12 Março 2025
Chega ao fim nestes dias a iniciativa da Bienal de Veneza, que apresentou, em duas sessões (5 a 9 e 11 a 15 de março), o Projeto Especial do Arquivo Histórico dedicado à Expositio sancti evangelii secundum Johannem de Mestre Eckhart.
O artigo é de Marco Vannini, filósofo e editor do volume Meister Eckhart: la luce dell'anima (Mestre Eckhart: a luz da alma), publicado por Settimana News, 11-03-2025.
O evento ocorreu no esplêndido cenário do Portego delle Colonne da Scuola Grande di San Marco, o átrio do monumental complexo do século XVI, conhecido hoje como Ospedale Civile dei SS. João e Paulo. Atores famosos recitaram trechos do texto, em parte em italiano, mas também em parte em latim, acompanhados pelos cantos gregorianos do Coro da Cappella Marciana, enquanto filósofos de fama europeia, como o veneziano Massimo Cacciari e o alemão Peter Sloterdjik, deram conferências.
Isso indica, obviamente, que a chamada cultura oficial finalmente reconheceu o valor filosófico e teológico de um personagem há muito esquecido. Ainda mais significativa é a participação não só do Patriarca de Veneza, Dom Francesco Moraglia, mas também do Cardeal José Tolentino de Mendonça, Prefeito do Dicastério da Cultura e Educação da Santa Sé.
Isso atesta que a Igreja Católica restitui a Eckhart o papel que seus contemporâneos lhe haviam atribuído, chamando-o precisamente de Meister, ou magister, Mestre.
Há cerca de sete séculos, em 27-03-1329, em Avignon, o Papa João XXII havia de fato promulgado a bula In agro dominico, com a qual condenava como heréticas ou suspeitas de heresia vinte e seis proposições retiradas das obras de "um certo Eckhart, dos países alemães e, segundo o que se diz, Doutor e Professor de Sagrada Escritura, da Ordem dos Pregadores", que "quis saber mais do que o necessário e... seduzido por aquele pai da mentira, que muitas vezes assume a forma de anjo de luz... fez crescer espinhos e ervas daninhas no campo da Igreja... ensinando doutrinas que obscurecem a verdadeira fé, etc."
A Bula conclui dizendo que "o supracitado Eckhart, confessando a fé católica no fim de sua vida, repudiou tudo o que havia pregado ou escrito, ou ensinado nas escolas, que pudesse induzir na mente dos fiéis um senso herético ou errôneo contrário à verdadeira fé, submetendo-se, a si mesmo e a todos os seus escritos e todas as suas palavras, à Nossa decisão e à da Sé Apostólica".
Assim terminou, após a morte do acusado, um sensacional processo ao qual fora submetido um dos maiores expoentes da Ordem Dominicana, mestre de teologia em Paris, tão famoso que o título ficou quase como seu primeiro nome: Meister.
Ignoremos o fato de que o Papa de Avinhão que emitiu a Bula era um desses “Caorsini” – Jacques Duèse era de fato natural de Cahors, no sul da França – contra os quais Dante se lança, colocando palavras inflamadas dirigidas a eles na boca de São Pedro (ver Paraíso, XXVII, 58-59, e XVIII, 130-136).
O fato é que a condenação teve o efeito de fazer com que os ensinamentos de Eckhart desaparecessem da cultura religiosa oficial por séculos. Na realidade, porém, não totalmente, pois algumas das principais ideias do Mestre continuaram a circular, mais ou menos na clandestinidade, tanto nos conventos do vale do Reno, da atual Suíça até a atual Holanda, onde sua pregação ocorreu, quanto entre os leigos das cidades, como Estrasburgo ou Colônia, onde ele viveu e ensinou por muito tempo.
Assim, por exemplo, seu confrade e discípulo de Estrasburgo, Johannes Tauler (John Tauler), defendendo abertamente o pensamento do "amável mestre, que falava do ponto de vista da eternidade, mas era (mal)compreendido do ponto de vista do tempo", pregou sermões em puro espírito eckhartiano, que circularam, primeiro em manuscritos e depois impressos, espalhando assim sementes que deram frutos nos séculos seguintes, como por exemplo nos belos versos do Peregrino Querubínico de Angelus Silesius (1624-1677).
Depois, com a era moderna, o romantismo e o idealismo alemães redescobriram aqueles tesouros de sua língua e cultura que permaneceram meio enterrados por muito tempo, tanto que obras inteiras de Eckhart foram trazidas à luz pela primeira vez, como a Expositio sancti evangelii secundum Johannem, que é a mais importante de suas obras em latim, destinada à Universidade.
No entanto, a sua difusão foi muito lenta e difícil, porque, por um lado, o “misticismo” era impopular na cultura secular – positivista, marxista, etc. – e, por outro lado, Eckhart ainda era um autor suspeito, que justamente no Comentário ao Evangelho de João expõe algumas de suas principais teses incriminatórias.
De fato, a obra – que o escritor traduziu para o italiano já em 1992, e depois reapresentou em uma nova edição, com o texto ao lado, em 2017 – destaca o pensamento de Eckhart mais do que qualquer outro, também porque o Quarto Evangelho é o único a proclamar a divindade de Cristo, o logos eterno, que estava no princípio e que se fez carne. E é de fato ao Prólogo Joanino e à explicação do conceito de Lógos/Verbum que Eckhart dedica boa parte de seu Comentário.
É ainda no Quarto Evangelho que Jesus, falando à mulher samaritana no poço de Jacó, afirma a realidade de Deus como Espírito, que não é adorado nem na montanha nem no templo, mas somente em espírito e verdade (ver João 4,21-24) e promete que o Espírito virá, depois que o próprio Jesus tiver partido, para conduzir a toda a verdade (ver João 16,7-13). Podemos dizer, em resumo, que para Eckhart o Evangelho de João é o Evangelho da razão (lógos) que se torna espírito (pneûma), o que significa um texto em que a grande herança filosófica clássica encontra-se harmoniosamente com a mensagem evangélica.
Assim como seu contemporâneo Dante, o Mestre dominicano tem, de fato, grande fé na capacidade da razão humana, centelha divina presente em cada homem: por isso, ele sempre se expressa com expressões da mais alta estima para com os "mestres pagãos", a ponto de dizer, precisamente no Comentário ao Evangelho de João, n. 185, que a Sagrada Escritura concorda com o que os filósofos escreveram, pois "Moisés, o Filósofo (isto é, Aristóteles) e Cristo ensinam a mesma coisa, que difere apenas na maneira, isto é, em quão credível, demonstrável ou verossímil, e verdade".
Não é por acaso que algumas das proposições censuradas em Avignon são retiradas do Comentário ao Evangelho de João, como por exemplo que "tudo o que a Sagrada Escritura diz sobre Cristo é também totalmente verificado em todo homem bom e divino, pois o homem bom, o homem nobre, é o Filho unigênito de Deus, gerado pelo Pai desde a eternidade, e não tem nada menos do que o que o Pai deu ao seu Filho unigênito".
A natureza espiritual de Deus corresponde à natureza espiritual do homem, que é unus spiritus, um só espírito, com o de Deus, e tem a mesma natureza de Cristo. Não há dúvida de que essas afirmações podem soar escandalosas, principalmente porque estão relacionadas à ética do "homem nobre", isto é, do homem completamente desapegado, livre de todos os vínculos, mesmo os de natureza religiosa.
Bem conhecida é a oração de Eckhart: "Rezo a Deus para que me liberte de Deus" - verdadeiramente paradoxal, se não entendermos que ele está dizendo que, para encontrar o Deus verdadeiro, a alma deve ir além de toda imagem externa de Deus, sempre condicionada por lugares, tempos, circunstâncias que chamaríamos de histórico-sociais.
O convite verdadeiramente fundamental do Mestre é, de fato, encontrar, nas "profundezas da alma", nossa essência espiritual, que é bem distinta daquela psicológica, mutável e acidental.
Não é de se surpreender, portanto, que hoje, em um momento de grande e generalizado mal-estar existencial, que as mil "escolas" psicológicas não conseguem combater - na verdade, em certo sentido, elas mesmas contribuem para alimentar - estejamos redescobrindo em muitos setores o significado do ensinamento daquele que foi verdadeiramente, como diz Heidegger, não apenas Lese-meister, mas também e acima de tudo Lebe-meister, ou mestre da vida, muito mais do que apenas um professor.