10 Janeiro 2025
"A história da liberdade é esta luta para que o arbítrio e a força não a destruam e, mais do que isso, a luta permanente para 'recuperar o quanto de humanidade já tivermos perdido'", escreve Paulo César Carbonari, doutor em filosofia (Unisinos), militante de direitos humanos, membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil).
O anúncio do dono da Meta, feito no dia 07 de janeiro de 2025, aparenta o que não é: sugere ser um chamado à liberdade e pelo fim do excesso de censura, quando, na verdade, é o anúncio da mais abjeta de todas as censuras, aquela feita pelo poder, pelo despudor e pelo dinheiro. Os três juntos, casados, e nas mãos de muito poucos, aqueles que controlam os principais veículos de disseminação da informação (e da desinformação) nos dias de hoje, as redes sociais.
No site da empresa o “pronunciamento” [1] é titulado como “More speech and fewer mistakes”. Ele quer reduzir os erros. Entende por erro a retirada de conteúdos postados em razão do excesso de “censura” praticada pelo “politicamente correto” (o que no popular se traduz movimento “woke”). Fala em “se livrar de um monte de restrições”, particularmente aquelas sobre imigração e gênero que, segundo ele, hoje estão “fora de conexão com o discurso dominante”. Explica porque: estas posições, que começaram como “movimento para ser mais inclusivo”, vêm sendo usadas para “cercear opiniões e excluir pessoas com opiniões diferentes” (talvez se alinhe aos que por aqui defendem os “direitos humanos masculinos”). Movimento que: foi “longe demais”. Os “filtros cometeram erros” e o principal deles teria sido banir das redes conteúdos e contas. Ainda que ressalte que está preocupado e tenha responsabilidade com conteúdos que infrinjam a lei, entende que o controle sobre estas violações precisa mudar e ser entregue aos usuários. Fala que as medidas que propõem devem gerar “muito mais confiança” e que, ao “pegar mais leve”, ainda que venham a “pegar menos coisas ruins”, por outro lado, vão “reduzir o número de postagens, de pessoas inocentes, que acidentalmente derrubamos”.
Este senhor, que se acha (e de fato é) dono de “muitos pastos”, que alimenta sua própria liberdade literalmente “comendo” a liberdade dos/as outros/as, disse que as medidas visariam fazer frente ao excesso de censura e ampliar a liberdade (de expressão). Olha que “fofo”, diz que faz isso para “voltar às origens” e “dar voz às pessoas”, entregando aos próprios usuários o poder de fazer o “controle” das publicações, como se os algoritmos fossem “simples usuários” ingênuos e colaborativos! É desonesto: quer fazer “usuários” acreditarem num poder que de fato não têm, não porque não querem ter, mas porque o próprio modelo do negócio das redes sociais impede que o tenham e que seja exercido.
O bom é que não deixa de confessar os reais motivos que o levaram a dizer o que disse: não são os valores da liberdade e da participação. Pelo contrário, como disse: “Vamos trabalhar com o presidente Trump para forçar (push back) os governos de todo o mundo, que visam perseguir empresas americanas e pressionam para implementar mais censura”. Leia-se: o que está em jogo é combater tudo o que limitar as empresas norte-americanas de ganhar dinheiro nos Estados Unidos e em todo o mundo. Todos sabemos que o melhor modo de ganhar dinheiro no capitalismo é a “livre concorrência”. Para estes senhores, ela está acima de toda e qualquer outra liberdade. Aliás, esta é a “única” liberdade, pois que seria a mãe de todas as demais e sempre que restringida, de algum modo, isso seria equivalente ao pior dos ataques à dignidade humana. Infelizmente, nada de novo no que efetivamente pretende este senhor (e seus comparsas) do dinheiro: ganhar ainda mais dinheiro, sem limite algum.
Em nome da liberdade, não neste sentido dos donos do dinheiro, mas da liberdade como abertura para a humanização, para o “ser mais” humano, reagir às nossas próprias primeiras reações: de se sentir impotente diante de tanta força, de tanta violência. Lembrado o velho Adorno, de quem podemos aprender muito para enfrentar os autoritarismos, é preciso cultivar a reflexão... cultivar o direito à recusa, ainda que com muita dificuldade de exercitá-la. Em nome deste suspiro é que está este suspiro, indignado...
Nunca como agora talvez seja tão importante fortalecer os “aventinos”, reforçar as potências, cuidar das “florzinhas”, agir a “contrapelo”, juntar as mãos e o que temos de criatividade para fazer frente a tanto arbítrio e buscar alternativas de preservação da liberdade, aquela que nasce da consciência do limite de nossa condição humana – e não de seu avesso, seu excesso despudorado. A história da liberdade é esta luta para que o arbítrio e a força não a destruam e, mais do que isso, a luta permanente para “recuperar o quanto de humanidade já tivermos perdido”.
[1] Disponível aqui.
[2] Disponível aqui.
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Viva a liberdade. Artigo de Paulo César Carbonari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU