20 Setembro 2024
“O planeta está caminhando para um 'ponto de não retorno' climático, e um programa de Estado brasileiro de longo prazo é necessário para nos adaptarmos ao clima que já mudou e que vai mudar ainda mais nos próximos anos e décadas”, escrevem o presidente e o vice-presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro e Paulo Artaxo, em artigo publicado por Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, 13-09-2024.
Renato Janine Ribeiro, professor aposentado de filosofia na USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.
Paulo Artaxo, professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC e vice-presidente da SBPC.
Brasil está pegando fogo. Amazônia, Pantanal, Cerrado e estado de São Paulo queimando, e com 60% da área do Brasil embaixo de densa fumaça. Situação de calamidade e de emergência. Temos 2.848 cidades brasileiras em alerta para baixa umidade do ar, e milhares de cidades com péssima qualidade do ar, muito acima dos padrões recomendados pela legislação brasileira. Em 2024, já temos 205.815 focos de incêndios destruindo nossos ecossistemas, uma alta de 144% em relação a 2023, que já foi um ano de seca forte. Queimadas sempre ocorreram no País ao longo de pelo menos os últimos 30 anos, e elas eram fruto do desmatamento para abertura de novas áreas agrícolas e para pecuária no Cerrado e na Amazônia. Mas 2024 será lembrado como o ano em que esta questão superou os limites. A situação pode ser caracterizada como uma “pandemia” de incêndios florestais.
Estamos enfrentando a maior seca da história no Brasil e aumento drástico da temperatura. Importante salientar que não há registros de raios na região neste agosto e setembro, portanto estes incêndios são todos provocados pelo homem, sem autorização legal, já que o governo suspendeu todos os incêndios pré-autorizados. Ou seja, são incêndios criminosos. É fundamental a proibição completa do uso do fogo na agricultura brasileira.
São Paulo esteve esta semana no mapa da grande cidade mais poluída do mundo, por causa da fumaça dos incêndios sendo transportada a longa distância. Ao longo do caminho da Amazônia ao Sul do Brasil, há milhares de cidades, com seus milhões de habitantes expostos a níveis perigosos de poluição do ar.
É fundamental que o governo dê uma resposta sólida à sociedade, de ações concretas para que eventos como este não se repitam. Isso envolve uma série de ações que deveriam ter sido tomadas tempos atrás, pois a prevenção é a melhor estratégia em eventos como estes.
O presidente Lula anunciou nesta semana a criação do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que terá 11 ministérios, além da participação de estados, municípios, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A sociedade brasileira espera que não seja somente mais um comitê multiministerial sem ações concretas para acabar com queimadas em nosso país. Precisamos reforçar em muito o sistema PREVFOGO do Ibama, e a articulação com estados e municípios, que estão mais próximos do problema. O combate ao fogo exige ações estruturais que envolvem os 3 poderes, estados e municípios.
Para enfrentar o crime organizado, que está na origem de muitos destes incêndios, é necessária uma ação concentrada do Ministério da Justiça. Isso envolve a criação de mutirões de agentes policiais federais e estaduais, atuando no combate ao crime organizado. O arcabouço legislativo precisa ser melhorado, pois as autorizações para queimadas são dadas pelos governos estaduais, muitos deles em mãos de governos que incentivam desmatamentos e queimadas. No próprio congresso nacional, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) trabalha pelo afrouxamento das regras do Código Florestal. Trabalha também contra a proteção dos mananciais, que são críticos na regulação do sistema hidrológico.
Lula também anunciou recentemente a criação do Estatuto Jurídico da Autoridade Climática, e um comitê técnico científico para guiar as medidas de combate à Mudança do Clima. Com isso, Lula pretende implementar estratégias baseadas em Ciência, e não em interesses políticos de governadores ou prefeitos da região.
Estamos observando uma forte aceleração das mudanças climáticas tanto no Brasil como em todo o planeta. Vimos que 2023 foi o ano mais quente dos últimos 125.000 anos. A seca na Amazônia em 2023 foi a mais forte em mais de cem anos, e a seca de 2024 promete ser tão forte quanto a de 2023. Estamos observando chuvas anormalmente intensas de modo muito mais frequentes. Estes eventos climáticos extremos trazem prejuízos enormes à população, principalmente a de baixa renda, e aos ecossistemas. Não por acaso, danos ambientais – como qualquer sorte de dano – prejudicam sempre os mais pobres.
Em julho de 2024, tivemos recordes seguidos de dias mais quentes da história. Com a atual exploração de combustíveis fósseis, estamos indo para uma trajetória de aquecimento global de 3 graus Celsius. Isso vai fazer que possamos ter saudades de 2024, já no futuro próximo. É fundamental o Brasil ter coerência no planejamento de seu futuro. Nosso País é um dos maiores produtores de petróleo do planeta, e planeja explorar petróleo até na foz do Amazonas. O governo anunciou que pretende asfaltar a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que vai rasgar uma parte da Amazônia pelo meio. São ações que vão na contramão das ações necessárias para mitigar emissões de gases de efeito estufa e proteger o ecossistema amazônico.
O planeta está caminhando para um “ponto de não retorno” climático, e um programa de Estado brasileiro de longo prazo é necessário para nos adaptarmos ao clima que já mudou e que vai mudar ainda mais nos próximos anos e décadas. E temos que atuar internacionalmente para acabar com a exploração de combustíveis fósseis, que é a raiz do problema.
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O Brasil está sendo queimado. Artigo de Renato Janine Ribeiro e Paulo Artaxo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU