11 Setembro 2024
Os 200 anos de presença luterana no Brasil, comemorados em 2024, motivou a Revista Coisas do Gênero, das Faculdades EST de São Leopoldo, a produzir um dossiê Gênero, Migrações e Interculturalidade, com dez artigos, focando a contribuição das mulheres para a construção da identidade luterana no país abraçada por imigrantes alemães.
O artigo é de Edelberto Behs, jornalista.
“Narrar as histórias de vida e recuperar memórias é parte importante da metodologia da teologia feminista”, uma prática que preserva as experiências das mulheres e também as reconhece como fontes legítimas de conhecimento e sabedoria, explica as Dra. Marcia Blasi, professora das Faculdades EST e executiva do Programa de Justiça e Gênero da Federação Luterana Mundial, no artigo “A vida em um baú: a vida de mulheres descendentes de imigrantes alemães no Sul do Brasil”.
Através de um estudo de caso, Blasi discute a divisão sexual do trabalho, o controle patriarcal sobre o corpo das mulheres, e o seu papel na educação e vida comunitária, ilustrando como a religiosidade e a cultura influenciaram suas vidas. “Como herdeiras da Reforma Protestante do séc. XVI, as mulheres tiveram um papel fundamental na vivência e no ensino da fé luterana dentro de casa. Os ensinamentos bíblicos, confessionais e morais faziam parte da educação recebida no lar”, escreve a autora.
Muitos desses ensinamentos vinham registrados nas Wandschoner – panos de paredes confeccionadas letra por letra com linhas coloridas de bordar, que as mulheres produziam. Além de assumirem a transmissão e ensino da fé no contexto familiar, mulheres também foram essenciais na vida comunitária através da diaconia, da organização das celebrações e das festas comunitárias, nos cuidados do templo. Mas “por terem sua identidade veiculada ao pai ou marido, os nomes das mulheres raramente constavam nos registros comunitários”, aponta Blasi.
A Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE), associação de grupos de mulheres vinculada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) - o primeiro grupo fundado em Rio Claro, São Paulo, em 15 de agosto de 1899 -, tornou-se, na avaliação de Blasi, um “espaço emancipador, porque permitia às mulheres vivências e iniciativas além do espaço privado da casa/propriedade familiar e, nesse sentido, lhes conferia nova identidade, mesmo que não rompendo em definitivo com a cultura patriarcal vigente”.
A doutora em Ciências Sociais e pesquisadora do grupo Cultura & Gênero, da UNESP, Joyce Aparecida Pires contribuiu ao dossiê com o artigo “Imbricações entre religião, feminismo, migração e tradicionalismo gaúcho”. A autora defende que é impossível compreender os processos reformadores das mulheres em igrejas históricas apenas olhando para a vida religiosa. “As mudanças também passam por questões culturais e sócio-históricas que constituem os tipos de agência realizadas pelas mulheres”.
A autora mostra, no artigo, que em dado momento o Movimento Tradicionalista Gaúcho e migração alemã se encontram, convergem e se articulam no contexto dos migrantes alemães e seus descendentes, que se faz presente, assim, na realidade cultural religiosa luterana no Brasil. Ela observa negociações de pertencimentos identitários e ideológicos com o gauchismo e com as tradições culturais alemãs, o que ocorre em celebrações, como é o caso do culto campeiro, encontros de mulheres, festas e culinária, no âmbito cultural das atividades religiosas.
Além do dossiê, a revista de número 10 traz, ainda, outros dez artigos e uma resenha. Ela está disponível aqui.
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A trajetória das mulheres luteranas em 200 anos de história - Instituto Humanitas Unisinos - IHU