11 Outubro 2024
"Quem é Jesus e quem é o discípulo? O evangelho de Marcos não fornece uma definição. Até mesmo os seguidores de Jesus, em certo sentido, são tão elusivos quanto seu Rabi. A narrativa limita-se a prossegue de forma negativa e o que fica imediatamente claro é que o discípulo à altura de Jesus... não são os discípulos, sempre inadequados em comparação com seu Rabi!", escreve Lidia Maggi, pastora batista italiana, publicado em Riforma, 11-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que o tocasse. 23 E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. 24 E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores que andam. 25 Depois disso, tornou a pôr-lhe as mãos sobre os olhos, e o fez olhar para cima: e ele ficou restaurado, e viu a todos claramente. 26 E mandou-o para sua casa, dizendo: Nem entres na aldeia, nem o digas a ninguém na aldeia. 27 E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesareia de Filipe; e no caminho perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou? 28 E eles responderam: João o Baptista; e outros: Elias; mas outros: Um dos profetas. 29 E ele lhes disse: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, lhe disse: Tu és o Cristo. 30 E admoestou-os, para que a ninguém dissessem aquilo dele. 31 E começou a ensinar-lhes que importava que o Filho do homem padecesse muito, e que fosse rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, e pelos escribas, e que fosse morto, mas que depois de três dias ressuscitaria. 32 E dizia abertamente estas palavras. E Pedro o tomou à parte, e começou a repreendê-lo. 33 Mas ele, virando-se, e olhando para os seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Retira-te de diante de mim, Satanás; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas as que são dos homens”. (Marcos 8,22-33)
No relato de Marcos, Jesus é o homem que caminha. Recebemos algumas indicações geográficas de seus deslocamentos. Mas o navegador de Marcos não está programado para seguir a rota mais curta ou menos custosa, pois mostra uma geografia da alma, os traços de como Deus atua no trânsito de nossas histórias.
Para Marcos, Jesus está sempre em movimento, em certo sentido, elusivo. Apenas o itinerário de sua viagem parece claro no projeto: Jesus vai da Galileia para Jericó para depois remontar para Jerusalém. Do norte para o sul. Uma cena de descida e depois de subida. Descida em direção a Jericó, uma das cidades mais antigas da história, com muitas estratificações materiais e simbólicas. Uma cidade localizada 250 metros abaixo do nível do mar. Desce-se às profundezas e se enfrentam as depressões! Assim como os abismos do coração humano.
Mas antes de chegar lá, encontramos Jesus curando um cego em Betsaida, no norte de Israel. Um milagre estranho com clara força simbólica. Uma cura realizada em dois tempos: porque colocar em foco a realidade é uma operação complexa. No pano de fundo, a pergunta decisiva: o que você vê quando olha? E o que você vê na vida de Jesus? Não tenha pressa em responder, coloque bem em foco... Quem é Jesus para você? O que as pessoas dizem e o que os discípulos dizem? O que você diz!
Em resumo, a questão da identidade de Jesus, confessado por Pedro como o Cristo e imediatamente depois mal compreendido, está no centro da cena. E, ao lado disso, em uma imagem espelhada, outra questão: se Jesus é o Cristo, quem é o discípulo? O que significa colocar-se ao seguimento desse estranho Mestre? Aqui, nesse questionamento, Marcos constrói o caminho de descida para Jericó. Uma descida para esvaziar-se de toda presunção, de toda certeza. Somente assim a viagem poderá continuar na subida; e que subida: em direção a Jerusalém, o cenário da paixão de Jesus.
Quem é Jesus e quem é o discípulo? O evangelho de Marcos não fornece uma definição. Até mesmo os seguidores de Jesus, em certo sentido, são tão elusivos quanto seu Rabi. A narrativa limita-se a prossegue de forma negativa e o que fica imediatamente claro é que o discípulo à altura de Jesus... não são os discípulos, sempre inadequados em comparação com seu Rabi! Os discípulos não representam o ideal do discípulo. Uma afirmação surpreendente: em todo o relato de Marcos, os pobres discípulos são retratados como incapazes de compreendê-lo, do começo ao fim. Com uma precisão implacável, Marcos nos diz que até o fim seus discípulos não entenderam, não superaram o desnível que os separava do Mestre.
Justamente como na cena solene que lemos hoje, a cena do reconhecimento de Jesus como o Cristo. Mas também uma cena irônica, na qual a exatidão da resposta convive com o mal-entendido.
E nós, que ouvimos essa história, passamos da sensação de estar diante da revelação definitiva sobre a identidade de Jesus para a desconcertante constatação de sua insuficiência. Quanto a isso, também, aqueles que leem o relato de Marcos sabem muito bem que não se trata de uma exceção, mas da regra.
Considerem que a primeira confissão de fé que aparece no evangelho é colocada na boca de um homem possuído por um espírito imundo: “Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Marcos 1,23). A ironia de Marcos beira o sarcasmo. Mas não se trata de uma linguagem destrutiva. É assim que Marcos nos confronta com o sério caso da fé. As palavras com as quais falamos da fé sempre correm o risco de serem mal-entendidas.
Ser discípulos de Jesus não pode ser equivalente à maneira como Pedro e seus companheiros o seguiram. Quão preciosa é essa percepção! Como muda a nossa maneira de viver a fé reconhecer que nós não somos seus discípulos, que ainda não somos cristãos. Muda até mesmo a maneira como nos sentimos em relação à igreja, quando reconhecemos a ela a mesma inadequação, quando a olhamos como ela é: uma comunidade de discípulos e discípulas inadequados, ao seguimento de um Jesus que nem sempre é fácil de entender, elusivo e que, graças a Deus, escapa à nossa manipulação. Como é libertador descobrir que somos uma igreja esvaziada de sua síndrome das grandes respostas. E, no entanto, como é difícil se despir, para tentar ver a realidade com novos olhos, com olhares curados.
O caminho da fé, assim como aquele que Jesus faz com os seus, é um caminho de descida, mas não em descida, não é nada fácil, porque nos pede para nos esvaziarmos de nossas certezas, para nos libertarmos da presunção de nos sentirmos melhores do que os outros, para tentarmos segui-lo no caminho.
Amém!
Dissolva, ó Deus, as durezas do meu coração. Liberte minha mente da presunção que a cega. Ensine-me a arte do movimento, a coragem de ir aos lugares profundos da vida. Fique a meu lado e me dê a força que não possuo. Amém.
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Ser discípulos e discípulas de Jesus. Artigo de Lidia Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU