06 Dezembro 2024
A tentativa de autogolpe do presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol foi contida por milhares de manifestantes que tomaram as ruas para defender a democracia. A mobilização social demonstrou a mudança de mentalidade da população, acostumada durante boa parte do século XX a viver sob ditaduras e golpes militares.
O artigo é de Sarah Son, publicado por Nueva Sociedad, 05-12-2024.
Há apenas um ano, o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, discursou no Parlamento britânico elogiando o país como o berço da democracia liberal e afirmou que a Coreia se uniria aos esforços para promover a liberdade, a paz e a prosperidade na comunidade internacional.
Nesta semana, Yoon deu uma aparente guinada de 180 graus em sua admiração pela democracia, mergulhando o país na agitação ao solicitar a implementação de uma lei marcial de emergência. Em um discurso televisionado à nação, ele declarou que era necessário proteger o país de forças "desavergonhadas, pró-norte-coreanas e antiestatais". Também afirmou que era hora de "reconstruir e proteger" a Coreia do Sul para evitar que "caísse em ruínas".
Em poucas horas, tanto os legisladores reunidos na Assembleia Nacional quanto os cidadãos que foram às ruas reverteram de forma rápida e decisiva a decisão de Yoon, forçando-o a recuar. Foi uma demonstração sólida da democracia sul-coreana em ação e um lembrete de que esta é uma Coreia muito diferente da que emergiu das persistentes ditaduras militares e da frequente imposição de leis marciais no final da década de 1980.
Os membros da Assembleia Nacional, alguns dos quais tiveram de escalar cercas e atravessar barricadas militares para entrar no recinto, votaram unanimemente contra o decreto abrupto de Yoon, declarando-o ilegal. Membros do próprio partido de Yoon, o Partido do Poder Popular, afirmaram que ele havia ido longe demais. Após a votação, os legisladores permaneceram fora do edifício da Assembleia Nacional e, com calma, mas firmeza, descreveram o chamado à lei marcial como inconstitucional.
Não é segredo que Yoon tem enfrentado obstáculos cada vez maiores desde que assumiu a presidência, devido aos avanços esmagadores do opositor Partido Democrático nas eleições parlamentares de abril deste ano. Tendo vencido a presidência em 2022 por uma margem mínima, a aprovação de Yoon tem sido enfraquecida por escândalos persistentes.
Durante seu primeiro ano de mandato, pesquisas de opinião pública indicaram que seis em cada dez sul-coreanos sentiam que a democracia estava em declínio. Em 2024, Yoon promoveu políticas impopulares em questões como a jornada máxima de trabalho e a política externa em relação ao Japão. Isso resultou em apenas 32,7% dos sul-coreanos declarando-se satisfeitos com a qualidade da democracia no país.
Desde que perdeu o controle da Assembleia Nacional, Yoon provocou a ira pública ao usar de forma discricionária o veto presidencial para bloquear projetos de lei aprovados pela oposição. Desde o início do processo de democratização no país, Yoon é o presidente que mais recorreu a essa ferramenta. Ele vetou investigações independentes sobre a suposta participação de sua esposa no recebimento de presentes de luxo, além de casos de manipulação de ações, e também tentou interferir na nomeação de candidatos eleitorais.
O ponto de inflexão foi o esforço desta semana, por parte da maioria opositora, de cortar o orçamento de seu governo, algo que está fora do alcance de um veto presidencial. Frustrado por não conseguir impor sua vontade sobre o orçamento, Yoon recorreu a um recurso clássico de alguns setores da direita coreana: acusou a oposição progressista de agir em conluio com a Coreia do Norte para minar sua liderança.
Trata-se de acusações perigosas, sem qualquer fundamento na política sul-coreana atual. Em 1980, alegações semelhantes sobre a implicação da Coreia do Norte nos assuntos internos do Sul levaram o exército a massacrar cidadãos na cidade de Gwangju, no sudoeste do país. Os manifestantes pediam o fim da lei marcial imposta pelo então presidente Chun Doo-hwan.
Embora a ditadura esteja firmemente no passado da Coreia do Sul, os temores de um possível retrocesso democrático costumam surgir entre a população sul-coreana. Em 2017, milhões de manifestantes tomaram as ruas para derrubar a então presidente Park Geun-hye, após acusações de corrupção e restrições à liberdade de expressão. A inclusão, por razões políticas, de milhares de artistas e intérpretes na lista negra de seu governo para o recebimento de financiamento público foi especialmente impopular.
Apesar desse tipo de episódio, 80% dos sul-coreanos hoje dizem sentir orgulho da contribuição dos movimentos democráticos para o progresso da sociedade. Isso indica a fé da Coreia do Sul no poder do povo para exigir responsabilidade de seus líderes. Embora o próprio presidente do partido de Yoon tenha condenado imediatamente suas medidas, os membros de seu círculo íntimo devem ter sabido o que estava por vir. Por isso, abundam especulações de que aqueles que cercam Yoon e aprovaram a decisão estão lamentavelmente desconectados dos sentimentos da população, à luz da reação massiva imediata.
Ao pedir a lei marcial em uma Coreia do século XXI muito diferente do passado, é provável que Yoon tenha acelerado sua própria ruína política. Ao recorrer a uma medida tão extrema, ele colocou em risco a estabilidade econômica e política da Coreia do Sul e da região. Se tivesse persistido e obtido sucesso, o estado de lei marcial teria causado estragos nos avanços arduamente conquistados que tornaram a Coreia um espaço atraente e privilegiado para investimento estrangeiro, desenvolvimento de alta tecnologia, turismo e cultura popular.
Yoon terá muito a responder nos próximos dias e semanas. A oposição progressista já iniciou o processo de impeachment. É pouco provável que sua carreira política sobreviva às consequências deste grave erro.
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Coreia do Sul: o golpe que não foi. Artigo de Sarah Son - Instituto Humanitas Unisinos - IHU