16 Novembro 2024
Entre 1961 e 1990, o número de dias com ondas de calor no Brasil não passava de sete. Esse número subiu para 20 dias entre 1991 e 2000; para 40 dias de 2001 a 2010, e para cerca de 52 dias, de 2011 a 2020.
A reportagem é de Sandra Miyashiro e Rita Silva, publicada por EcoDebate, 07-11-2024.
O aquecimento em várias regiões do Brasil já é maior que a média global: em alguns pontos do país, as médias das temperaturas máximas aumentaram em até 3°C nos últimos 60 anos – um aquecimento maior que a média global.
Em todo o hemisfério Sul, os maiores aumentos de temperatura acontecem nas regiões subtropicais da América Latina, onde o Brasil se localiza.
Essa elevação de temperatura faz com que a água evapore mais, tornando as estações e áreas secas ainda mais secas, e, ao mesmo tempo, carregando mais umidade, o que provoca chuvas mais intensas, em menor espaço de tempo, nas regiões úmidas e estações chuvosas.
O Nordeste, a região amazônica e o Centro-Oeste têm sofrido secas mais prolongadas, o que aumenta a incidência de incêndios. Já as regiões Sul e Sudeste, principalmente em áreas urbanas, têm sido afetadas por mais chuva, com inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
Ao mesmo tempo, o aumento do nível do mar e a erosão atingem cerca de 35% da costa, com maior concentração nas praias do Norte, Nordeste e Rio Grande do Sul. Suas consequências são a redução da largura das praias, destruição de infraestrutura e impactos na economia local.
Esses são alguns dos dados de estudos nacionais e internacionais mais recentes e dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) produzidos ao longo do Sexto Ciclo de Avaliação (AR6) que foram reunidas no compêndio Mudança do Clima no Brasil – síntese atualizada e perspectivas para decisões estratégicas.
Trata-se de um documento-síntese elaborado pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), a Rede Clima, o WWF-Brasil e o Instituto Alana com o objetivo de facilitar o acesso aos dados sobre o impacto da mudança do clima sobre o Brasil para formuladores de políticas públicas, pesquisadores, cientistas, professores, estudantes e imprensa. O esforço em consolidar este relatório reuniu sociedade civil, academia e governo com o objetivo de mobilizar a sociedade em torno do tema.
O documento inclui recomendações de ações necessárias para gerenciar esses impactos de modo mais efetivo. A publicação, no formato PDF, está disponível neste link.
Está ruim? Pode piorar!
Considerando um aumento de 2ºC na temperatura média global, até 2050, na Amazônia cerca de 50% da cobertura florestal pode ser perdida pela combinação de desmatamento, condições mais secas e aumento dos incêndios. Isso levaria a floresta tropical úmida a um ponto de não retorno, alterando todo o ciclo de chuvas no Brasil e na América do Sul.
Os principais rios da bacia amazônica terão seu fluxo reduzido, com uma maior extensão geográfica da seca nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, impactando no acesso à água, alimentos e produção de energia elétrica. O Nordeste, que abriga cerca de 60 milhões de pessoas (dados de 2010), pode ter 94% do território transformado em deserto.
O relatório destaca que aumentará entre 100 e 200% a população afetada por enxurradas no Brasil. Com a população brasileira envelhecendo e residindo em áreas urbanas (as projeções dizem que haverá aumento de 87% (2020) para 92,4% da população vivendo em cidades), grande parte dessas pessoas estará concentrada em assentamentos precários, sem preparo diante de tempestades, ondas de calor etc. Também haverá mais mortes e mais doenças transmitidas por vetores como dengue e malária.
Estima-se um declínio de 77% dos estoques pesqueiros, com a possibilidade de até 2050, haver uma queda de até 30% na receita (em relação ao PIB) e diminuição de 30% a 50% dos empregos relacionados à pesca.
Projeta-se também a quebra de safras e dificuldades no abastecimento de comida e água em vários pontos do país com um impacto esperado em até 21,5 milhões de pessoas vivendo nas grandes cidades brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, que estarão expostas à escassez de água.
Neste cenário, a demanda por energia tende a aumentar dada às necessidades de aumento de conforto térmico (resfriamento pelo uso de ar-condicionado) e para irrigação em sistemas agropecuários, mas potenciais danos à infraestrutura do sistema elétrico, incluindo usinas eólicas e solares, aumentará por causa dos desastres climáticos.
O que precisa ser feito
O relatório avalia que as ações para reduzir a emissão de gases de efeito estufa tomadas pelo Brasil não têm correspondido ao que realmente é preciso. As emissões precisam parar de crescer já em 2025. Para isso, será necessário um amplo planejamento e a implementação de ações de mitigação e adaptação em diversas escalas, incluindo o investimento somente em fontes renováveis e o aprimoramento da eficiência na produção de energia.
Será necessário zerar o desmatamento na Amazônia e nos outros biomas, fortalecer a fiscalização ambiental e investir em programas de pagamentos por serviços ambientais para incentivar a conservação dos biomas. Ampliar em escala a adoção de práticas agrícolas sustentáveis, como a agricultura de baixo carbono, os sistemas agroflorestais e a integração entre lavoura, pecuária e floresta, entre outros, para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Destacando-se que para promover a segurança hídrica e alimentar será preciso implementar medidas como a gestão integrada dos recursos hídricos, bem como a promoção de sistemas agrícolas resilientes à mudança climática.
Outra frente é investir em transporte público de baixo carbono, como ônibus elétricos e trens, e incentivar o uso de bicicletas. O transporte coletivo, além de ser um serviço essencial, é importante para reduzir a poluição ambiental, os congestionamentos e o uso de combustíveis fósseis, quando comparado ao uso de veículos automotores individuais.
Para fortalecer a resiliência das cidades, será preciso também implementar soluções baseadas na natureza, aumentando áreas verdes, parques lineares e sistemas de drenagem sustentáveis, além de como outras soluções tecnológicas, do tipo pavimentação que absorva água, e da criação de sistemas de alerta precoce e preparação para emergências. O foco em populações mais vulneráveis é fundamental e deve incluir a implementação de políticas públicas que garantam o acesso à água, a saneamento, à saúde e à moradia. Será necessário, também, fortalecer os sistemas de saúde, com vigilância epidemiológica para monitorar e prevenir o surgimento de doenças relacionadas às mudanças climáticas, e fortalecer os serviços para atender às necessidades da população no novo cenário.
Para poder realizar tudo isso, é crucial que os países desenvolvidos cumpram seus compromissos de financiamento para apoiar os países em desenvolvimento na implementação de ações de mitigação e adaptação, promovendo cooperação internacional e financiamento climático. A cooperação internacional é fundamental para o desenvolvimento e a transferência de tecnologias limpas, o compartilhamento de conhecimento e a implementação de ações conjuntas para mitigar as emissões de gases do efeito estufa. A implementação dessas recomendações exige um esforço conjunto de governos, empresas, sociedade civil e indivíduos. Uma ação urgente e ambiciosa é fundamental para garantir um futuro sustentável para o Brasil e para o planeta.
A maioria dos fundos de financiamento disponíveis, no entanto, se direcionam a estratégias de mitigação, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, relegando as ações de adaptação. Embora seja crucial para conter o efeito estufa, é urgente investir em adaptação, ou seja, todas as medidas que visam proteger comunidades vulneráveis e sistemas naturais já impactados pelas mudanças do clima.
Mecanismos de governança apropriados e direitos de posse de terra e meios de subsistência para todos aqueles que protegem os biomas e as florestas devem ser garantidos. Assim como a informação climática, a educação sobre as mudanças têm de ser aberta e franqueada a todos. Serviços de informação sobre o clima devem chegar a pequenos agricultores, a populações em áreas remotas e comunidades rurais. Também se deve capacitar profissionais para trabalhar em condições de crises emergenciais (epidemias, deslizamentos de terra, inundações, ondas de calor etc.).
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