22 Outubro 2024
Há alguns anos, graças principalmente à biografia best-seller escrita por Eric Metaxas, a vida e a obra de Dietrich Bonhoeffer têm sido reinterpretadas ideologicamente para torná-lo um paladino da nova direita evangélica estadunidense - e de Donald Trump. Um grupo de teólogos alemães e estadunidenses publicou ontem no Zeit uma carta contra essa forma de apropriação indevida do grande teólogo luterano. Hoje, os familiares e herdeiros de Dietrich Bonhoeffer também intervieram publicamente, com uma carta assinada por quase todos os membros da família, que publicamos aqui.
A carta é escrita por familiares de Dietrich Bonhoeffer, publicada por Settimana News, 18-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ficamos consternados ao ver como o legado de Dietrich Bonhoeffer está sendo cada vez mais distorcido e instrumentalizado por antidemocratas, xenófobos e agitadores religiosos de extrema direita.
Como descendentes diretos dos sete irmãos do teólogo e membro da resistência executado pelos nazistas, podemos testemunhar com base na tradição familiar que ele era um filantropo amante da paz e de mentalidade liberal. Ele nunca teria se visto próximo dos movimentos violentos de extrema direita que hoje tentam se apropriar dele. Pelo contrário, teria criticado exatamente essas atitudes.
Uma figura importante nesse abuso é Eric Metaxas, cuja biografia de Bonhoeffer, publicada pela primeira vez nos EUA em 2010, vendeu milhões de cópias. Nela, apresenta uma visão distorcida da vida de Bonhoeffer, transformando-o em um piedoso evangélico.
Agora, tendo se tornado um apoiador radical de Trump, Metaxas compara regularmente o presidente dos EUA, Biden, a Hitler, fala de “guerra total” e publica fotos com uma pistola sobre a Bíblia: “Assim, finalmente podemos ver claramente que Biden é o nosso Hitler. Em 1933-1934. Consulte meu livro sobre Bonhoeffer para mais detalhes. Os paralelos são impressionantes e cada vez mais evidentes. Rezem por esta nação. REZEM”.
A produtora evangélica de direita Angel Studios, que obteve os direitos para um novo filme sobre Bonhoeffer, está anunciando-o no X: “A batalha contra a tirania começa agora. Assista a Bonhoeffer: Pastor. Espião. Assassino”. Na imagem que acompanha o anúncio, Dietrich Bonhoeffer segura uma pistola. Esse filme biográfico, que distorce a história e transforma Bonhoeffer em um santo evangélico, será lançado nos cinemas logo após a eleição presidencial dos EUA.
Dietrich Bonhoeffer não era um combatente solitário. A família Bonhoeffer viveu e trabalhou em estreito contato durante esse período. O irmão de Dietrich, Klaus, e os cunhados Hans von Dohnanyi e Rüdiger Schleicher foram executados como Dietrich porque eram ativos na resistência.
Eles eram movidos pela busca da verdade, da sinceridade, da humanidade e da luta pela liberdade, pelo estado de direito e pela democracia. O fervor religioso, o nacionalismo, o militarismo e a obediência cega foram firmemente rejeitados. Qualquer pessoa que invoque Dietrich Bonhoeffer para justificar iniciativas antidemocráticas e xenófobas é desinformada ou mal-intencionada.
A crescente banalização e deturpação do legado de Bonhoeffer favoreceram esse abuso. Ele era um pensador poliédrico que lidava principalmente com questões éticas. Ao contrário da maioria dos alemães, não fechou os olhos diante da marginalização, da opressão e do extermínio em massa.
Tiradas do contexto, degradadas a ditados pietistas e pathos de resistência, as citações de Bonhoeffer são degeneradas em passagens que são usadas por muitos hoje em dia: do Projeto 2025 – a proposta de programa da Heritage Foundation para Trump - ao extremista de direita alemão Höcke, cujas intenções contradizem diametralmente os pensamentos e as ações de Bonhoeffer.
Os teólogos e os historiadores que estudaram Dietrich Bonhoeffer e seu ambiente em profundidade emitiram há anos declarações claras contra essa apropriação, as últimas há poucos dias. Somos gratos por isso.
Nós, descendentes, podemos falar sobre o espírito transmitido em nossa família. Crescemos ouvindo falar e discutindo muito sobre a resistência ao nacional-socialismo, seus motivos e suas consequências. No cenário de crescimento em nível mundial da intolerância, do antissemitismo, do racismo e da xenofobia, do nacionalismo e das tendências autoritárias, é importante que deixemos claro para o público: durante toda a sua vida, Dietrich Bonhoeffer lutou contra um espírito torpe, contra a falta de liberdade e contra a marginalização.
O fato de os atuais inimigos da liberdade instrumentalizarem a vida e a obra de Dietrich Bonhoeffer para justificar suas posições é algo insuperável em termos de cinismo. Não convenceremos esses demagogos.
Mas nos dirigimos especialmente aos eleitores estadunidenses: não se deixem enganar, deem uma boa olhada na história, somente juntos e no espírito de liberdade e amor ao próximo resolveremos os nossos problemas. É exatamente isso que Dietrich Bonhoeffer representa.
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Evangélicos e Trump: Bonhoeffer não é um dos seus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU