22 Janeiro 2020
O ecologismo parecia ser uma bandeira progressista. No entanto, a aliança entre os Verdes e a direita na Áustria mostra que os discursos ambientalistas podem ser compatíveis com projetos políticos reacionários.
O artigo é de Barbara Tóth, publicado por Nueva Sociedad e reproduzido CPAL Social, 20-01-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Mais uma vez, Áustria é um laboratório de experimentos políticos. Na terça, 7 de janeiro, assumiu o novo governo do chanceler conservador Sebastian Kurz (33 anos) e o vice-chanceler verde Werner Kogler. De fato, se trata de dois partidos que, cada um a seu modo, representam o Zeitgeist (espírito da época), saíram massivamente fortalecidos das últimas eleições para o Conselho Nacional em outubro de 2019 e se uniram para formar governo. Isso não poderia ser mais incomum e contraditório: por um lado, está o novo Partido Popular Austríaco (ÖVP, por suas siglas em alemão), liderado por Kurz, que passou de ser um partido social-cristão para se tornar em um partido populista de direita, com um fluxo de 37,5%, ao ter atraído os votantes do ainda mais direitista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, por suas siglas em alemão) nas eleições para o Conselho Nacional de 2017 e 2019. Por outro lado, estão os Verdes, que haviam ficado sem representação parlamentar em 2017 e, no ano passado, com carona do movimento Fridays for Future e com um robusto e um tranquilo candidato, Werner Kogler, tiveram um regresso brilhante, com 13,9% dos votos.
Kurz deu ênfase à necessidade de segurança e identidade depois da crise de refugiados de 2015, enquanto que Kogler pôs a ênfase na urgência política da crise climática. A aliança verde-turquesa, como se chama na Áustria pelas cores dos partidos, quer servir a ambos elementos: o populista de direita, às vezes nacionalista, do ÖVP, e o ecológico dos Verdes.
Como pode se supor que se combinaram? Kurz vende seu segundo governo não como uma solução de compromisso, mas sim como “o melhor de ambos os mundos”, uma espécie de coexistência. Também poderia ser visto como um projeto ecológico nacional, que suprime a contradição entre populismo de direita e proteção do clima alimentada por Donald Trump e seus amigos. Meio-ambiente limpo, fronteiras seguras: aqui surgem novos pontos de contato estrategicamente interessantes.
Portanto, o programa de coalizão não se lê como algo monolítico, mas sim como um patchwork. Ali se encontram claros elementos de política simbólica ao estilo Kurz, como a proibição do véu islâmico até os 14 anos nas escolas, a ênfase na luta contra o islã político e a controvertida prisão preventiva. Todos esses projetos, sem exceção, já foram negociados com a FPÖ.
Depois está o que desejam os Verdes, como a abolição do imposto tampão (palavra-chave: política simbólica), um sólido pacote de medidas de transparência e anticorrupção, um imposto sobre as passagens de avião (que ainda seguirão sendo mais baratas que na Alemanha) e a entrada em vigência do sistema de tarifas para as emissões de dióxido de carbono, que se adiou para 2022.
Também é incomum que a coalizão verde-turquesa se dê permissão para romper de maneira controlada. No caso de uma nova crise de refugiados tensionar demais a aliança, o pacto de coalizão prevê um modo de crise. O ÖVP pode procurar outras maiorias para medidas duras sobre a política de fronteiras no Parlamento. O FPÖ - antigo parceiro favorito de Kurz - está pronto.
São grandes concessões, especialmente para um movimento como os Verdes, que sempre afirmava altos padrões morais.
Quantas convicções sócio-políticas os Verdes estão dispostos a sacrificar para fazer parte do governo pela primeira vez, “educar” o país e ecologizá-lo? Quão sério é o argumento de que apenas a participação dos Verdes no governo pode evitar (entre conservadores e extrema-direita)? Os últimos dias foram repetidos como um mantra que a razão e a responsabilidade do Estado exigiriam para não ir a essa coalizão. No congresso federal dos Verdes, quase o parlamento do partido, o programa de coalizão verde-turquesa recebeu uma impressionante aprovação de 93% após duros debates, para momentos violentos.
Mas é ainda mais interessante, especialmente para aqueles que agora, com a aliança verde-turquesa, temem que a social-democracia na Áustria sangre tudo o que não está no pacto de coalizão.
O ano de 2020 marca o momento em que o movimento ambiental, com quase 40 anos de história, deslocará definitivamente o movimento sócio-político progressista à social-democracia, que está entrando em seu segundo século de existência? Os Verdes são a nova social-democracia e a aliança verde-turquesa é o primeiro teste de campo dessa hipótese na Áustria?
Para o sociólogo austríaco Christoph Hofinger, uma coalizão verde-turquesa ofereceria aos Verdes – do ponto de vista do Partido Social Democrata da Áustria (SPÖ) – uma oportunidade potencialmente perigosa de aliviar da social-democracia o papel de representante dos socialmente fracos: “A conservação do nosso planeta é a promessa do paraíso? Ou a promessa do paraíso é mais ampla, assim como a promessa de uma sociedade em que todas as possibilidades existem e em que grupos diferentes, cada um com recursos diferentes, estão ligados entre si e na qual também é possível ser reconhecido na comunidade, independentemente dos recursos com os quais nasceu?” .
Sob a liderança de Kurz, o ÖVP está claramente posicionado como um lobista da economia e da indústria, empregadores, contribuintes e prestadores de serviços. Durante o período conservador-social-democrata, o SPÖ era a contrapartida lógica como um partido dos trabalhadores, dos socialmente desfavorecidos, de todos aqueles que precisavam da ajuda do Estado.
No entanto, o salto dos Verdes de partido de lobby ecológico para o partido de lobby social não pode ser lido no programa da aliança verde-turquesa. Tudo o contrário. Em termos de política econômica, o curso do partido azul-turquesa (extrema-direita), com déficit zero, uma redução do imposto sobre as sociedades (imposto sobre as sociedades) para 21% e a conclusão do imposto milionário, que não terá substituição. Enquanto as taxas de imposto de renda são reduzidas de 25% para 20%, de 35% para 30% e de 42% para 40%, não há isenções para quem não paga impostos. O “bônus da família”, uma das medidas mais populares de Kurz a partir de 2019, também aumentará. Dependendo de quanto pagam impostos, os pais podem pagar até 1.750 euros por ano para cada criança. Quem não paga impostos sai de mãos vazias.
Kurz e Kogler, mencionados na mídia como “KuK” (abreviada forma alemã de “imperial e real” na época do Império Austro-Húngaro), abordam agendas clássicas de distribuição, como herança e imposto sobre a riqueza, tão pouco como os dois problemas sociais e políticos mais prementes da Áustria, além da crise climática: a necessidade de uma grande reforma dos sistemas escolares e previdenciários.
Então, o que resta por enquanto? O chanceler Kurz, como publica o New York Times, mais uma vez demonstrou suas habilidades como “camaleão político”. Ele pode continuar o estrito percurso populista de direita, adicionando um bônus ecológico de acordo com o Zeitgeist e subtraindo alguns episódios isolados de extremismo de direita.
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Áustria. Meio ambiente limpo... fronteiras seguras. Por que os Verdes se aliaram com a direita? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU