18 Março 2025
Desde 2020, paira no ar uma estranha sensação de viver em um “interstício temporal”. É o que alguns jovens dizem nas redes sociais, que se perguntam se a pandemia da Covid-19 não congelou uma parte das suas vidas. Mas o confinamento interrompeu completamente a nossa relação com o tempo, ou a era digital em que vivemos também está desempenhando um papel?
A reportagem é de Ynès Khoudi, publicada por Usbek & Rica, 17-03-2025. A tradução é do Cepat.
“Há 5 anos, o confinamento foi anunciado. Não consigo me acostumar com essa ideia. É impossível”. Julie, 21 anos, estudante de física, é uma dos 317 mil internautas que “curtiram” uma publicação na rede social TikTok que fala sobre a sensação de estar “preso” em 2020. Os usuários chamam isso de “síndrome de 2020” ou o “efeito 2020”. Inicialmente, essa noção surgiu no TikTok estadunidense, em 2023, em torno de vídeos humorísticos que acumularam milhões de curtidas.
O efeito de bloqueio não é a única sensação de distorção do tempo visada por essa tendência: “desde 2020, é como se alguém tivesse apertado um botão de ‘acelerar’ na minha vida”, acrescenta Thibault, 19 anos, estudante do BTS [Brevet de Technicien Supérieur]. Julie e Thibault se sentem seguros quando se deparam com um meme que descreve seus sentimentos no TikTok. “Dizemos a nós mesmos que não é apenas fruto da imaginação, que muitas pessoas perderam a noção do tempo”, suspira Julie.
A sensação de que o tempo passa de forma diferente do que antes é realmente um fenômeno incomum? Samuel Comblez, psicólogo clínico especializado em crianças e adolescentes e diretor do número 3018 [telefone para denúncias], destinado a jovens vítimas de assédio e violência digital, ameniza isso: “É sabido que, com a idade, temos a impressão de que o tempo passa mais rápido porque existe uma espécie de monotonia. Repetimos as mesmas tarefas, as segundas-feiras parecem sextas-feiras... Enquanto que quando somos jovens, descobrimos coisas novas todos os dias”. Nossa relação com o tempo se estrutura em parte graças à nossa memória, que tem mais facilidade para codificar memórias quando consegue segmentá-las usando eventos mais ou menos significativos.
Mas embora seja normal sentir o tempo acelerando à medida que envelhecemos, a pandemia de Covid-19 definitivamente mudou isso. “Tudo o que nos faz perceber a passagem do tempo – a escola, o trabalho, as interações sociais – foi interrompido durante a pandemia”, lembra o psicólogo.
Em 2020, a vida cotidiana de bilhões de pessoas virou de cabeça para baixo: cancelamento de eventos sociais, fechamento de escolas, incerteza sobre o futuro... Os projetos de vida, na forma de estudos, viagens ou reuniões, foram abruptamente suspensos. Um evento extraordinário que, como os ataques do 11 de Setembro de 2001 ou aqueles contra o Bataclan na França, cria uma espécie de “seção” em nossas lembranças que pode modificar a nossa memória do tempo.
“Não é porque a relação dos jovens com o tempo foi alterada que eles agora têm dificuldade de planejar as coisas de longo prazo, explica Samuel Comblez. Na verdade, é porque eles não conseguiram se projetar adequadamente no momento da pandemia que sentem que sua percepção do tempo está prejudicada”. O confinamento criou uma espécie de “estação única”, um estado de estagnação em que todos os dias parecem iguais. Os eventos significativos (feriados, aniversários, férias) perderam o significado, e semanas e depois meses se entrelaçaram.
Durante esse período, muitos jovens recorreram às telas com mais frequência do que o normal para se divertir, e descobriram um aplicativo chinês em expansão: o TikTok. Em 2020, a rede social que oferece conteúdo em vídeos curtos e projetado para ser rolado infinitamente tornou-se o aplicativo mais baixado do mundo, alcançando um bilhão de usuários. Na França, o número de usuários aumentou de 4,4 milhões em 2019 para 14,9 milhões em julho de 2020. Combinada com o aumento geral no consumo de mídia social (+61% durante o bloqueio), essa tendência marca uma mudança real na maneira como consumimos as mídias.
Prova de que os hábitos de consumo de mídias foram transformados a longo prazo, mesmo com o fim dos confinamentos, mais de um em cada três franceses estava ativo no aplicativo todos os meses em 2024. Problema: no início deste ano, pesquisadores da Universidade de Toronto publicaram um estudo sobre a ligação entre rolar freneticamente vídeos curtos e o aumento paradoxal do sentimento de tédio. “Vídeos curtos podem tornar o conteúdo dos vídeos on-line sem sentido. Não temos tempo para nos envolver ou compreender o que estamos assistindo”, destaca Katy Tam, autora principal do estudo, em um comunicado. No plano cognitivo, esse tipo de consumo, posteriormente imitado pelo Instagram (os “reels”) e pelo YouTube (os “shorts”), “reduz a capacidade de concentração em coisas longas e estruturadas”, lembra Samuel Comblez.
Uma percepção alterada do tempo à qual alguns associam uma infinidade de consequências. “Tenho a impressão de que não tenho mais controle sobre minha vida, como se estivesse perdendo minha juventude ou algo assim”, diz Sarah, 21 anos, estudante. Isso me deixa muito ansiosa em relação ao futuro. Estamos todos estressados com o futuro, mas tenho a impressão de que essa sensação de estar presa exacerba isso”. Muitos também relatam dificuldade em planejar as coisas de longo prazo devido à sensação de que “tudo está suspenso” ou que “tudo está acontecendo rápido demais”. Outros falam de uma grande sensação de isolamento. “Nunca fui particularmente extrovertida, mas nos últimos quatro anos tem sido pior do que nunca. Tenho a impressão de que não sei mais como me comportar nas interações sociais”, detalhe Sarah.
Sentimentos que podem ter efeitos muito concretos na saúde mental. De acordo com a pesquisa Barômetro de Saúde Pública da França, a prevalência de tentativas de suicídio ao longo da vida entre jovens de 18 a 24 anos aumentou de 6,1% em 2017 para 9,2% em 2021. Da mesma forma, as tentativas de suicídio relatadas nos últimos 12 meses aumentaram de 0,7% em 2017 para 1,1% em 2021.
Para Samuel Comblez, esses testemunhos fornecem um verdadeiro “indicador dos efeitos a longo prazo de tudo o que pode ter acontecido em 2020”. Um mal-estar que não é indelével: o psicólogo garante que é possível reconstruir uma relação mais segmentada com o tempo, por exemplo, “tentando encontrar rotinas estruturantes, com projetos artísticos ou esportivos de mais ou menos longo prazo, por exemplo, e sobretudo limitando o consumo de conteúdos digitais”.
Nas redes sociais, os internautas também tentam encontrar soluções à sua maneira. Por exemplo, a tendência “slow living” (viver lentamente), que acumulou 305 mil postagens no TikTok, incentiva as pessoas a se afastarem da correria do dia a dia e promove um estilo de vida que as incentiva a reservar um tempo para ver os minutos passarem. Isso pode variar desde pequenos gestos, como evitar a tentação de pegar o celular enquanto assiste a um filme, até substituir atividades diárias por passatempos mais tranquilos, como ler ou cuidar do jardim. O mais importante é aprender a apreciar as pequenas coisas do dia a dia... mesmo que essas pequenas coisas sejam paradoxais, já que essa arte de viver se espalha pelas redes sociais. “Para mim, o ‘slow living’ é realmente um ideal. Adoro consumir esse tipo de vídeo, explica Sarah. Mas aplicá-lo a mim mesmo é mais difícil. Imagino que esses próprios criadores de conteúdo não tenham muito sucesso”. Na verdade, parece funcionar melhor quando você para de rolar a tela.