26 Novembro 2024
Dados do Censo 2022 revelam aumento de imóveis vazios em praticamente todos os bairros de Porto Alegre.
A reportagem é de Luciano Velleda, publicada por Sul21, 22-11-2024.
Uma cidade de 128 mil imóveis particulares vazios. Assim é Porto Alegre, segundo dados do Censo Demográfico 2022 divulgados no último dia 14 de novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesta “cidade” de imóveis não ocupados, os apartamentos representavam 67,8% dos domicílios de uso ocasional e 60,1% dos vagos, enquanto as casas eram 30,3% dos imóveis de uso ocasional e 36,7% dos vazios.
O método do Censo Demográfico 2022 para analisar a quantidade e a distribuição dos domicílios particulares permanentes sem moradores é dividido em dois conceitos: os imóveis vagos e os de uso ocasional – residências que eram utilizadas, mas sem ser a principal de alguma pessoa. No Rio Grande do Sul, a pesquisa contabilizou 458,5 mil domicílios particulares permanentes de uso ocasional. A categoria abrange casas de veraneio, imóveis residenciais voltados para locação de curta duração e repúblicas de estudantes (desde que nenhum estudante utilize o imóvel como residência principal), entre outros.
Por outro lado, o domicílio particular permanentemente vago é aquela residência que na data de referência não estava ocupada e nem era utilizada ocasionalmente – o Censo de 2022 registrou 604,4 mil domicílios nessa categoria no estado. Ao todo, o RS tinha mais de 1 milhão de domicílios particulares não ocupados em 2022.
Professor de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Mario Lahorgue afirma que não deveria existir uma situação como a de Porto Alegre, com tantos imóveis vazios e, ao mesmo tempo, uma parcela da população sem acesso a moradia digna.
“Uma das coisas que tem chamado atenção é o fato de que praticamente todos os bairros tiveram aumento de domicílios e de domicílios não ocupados. Foi generalizado por toda a cidade e não pegou só os bairros mais tradicionais, mais densamente ocupados há muito tempo. É um fenômeno que tem abrangido tanto bairros mais pobres quanto bairros mais ricos”, analisa.
Segundo o IBGE, o aumento de domicílios se refere a habitações novas. Entretanto, Lahorgue destaca que nem todos estes novos imóveis foram erguidos pela indústria da construção civil. Isso significa que parte deles foram feitos pelos próprios moradores e donos de terrenos, construindo novas casas. Tal fenômeno é perceptível principalmente na zona sul da Capital, região cuja ocupação tem crescido muito nos últimos anos. Um exemplo é o bairro Belém Velho, onde houve significativo aumento de novos domicílios e de imóveis não ocupados, apesar do bairro não ser um grande alvo de novos condomínios ou prédios erguidos pelas principais construtoras e incorporadoras.
“É muito complicado um sistema em que a gente continua adicionando cada vez mais domicílios, cada vez mais construções e continua tendo gente sem casa para morar”, avalia o professor e pesquisador do Observatório das Metrópoles.
Para ele, a situação de Porto Alegre é uma prova de que o mercado não resolve o problema da habitação. Isso porque a maioria das construções novas são imóveis feitos pelo mercado imobiliário. “Se você continuar tendo esse tipo de funcionamento, ele não resolve e só espalha mais a cidade. Então está tudo errado e mostra que o mercado é incapaz de resolver, por si só, o problema da habitação. Na verdade, é uma enorme falha do mercado”, afirma. “A lei da oferta e da demanda não resolve o problema da habilitação, só resolve, na prática, para quem ganha dinheiro.”
Também na prática, os próprios anúncios de muitos novos empreendimentos imobiliários na Capital já estimulam a compra de imóveis para investimento e não necessariamente para moradia. O tema foi abordado pelo Sul21 nos especiais “Que Porto é esse?” e “Donos da cidade”.
“O mercado é descolado das necessidades habitacionais. Essa é a grande questão. Ele é racional para ganhar dinheiro, mas é irracional para resolver o problema da cidade”, analisa Lahorgue.
Além dos imóveis vazios, os dados do Censo Demográfico 2022 revelam também o fluxo de moradores nos bairros de Porto Alegre, mostrando quais regiões da cidade ganharam moradores e quais perderam na comparação com o Censo de 2010.
De acordo com análise do Observatório das Metrópoles, os cinco maiores aumentos populacionais ocorreram nos bairros Pedra Redonda (108%), Chapéu do Sol (90,4%), Jardim Europa (90,2%), Pitinga (61,1%) e Lami (55,7%). Em sentido oposto, as cinco maiores quedas foram nos bairros Anchieta (-60,9%), Praia de Belas (-33,3%), Jardim Floresta (-32,6%), Serraria (-29,7%) e Cascata (-29%).
Ao analisar o fluxo populacional pelos diferentes bairros de Porto Alegre, entre as regiões que perderam e ganharam moradores, ainda que em todos os bairros também tenha havido aumento do número de imóveis vazios, Mario Lahorgue pondera que as pessoas acabam replicando o comportamento das grandes construtoras, ou seja, construir como um tipo de investimento. A clássica ideia de que imóvel não se desvaloriza e sempre é um bom negócio.
“Muita gente constrói como uma reserva de valor. Muita gente da classe média e classes mais populares constrói para deixar para os filhos e vai multiplicando a quantidade de unidades habitacionais disponíveis e que não necessariamente vão ser ocupadas. Nas últimas décadas já se multiplicou várias vezes a quantidade de imóveis existentes na cidade e em toda região metropolitana e a população não acompanhou esse crescimento”, explica o professor de geografia da UFRGS e membro do Observatório das Metrópoles.
Lahorgue destaca que entre os anos de 1970 e os dias atuais, a quantidade de imóveis na Capital cresceu, no mínimo, quatro vezes, enquanto a população da cidade obviamente não quadruplicou. A disparidade é maior atualmente porque agora a população parou de crescer e, até há pouco tempo, ainda havia um aumento populacional que mascarava em parte essa disparidade. “Agora estamos num processo em que a população começou a diminuir, só que o ritmo de expansão dos imóveis não parou. Então o negócio ficou gritante e é por isso que deu esse salto na quantidade de imóveis vazios.”
Entre o Censo do IBGE de 2010 e o de 2022, a diminuição de domicílios não ocupados só ocorreu nos bairros Anchieta, Farroupilha e Sétimo Céu. Nos outros 91 bairros de Porto Alegre houve aumento de imóveis não ocupados.
Uma curiosidade destacada pelo professor da UFRGS é que os maiores aumentos de habitações não ocupadas não ocorreram nos bairros centrais da cidade e sim em áreas mais afastadas, principalmente na zona sul, onde há bairros em que houve aumento de população e também de imóveis vazios. Para ele, o fenômeno em curso na zona sul é reflexo da lógica de se construir para vender. Não à toa, salienta ter havido iniciativas políticas de mudar a definição de alguns bairros da região de zona rural para zona urbana, alteração que justamente possibilita a expansão da construção civil e da ocupação. O fenômeno fica mais complexo quando visto pela perspectiva de que as famílias hoje têm menos filhos do que outrora. Assim, em bairros historicamente com baixa densidade populacional e muita área disponível, mesmo o acréscimo de população é inferior à quantidade de novos imóveis disponíveis.
No Menino Deus e no Petrópolis, por outro lado, apesar de estar em curso um processo de substituição de casas por edifícios, isso não causou o aumento da população dos bairros. Em parte a explicação deve-se à redução no número de membros das famílias, com poucas pessoas morando nos novos apartamentos, assim como muitos ficam simplesmente vazios. Se na zona sul se constrói novas casas onde antes não havia nada, incluindo condomínios fechados, mas não só, nestes dois bairros mais centrais a substituição de casas por edifícios não chega a causar um aumento significativo de moradores.
“Na prática, você está expandindo a cidade onde não precisa. Essa é a questão. Não tem nenhuma necessidade de expandir a cidade porque a área urbanizada já tem toda a capacidade de abrigar a população”, afirma Lahorgue.
A retórica do adensamento de Porto Alegre tem sido bastante difundida pelo governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) em meio ao debate sobre o novo Plano Diretor. A questão, entretanto, para o professor de Geografia da UFRGS, é que o tema causa confusão ao misturar quantidade e altura de prédios com o adensamento populacional. Ele acredita que a Prefeitura tem o conceito de que liberar construções mais altas causará adensamento, porém, a realidade tem mostrado que não é bem assim.
“Adensamento é a quantidade de população que vive numa determinada área. Todos os números estão mostrando que as áreas cada vez mais verticais da cidade não estão ficando mais adensadas. Elas foram mais adensadas no passado porque as famílias eram maiores, mais pessoas moravam naqueles bairros. Na prática, a relação é muito pequena entre a altura dos prédios e o adensamento”, explica, citando o conhecido caso de Barcelona, uma cidade sem prédios altos e com um dos maiores adensamentos do planeta. “Toda a discussão (em Porto Alegre) não trata de como as pessoas podem ocupar as unidades já construídas.”
Para talvez solucionar a questão, o membro do Observatório das Metrópoles defende que o Plano Diretor deveria criar meios de estimular a ocupação dos imóveis vazios da cidade ou, de algum modo, desencorajar seus proprietários de deixarem as habitações sem função. Até o momento, entretanto, não há notícia de que tal possibilidade esteja sendo proposta nos debates da revisão do Plano Diretor.
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"O mercado é racional para ganhar dinheiro, mas é irracional para resolver o problema da cidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU