12 Dezembro 2024
Na casa com o moinho, entre as fotos emolduradas, há uma com o tronco de uma árvore e dezenas de seringas fincadas nele. Está escrito: Parque Lambro, 1984. É um aviso para não esquecer o pântano social de heroína que engolia vidas jovens, nesse pulmão verde entre o hospital San Raffaele, a perimetral e os blocos de edifícios de Milão 2. Quarenta anos depois, ao redor da Cascina Molino Torrette, as flores cresceram, assim como a fundação Exodus de Dom Antonio Mazzi.
A entrevista é de Enrico Ferro, publicada por La Repubblica, 11-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
2024 é um ano de números redondos para o padre dos dependentes em drogas e dos assassinos. Ele completou 95 anos em 30 de novembro último, mas, apesar do peso da idade, ainda está ali, em sua mesa sem computador, onde as cartas são escritas à mão. Dom Antonio Mazzi, por que o senhor se tornou padre?
Porque eu vinha de uma família pobre, meu pai morreu aos 30 anos de pneumonia. Depois da escola primária, mandaram-me para o internato Don Calabria, em Verona.
Como surgiu a fé?
O bispo de Ferrara tinha ficado com o seminário vazio e veio nos pedir ajuda. Concordei em ir para lá porque sabia que Bolonha ficava perto, com sua universidade. Mas em 1951 o rio transbordou e houve uma inundação. Certa noite, os bombeiros também pediram minha ajuda para cuidar das crianças que sobreviveram. Naquela noite, decidi que tinha de me tornar o pai daqueles que não têm mais um pai.
Atualmente, a Exodus tem 40 comunidades em toda a Itália. A Igreja o apoiou nessa sua obra?
Nunca procurei a Igreja, trabalho com voluntários. O único que me ajudou, à sua maneira, como jesuíta, foi o Cardeal Carlo Maria Martini.
Por que nunca procurou a ajuda da Igreja?
Porque não me interessa uma Igreja feita assim: os muros ficaram, mas onde está o espírito? É por isso que as igrejas estão vazias. O Papa foi visitar Emma Bonino e toda a Itália ficou surpresa, mas isso é algo que ele deveria fazer regularmente. O Papa é o Bispo de Roma, ele sempre deveria estar com as pessoas.
Qual é sua opinião sobre Bergoglio?
Os argentinos são um pouco como os napolitanos: sabem conquistar, mas depois também é preciso encontrar a coragem para fazer algo concreto.
Como o quê?
Abertura para as mulheres, eliminação do celibato dos padres e abolição dos seminários. É absurdo trancar os garotos no seminário durante o período da adolescência: é óbvio que, mais tarde, surgem problemas de natureza sexual.
O senhor já teve tentações?
Eu pensei sobre isso, sim. Fui salvo por toda a urgência que havia fora. Eu pensei: se eu me apaixonar, para onde vai tudo isso?
Quarenta anos de atividade. Qual é o seu segredo, se é que tem um?
Em San Patrignano, costumavam trancá-los numa comunidade. Fiz uma escolha diferente: propus aos desesperados do Parque Lambro que viessem comigo em uma aventura. E partimos com a primeira caravana, nove meses viajando pela Itália, com nossas bicicletas e o trailer. Não tenho segredos, acredito em espaços abertos, em alternativas às prisões.
Como são os dependentes químicos hoje?
O problema não é apenas a droga, o maior problema dos jovens de hoje é que nós apagamos o seu futuro. Enquanto a sociedade de ontem provocava, a sociedade de hoje não estimula. Os loucos de 1968 agiam em nome de ideais, aqueles de hoje simplesmente matam e só.
O senhor acolheu várias pessoas daquela época em sua comunidade.
Recebi Marco Donat-Cattin, filho de Carlo, que também foi ministro da DC. Depois, Morucci e Faranda. Eles não pretendiam estar certos, simplesmente pediam para não serem julgados.
O senhor também acompanhou Erika De Nardo.
Erika foi salva por seu pai, que sempre a acompanhou apesar de tudo. Ela tinha um caráter forte, era uma líder mesmo na prisão. Ela reconstruiu uma vida, não tenho notícias dela há algum tempo.
E Pietro Maso?
Nunca gostei dele e, na minha opinião, ele ainda é o mesmo Maso. Espero estar errado.
Condenaram à prisão perpétua Filippo Turetta, o assassino de Giulia Cecchettin. O que acha?
Peço desculpas ao pai de Giulia, mas sou contra a prisão perpétua. Não entendo seu significado. Eu perguntaria a Gino Cecchettin: você perdeu uma filha e sabe o que quer dizer ficar sem ela, por que a família de Filippo deve passar pelo mesmo abismo?
Qual deveria ser, então, a alternativa à prisão?
A força da normalidade. Precisamos que essas pessoas vivam a normalidade, só assim, mais cedo ou mais tarde, virão para o nosso lado.
Um erro cometido ao longo dos anos?
Um garoto queria sair da comunidade a todo custo e eu o deixei ir. Poucas horas depois, a polícia chegou: ele havia cometido suicídio.
Uma aposta ganha?
Roberto atuava como falso manobrista em Roma, Renato Zero o levou para lá: agora ele é responsável por uma comunidade na Calábria.
Qual sua opinião sobre a direita no governo?
Não sei como alguém como Salvini conseguiu chegar ao governo.
E o que pensa de Giorgia Meloni?
Gosto dela só porque é mulher e é bom que ela esteja lá, mas acredito no ideal do antifascismo. Acredito que Prodi ainda é o melhor em circulação.
Qual é a sua lembrança de Silvio Berlusconi?
Perguntaram-me se ele poderia vir para cá como uma alternativa à prisão: eu disse que para mim poderia vir e limpar as latrinas. Só o encontrei uma vez, junto com dom Verzé.
Na sua opinião, o que a sociedade atual precisaria?
A coisa mais urgente a fazer é mudar a escola. A escola de hoje é fascista: os mesmos programas para todos. Cada pessoa tem sua própria história. Somente uma grande revolução na escola pode mudar a sociedade.
O senhor completou 95 anos: seu balanço é otimista?
Vou embora convencido de que podem continuar o que eu comecei. Não fiz tudo e isso me deixa feliz.
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“Sou padre graças a uma enchente. Turetta? Não à prisão perpétua”. Entrevista com Antonio Mazzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU