo” contra o avanço da extrema direita no Brasil. Ele argumenta que, mesmo sem um projeto político inovador, o governo Lula tem como principal sucesso a capacidade de adiar ou frear o retorno da extrema direita ao poder, especialmente após a experiência do bolsonarismo, que ele descreve como um “ensaio geral” de um governo de extrema direita com tentativas antidemocráticas. Arantes destaca que o lulismo, desde seus primeiros mandatos, atuou como uma forma de “redução de danos” no contexto das contradições do capitalismo brasileiro. Ele afirma que políticas sociais como o Bolsa Família ajudaram a esfriar conflitos sociais em um país marcado por profundas desigualdades. No entanto, ele critica a falta de um projeto transformador, argumentando que o lulismo se limitou a administrar crises sem propor mudanças estruturais. O PT se transformou no próprio sistema.
A crença de que “não há alternativa” – a máxima de Margaret Thatcher – parece ter sido assimilada também pelos governos petistas, que optaram por administrar o neoliberalismo em vez de rompê-lo.
Esse pragmatismo, por um lado, garantiu estabilidade política e econômica – de acordo com Laura Carvalho,[21] “milagrinho” econômico – ao longo dos anos. Por outro, impediu a construção de um horizonte econômico realmente transformador. Dessa forma, a esquerda brasileira homogeneizada pelo lulopetismo encontra-se presa a um dilema: manter a atual governabilidade, ainda que ao custo da subordinação às regras do capital financeiro, ou buscar caminhos que desafiem as premissas neoliberais sem cair na marginalização política.
O Neoliberalismo Progressista mostrou-se insustentável por onde passou e deixou caminho livre para o avanço da extrema direita, como no passado recente da Argentina de Alberto Fernández, dos EUA de Joe Biden e no avanço da extrema direita na Europa.
A questão que permanece é: há espaço para uma alternativa real ao neoliberalismo no Brasil? Ou a lógica da financeirização e da austeridade tornou-se tão enraizada que qualquer tentativa de rompimento é imediatamente neutralizada pelas forças do mercado e pelas instituições políticas? O lulopetismo terá forças para liderar essa alternativa, ou haverá de ter um novo arranjo, uma nova “frente ampla” da esquerda para executar tal tarefa?
O cenário para 2026 está nebuloso, porém, para 2030, indica a chegada de um longo inverno para a classe trabalhadora deste país.
O momento atual exige o resgate das palavras de um dos maiores economistas do Brasil, Celso Furtado[22]: “Resistir à visão ideológica dominante seria um gesto quixotesco, que serviria apenas para suscitar o riso da plateia, quando não o desprezo de seu silencio. Mas como desconhecer que há situações históricas tão imprevistas que requerem a pureza de alma de um Dom Quixote para enfrentá-las com alguma lucidez? E como a História ainda não terminou, ninguém pode estar seguro de quem será o último a rir ou a chorar.”
[1] SAAD FILHO, Alfredo. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018.
[2] BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso De Washington: A visão neoliberal dos problemas Latino-Americanos. In.: Barbosa Lima Sobrinho e outros autores, Em Defesa do Interesse Nacional: Desinformação e Alienação do Patrimônio Público, São Paulo: Paz e Terra, 1994.
[3] CHAMAYOU, Grégoire. A sociedade ingovernável: uma genealogia do liberalismo autoritário. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
[4] FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[5] DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo – a nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Outras Palavras & Autonomia Literária, 2017.
[6] MARX, Karl. As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850. (disponível aqui)
[7] MESTRI, Mário. Revolução e Contrarrevolução no Brasil (1530-2019). Porto Alegre: FCM, 2019.
[8] BRASIL. Ministério da Fazenda. Governo quer modernizar leis de concessões e PPPs, diz Fernando Haddad, disponível aqui.
[9] OLIVERIA, Marcos. Em dois anos, Lula privatizou mais rodovias que Bolsonaro em quatro. Monitor Mercantil. 23 jan 2025. Disponível aqui.
[10] BRASIL. BNDES. RFP 10/2022 – Estruturação de projeto de Parceria Público-Privada(PPP), visando à construção, reconstrução, gestão, operação, conservação e manutenção de até 35 unidades educacionais, no Município de Caxias do Sul/RS. Disponível aqui.
[11] Revista Exame, BNDES vai estruturar PPP de até R$ 1 bi para a rede estadual de ensino de MG. 14 de março de 2024. Disponível aqui.
[12] SINTAEMA. Por que EUA, França, Reino Unido e Alemanha reestatizaram os serviços de água e esgoto? 9 fev de 2023. Disponível aqui; MONTENEGRO, Marcos Helano. Água: Por que o Reino Unido quer a reestatização? Outras Palavras. 21/06/2024.; Como a França está desprivatizando suas águas – a onda de reestatização do saneamento avança pelo país. Observatório das Metrópoles. 11/2024; Finnoti, Ivan. Paris e Berlim remunicipalizam saneamento Folha de São Paulo. 05 jun de 2024.
[13] BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. Não existe alternativa? A terra é redonda. 23 de junho de 2023.
[14] BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. 1a edição, Editora Autonomia Literária, 2017, São Paulo.
[15] ROSSI, Pedro e DWECK, Esther. Impactos do novo regime fiscal na saúde e educação. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2016, v. 32, n. 12 [Acessado 26 março 2022], e00194316. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00194316>. Epub 15 Dez 2016. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/0102-311X00194316.
ROSSI, Pedro et al. AUSTERIDADE FISCAL E O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL. Educação & Sociedade [online]. 2019, v. 40 [Acessado 26 março 2022], e0223456. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019223456>. Epub 09 Dez 2019. ISSN 1678-4626. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019223456.
DWECK, Esther; OLIVEIRA, Ana Luiza Matos de; ROSSI, Pedro. Austeridade e retrocesso: impactos sociais da política fiscal no Brasil. São Paulo: Brasil Debate Fundação Friedrich Ebert, 2018.
DWECK, Esther, ROSSI, Pedro; MELO Guilherme. Sobre o diagnóstico falacioso da situação fiscal brasileira. In: In: DWECK, Esther; ROSSI, Pedro; OLIVEIRA, Ana Luiza de. Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
[16] RESENDE, Andre Lara. Consenso e Contrassenso. São Paulo: Portifolio-Penguin, 2020.
[17] O Retorno do Rentismo no Brasil, Revista Política Democrática (01/2022).
[18] CAMPEDELLI & LACERDA, O combate à inflação como fator de concentração de Renda. In.: LACERDA, Antonio Corrêa. O Mito da Austeridade. São Paulo: Contra Corrente, 2019.
[19] SAAD FILHO ,Alfredo, op. Cit.
[20] ARANTES, Paulo. Ilustríssima Conversa: Mesmo sem projeto, Lula terá sucesso se frear extrema direita. Folha de São Paulo, 11 de mar de 2023. Disponível aqui.
______________. Mesmo sem projeto, Lula terá sucesso se frear extrema direita, diz Paulo Arantes. Política Livre.
11 de mar de 2023. Disponível aqui.
[21] CARVALHO, Laura. Valsa Brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2019.
[22] FURTADO, Celso. 1992. op. cit.
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