03 Outubro 2024
A campanha eleitoral acabou, mas as lutas pelo poder estão apenas começando. Falar de uma Terceira República pode parecer exagero, mas se tomarmos como base da Segunda República da Áustria a grande coalizão, a democracia de consenso e o equilíbrio de interesses entre os dois antigos partidos majoritários, os social-democratas e conservadores, tudo isso se desmoronou com estas eleições para o Conselho Nacional.
O artigo é de Barbara Tóth, publicado por IPG, e reproduzido por Nueva Sociedad, 30-09-2024.
Barbara Tóth, é jornalista e reside em Viena e escreve sobre política austríaca.
A extrema-direita venceu nas recentes eleições gerais austríacas, mas uma coalizão tripartida poderia bloquear sua ascensão ao poder. Os resultados mostraram até que ponto os social-democratas e os conservadores caíram.
O resultado era, afinal, esperado em Viena. Por isso, ninguém se surpreendeu. Mas foi necessário que manchetes da imprensa internacional descrevessem a dimensão histórica e política da clara vitória eleitoral do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, na sigla em alemão) no domingo como o que realmente é: "um ponto de virada" (Neue Zürcher Zeitung) e uma "explosão da direita" (Bild-Zeitung).
Com 29% dos votos, o FPÖ se mostrou mais forte do que nunca nas eleições parlamentares. O líder do partido, Herbert Kickl, que é tudo menos carismático, superou o que, até agora, era o melhor resultado histórico obtido por essa força: os 27% de Jörg Haider em 1999. Para os populistas de direita europeus, Haider foi e continua sendo o modelo a seguir.
Kickl, por sua vez, começou sua carreira como redator de discursos e até agora era considerado mais um estrategista do que um candidato com projeção real. No entanto, ninguém poderá tirar-lhe essa clara vitória. Independentemente de se isso o levará ao governo ou à oposição, o ímpeto está ao seu lado. "Nossa mão está estendida a todos os partidos", disse na noite das eleições. As eleições para o Conselho Nacional (câmara baixa do Parlamento) de 2024 estão cheias de tons históricos – tanto positivos quanto negativos – e marcam um ponto de virada na Segunda República, talvez rumo à Terceira.
Que sucesso o FPÖ teria tido se contasse com um candidato carismático? Essa é a primeira lição que se pode tirar da vitória da extrema-direita na Áustria: o projeto inconformista, antielite, autoritário e, de certo modo, antidemocrático do FPÖ já não depende tanto de um líder forte. O FPÖ finalmente se tornou o "verdadeiro partido do povo", com uma base sólida de eleitores, transversal em termos de gênero e classe. Ele só fraqueja nas áreas urbanas.
Em 1999, quando o FPÖ de Haider decolou, quem venceu as eleições foi o Partido Social-Democrata da Áustria (SPÖ). Apenas um quarto de século depois, a correlação de forças se inverteu. Os social-democratas ficaram agora em terceiro lugar, com pouco menos de 21% dos votos. Esse resultado marca um mínimo histórico para o SPÖ. O líder social-democrata, Andreas Babler, tentou animar seu partido com um discurso populista de esquerda, mas não conseguiu. Ele mal conseguiu superar a barreira dos 20%, algo que, em termos psicológicos, ainda é importante. A social-democracia austríaca sempre teve sucesso quando adotou uma linha mais centrista e moderada do que outros partidos social-democratas da Europa. E é por isso que a guinada à esquerda de Babler não teve bons resultados.
Paradoxalmente, o candidato nascido e criado no mundo operário, com seu estilo de escrita influenciado pelo francês Didier Eribon [1] e carregado de anedotas autobiográficas sobre o "orgulho" que pretende devolver à classe trabalhadora, não somou pontos entre os trabalhadores que migraram para a extrema-direita. O SPÖ quase não recebeu votos diretos do FPÖ (apenas 29 mil de seus 1,03 milhão de eleitores mudaram seu voto). A social-democracia ganhou principalmente nos distritos urbanos onde vivem os "bobos", os "burgueses boêmios" progressistas, educados e cosmopolitas que tendem a votar nos verdes, mas que desta vez apostaram no SPÖ por razões táticas.
O poderoso SPÖ vienense já havia manifestado, na véspera das eleições, que preferia encerrar o experimento de Babler o quanto antes. No entanto, isso não será tão fácil. Babler conseguiu aprovar uma emenda nos estatutos do partido que prevê a eleição direta do líder partidário pela base. Quem quiser destituí-lo deve primeiro organizar uma espécie de referendo dentro do partido. Se 10% dos membros assinarem uma petição nesse sentido, a direção do partido pode propor um candidato da oposição interna. Nesse caso, qualquer um pode se candidatar se conseguir reunir 1.500 assinaturas. Se nenhum candidato obtiver a maioria na primeira rodada, será realizada uma segunda.
Conclusão: uma social-democracia que se deixa levar por lutas faccionais e apresenta um candidato dos extremos e não do centro, não poderá se posicionar como uma alternativa forte ao populismo de direita. A imagem que os oponentes criaram de Babler como um extremista de esquerda deu resultado. Talvez um candidato moderado fosse a melhor opção. Pelo menos na Áustria, precisamos deixar de acreditar que podemos conquistar votos diretamente dos populistas de direita.
O conservador Partido Popular Austríaco (ÖVP, na sigla em alemão) também teve que lidar com os resultados, pois no domingo passado sofreu a maior derrota de sua história: apenas 19 mil eleitores mudaram diretamente do FPÖ para o ÖVP, apesar de seu líder, Karl Nehammer, ter se aproveitado de seu cargo de chanceler e, ao mesmo tempo, adotado os slogans da extrema-direita sobre segurança e migração, embora em um tom mais aceitável.
No fim, o voluntarismo do ÖVP não adiantou nada. No último ato de campanha, realizado na sexta-feira antes das eleições, ainda se falava em esperar a "foto final" em uma "corrida para recuperar o terreno perdido". Mas a luta corpo a corpo entre o ÖVP e o FPÖ nunca realmente existiu. Com 26%, o ÖVP ficou em um distante segundo lugar. Obteve 11 pontos a menos do que em 2019 e o resultado foi uma queda vertiginosa. Sempre ficou claro que Nehammer não conseguiria o "ímpeto de Sebastian Kurz", jovem ex-primeiro-ministro e ex-presidente do partido. No entanto, ao contrário do SPÖ, a lealdade ao líder dentro do partido permanece inabalável.
E agora? Herbert Kickl é o vencedor, mas ao mesmo tempo não é, porque ninguém quer formar uma coalizão com ele. Nem mesmo o conservador ÖVP, que não descarta uma coalizão com "seu partido", mas descartou firmemente trabalhar com ele como candidato. Na opinião dos conservadores, Kickl se "radicalizou" durante a pandemia e representa um risco para a segurança da democracia.
Na Áustria, existe um "cordão sanitário" que pode assumir a forma de uma coalizão tripartida formada por conservadores, social-democratas e os liberais do partido Nova Áustria e Fórum Liberal (NEOS, na sigla em alemão). Tal como as coisas estavam no dia seguinte às eleições, o ÖVP e o SPÖ também poderiam se unir com uma maioria extremamente apertada de 93 dos 183 assentos do Parlamento e formar uma espécie de MiGroKo (coalizão de tamanho médio) contra o autoproclamado VoKaKi (o "chanceler do povo" Kickl). Parece mais provável que o ÖVP e o SPÖ contem com o apoio do fortalecido NEOS (9%) e não com o dos derrotados Verdes (8%), com quem o ÖVP tem governado até agora em uma coalizão que não deu frutos.
Áustria: bem-vinda ao mundo da coalizão tripartida! O chanceler Nehammer terá agora que apresentar uma sólida agenda de reformas para não parecer o chanceler de uma coalizão de perdedores. Mas até agora ele não demonstrou muita visão nem impulso criativo.
Não se pode descartar que, na hora de formar governo, o ÖVP acabe por abandonar sua posição baseada na premissa "de preferência, não com Kickl" e chegue à conclusão de que Kickl, que representa um risco para a segurança, poderia ser aceito como parceiro menor, desde que o FPÖ deixe para o ÖVP as pastas de Finanças, Interior e Justiça, que são essenciais do ponto de vista político. Já antes das eleições, a indústria austríaca estava claramente a favor de um projeto econômico liberal e de tendência azul-negra (em referência às cores do ÖVP e do FPÖ). O presidente da Federação das Indústrias Austríacas, Georg Knill, considera "prejudicial" a social-democracia de Babler.
A campanha eleitoral acabou, mas as lutas pelo poder estão apenas começando. Falar de uma Terceira República pode parecer exagero, mas se tomarmos como base da Segunda República da Áustria a grande coalizão, a democracia de consenso e o equilíbrio de interesses entre os dois antigos partidos majoritários, os social-democratas e conservadores, tudo isso se desmoronou com estas eleições para o Conselho Nacional.
[1] Filósofo francês, autor do ensaio Retorno a Reims [2009] (Livros del Zorzal, Buenos Aires, 2017).
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A extrema-direita venceu na Áustria. Mas será que poderá governar? Artigo de Barbara Tóth - Instituto Humanitas Unisinos - IHU