13 Setembro 2024
"As Congregações e os Institutos Religiosos foram inovadores em processos de Comunhão, Missão e Participação com traços tipicamente sinodais, que incidiram positiva e profeticamente na caminhada sinodal de toda Igreja", escreve a Irmã Eurides Alves de Oliveira no artigo a seguir enviado ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
A Irmã Eurides Alves de Oliveira, religiosa da Congregação do Imaculado Coração de Maria, é socióloga, mestra em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP e especialista em Gestão Social pela Universidade Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Integra a Rede Um Grito pela vida, Núcleo de São Paulo, e participa da Comissão Especial Pastoral de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas da CNBB/CEPHETH. É também articuladora do GT de Formação da Ampliada Nacional das CEBs e membro do grupo de Serviço Teológico Pastoral.
Viver a sinodalidade em um percurso comunitário nos faz entrar numa dinâmica de escuta: escuta da Palavra, escuta dos sinais dos tempos, escuta dos outros, escuta do Espírito Santo, para discernir a vontade de Deus neste momento histórico da Igreja.
Irmã Veridiana Kiss, ASCJ
Como parte integrante da Igreja povo de Deus, a Vida Religiosa é essencialmente sinodal. Distanciá-la do processo de sinodalidade seria torná-la insignificante e infiel à sua vocação/missão. Ao assumir a radicalidade de sua identidade batismal pela Consagração Religiosa e a Profissão dos Conselhos Evangélicos, como caminhos e fontes de amor e liberdade para reino-centrar a vida em Deus e no seu Projeto de amor e justiça, as consagradas e os consagrados, assumem seguir radicalmente Jesus Cristo, junto ao Povo de Deus, disponibilizando sua vida a serviço do Reino de Deus na Igreja e na sociedade. Assumem igualmente, o seguimento radical a Jesus em Comunidades de irmãs, de irmãos, sendo sinal do amor Deus, rastro da Trindade na história, criando comunhão de vida a partir dos Carismas específicos de cada Instituto/Congregação.
Nos diferentes ciclos da história da Vida Consagrada, as religiosas e os religiosos foram tecendo experiências de sinodalidade, tanto na sua forma interna de se organizar, relacionar, rezar e viver, como nas suas práticas missionárias, servindo de inspiração e provocação para a caminhada da Igreja em momentos decisivos, especialmente a partir do Concílio Vaticano II, quando a Teologia da Vida Consagrada foi cunhada como um dom do Espírito de Deus, necessário para a renovação da Igreja, conforme explicita o Documento Vita Consecrata: “A vida consagrada, profundamente arraigada nos exemplos e ensinamentos de Cristo Senhor, é um dom de Deus Pai à sua Igreja, por meio do Espírito. Através da profissão dos conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus – casto, pobre e obediente – adquirem uma típica e permanente visibilidade no meio do mundo, e o olhar dos fiéis é atraído para aquele mistério do Reino de Deus que já atua na história” (VC. 1).
As Congregações e os Institutos Religiosos foram inovadores em processos de Comunhão, Missão e Participação com traços tipicamente sinodais, que incidiram positiva e profeticamente na caminhada sinodal de toda Igreja. Vale mencionar as vivências das Comunidades inseridas no meio do povo, vivendo e caminhando junto ao povo, as suas valiosas contribuições na formação das comunidades eclesiais de base – CEBs e de inúmeras lideranças pastorais, a inserção e participação das religiosas na organização dos movimentos populares, os processos participativos vivenciados nas congregações e na caminhada pastoral das igrejas locais, o trabalho conjunto com os leigos e leigas, dentre outras. Embora a “sinodalidade” não fosse uma expressão usada, as vivências que marcaram a Vida Religiosa Pós conciliar, foram e são um legado precioso que segue enriquecendo os percursos e práticas sinodais da Igreja no contexto hodierno à luz do pontificado do Papa Francisco.
A memória da criatividade sinodal da Vida Religiosa Consagrada na História da Igreja, não obstante alguns recuos e contaminações adquiridas pelos processos de involução e abortamento da eclesiologia do Concilio Vaticano II na Igreja nas últimas décadas pelas conjunturas de crises e mudanças epocais, que atravancaram os processos de inserção e profecia de muitas Congregações e Institutos Religiosos, uma parcela significativa da Vida Religiosa Consagrada, majoritariamente da Vida Religiosa feminina, segue sendo expressão do seguimento de Cristo no meio do Povo de Deus, através das práticas de Comunhão, Missão e Participação na Igreja e na sociedade.
Mesmo diante dos inúmeros, desafios e entraves, numa igreja marcada pela autorreferencialidade e clericalismo, conscientes de que, a sinodalidade eclesial está pautada na construção da Comunhão, Missão e Participação de uma Igreja em saída para as periferias, uma igreja inclusiva, aberta a todas e todos, independente de raça, classe social, idade, gênero, as religiosas seguem resilientes e firmes na arquitetura de uma Igreja sinodal, circular e horizontal de todo o povo de Deus.
A Vida Religiosa assume sinodalidade, como um modo der ser e fazer, próprios de sua vocação/missão, com presença inserida e servidora de Jesus Cristo junto aos pobres nas periferias e fronteiras existenciais, geográficas e culturais, com criativas vivências de sinodalidade que une: escuta, acolhida, dialogo, convivência, solidariedade, defesa e promoção da vida dos que sofrem. Atua em parceria com os leigos e leigas na animação das Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais e serviços; contribuindo nos processos formativos através da leitura popular da Palavra de Deus, na teologia feminista, na Educação Popular à luz da Doutrina Social da Igreja, nas lutas coletivas das classes populares por direitos, justiça social e cidadania, integrando e tecendo redes de solidariedade, no exercício de liderança compartilhada e da construção coletiva de processos e discernimento comunitário nas decisões do horizonte do Reino de Deus.
No intuito de visibilizar e contribuir a partir do ‘modus operandi, da Vida Religiosa Consagrada no caminho sinodal, compartilho alguns depoimentos de religiosas que vivem na e para além da Igreja, a sinodalidade como resposta missionária ao seguimento de Jesus, tecendo caminhos de cuidado com e promoção da vida, como anúncio/testemunho do Reino de Deus.
Irmã Denise Morra, da Congregação das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus (Irmãs Cabrini), residente na Vila Irmã Dulce, uma grande área de ocupação urbana, na zona sul, periferia da cidade de Teresina-Piauí, conta-nos como sua comunidade compreende e vive a sinodalidade a partir da inserção e engajamentos eclesiais, socioculturais e políticos neste espaço.
“Nós, Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, vivemos na periferia de Teresina, Vila Irmã Dulce. Atuamos pastoralmente na Igreja local, nas Pastorais Sociais Arquidiocesanas como CEBs, CEBI, Pastoral do Migrante e também na Paróquia, com assessorias bíblicas, catequética e social:
Entendemos a opção pelos pobres dentro da sinodalidade, como uma leitura Teológica que deve perpassar as estruturas pastorais:
Estamos crescendo na escuta das famílias atendidas e também na descentralização da gestão, através da atuação de equipe multidisciplinar, onde as demandas são compartilhadas, buscando uma resolução coletiva.
Entendemos que a sinodalidade nos faz mais fortes quando escutamos e construímos juntas com a comunidade que servimos, pois fortalece a nossa vocação primeira no seguimento de Jesus. Parafraseando Madre Cabrini, “Com Deus faremos sempre grandes Coisas”.
O depoimento da Irmã Denise, nos apresenta vários aspectos que ajudam a compreender a partir da práxis, a vivência da sinodalidade na Vida Religiosa Consagrada Inserida nos meios populares. Aspectos que quiçá, possam ser um farol de luz para o processo sinodal de toda igreja:
- o ir para as periferias e lá, com as pessoas, caminhar juntos, construir processos de evangelização que integrem fé e vida, articular processos de escuta, acolhida e diálogo que transformam;
- o caminhar juntos de forma inclusiva e ecumênica;
- os pobres como lugar teológico, no centro das práticas e estruturas pastorais, onde a Palavra de Deus e a realidade concreta, é rezada, refletida e celebrada, através do método Ver-Julgar-Agir-Celebrar;
- o compromisso sociotransformador assumido em redes e parcerias, com ativa participação e incidência política nos espaços de políticas públicas como forma de garantir melhorias concretas para a vida da comunidade...
- uma vivência que, como ela mesma expressou no seu relato, as fazem entender e crescer na vivência sinodal, construindo-a com a comunidade, espaço sinodal por excelência.
É a sinodalidade vivida como processo de encarnação na vida do Povo fiel de Deus. Uma sinodalidade que emerge da força de serem irmãs do povo numa igreja-comunidade, que na graça do Espírito que faz novas todas as coisas, se deixa fecundar pelo Evangelho.
Irmã Raquel Pena Pinto, da Congregação Filhas de Maria Santíssima do Horto, fala-nos da vivência sinodal de sua comunidade, desde a periferia de Porto Alegre através da missão no Centro Social Antônio Gianelli uma obra social que objetiva ser um importante espaço de trabalho voltado à educação de crianças, adolescentes, mulheres e famílias, possibilitando ações que garantam a promoção humana, a inclusão social e o exercício da cidadania.
“Chegamos à periferia de Porto Alegre no ano de 1996 com o desejo imenso de escutar os gritos de nossos irmãos e irmãs empobrecidos/as, em especial as mulheres e crianças que viviam desprovidas de direitos básicos. Na época não tínhamos ideia clara de como iniciar um trabalho com o povo fora dos muros da Igreja. É difícil sair das obras e serviços já estabelecidos, mas fomos descobrindo aos poucos, caminhando, buscando ajuda de outras comunidades religiosas que tinham iniciado este processo antes de nós e aprendendo entre erros e acertos com muita gente de boa vontade. Visitando, escutando, inserindo-nos nos movimentos existentes, criando grupos e, sobretudo, dispondo-nos a aproximarmo-nos mais e mais da vida das pessoas. Muito nos inspirou a Pastoral da Criança: mulheres atendendo outras mulheres e seus respectivos filhos, filhas, o que é muito significativo, porque de certa forma mostra-nos que o caminho sinodal, proposto pelo Papa Francisco, para a Igreja inteira, há muito é uma realidade desde as bases da mesma igreja, em pequenos e em grandes projetos, mundo a fora.
Tudo o que vivemos neste período implicava fortemente no Carisma Gianellino de estarmos atentas às necessidades das pessoas, dos tempos, de “ir aonde ninguém vai”, ou seja, vivenciar um amor vigilante, mas também operativo, capaz de dar respostas concretas às necessidades emergentes. E foi deste impulso carismático que nasceu o Centro Social Antônio Gianelli, construído e mantido a muitas mãos num importante movimento de solidariedade organizada.
Desde o nascimento do Centro Social Antônio Gianelli, como comunidade religiosa e como espaço educativo-social, procuramos construir um espaço de escuta, diálogo e participação. A nossa presença e trabalho é realizado de forma ativa com as diferentes equipes. O ouvir e o fazer juntos, são marcas fortes da nossa atuação. A equipe diretiva é composta por coordenação de leigas/os e Irmãs, e essa equipe é responsável por estar à frente de processos de gerência da Instituição. Todavia, todas/os colaboradoras e colaboradores são escutadas/os sempre que necessitam pelas Irmãs, o que é fundamental para a construção de processos coletivos, visando "o todo da Casa”. Assim, conquistamos direitos, organizamos eventos e elaboramos documentos com a colaboração, troca de ideias e engajamento. Muitas melhorias no território, especialmente ao redor da instituição, devem-se à adesão ao Orçamento Participativo Municipal. O Projeto Político Pedagógico e, de modo especial, o Projeto Anual são construções feitas em mutirão. Com as crianças e adolescentes, assembleias são ensaiadas em vista da promoção cidadã. Na prática, buscamos criar oportunidades no dia a dia da missão para que possamos caminhar juntas/os.
Todas essas coisas que testemunham explicitamente a sinodalidade, deve-se à presença inserida, radical, oblativa e organizada de mulheres consagradas à vida religiosa que, ao considerarem a escuta como ato de reconhecimento da dignidade humana, identificam necessidades e animam os sonhos de tantas pessoas que fizeram e fazem parte da respectiva comunidade, e continuam construindo juntas soluções eficazes”. (Irmã Raquel Pena Pinto, FMSH)
Irmã Raquel nos relata processos e elementos importantes na vivência da sinodalidade, como espaço de missão que transcende os espaços eclesiásticos, ampliando-os para outros espaços de missão onde juntas e juntos se constrói vida e cidadania eclesial e sociopolítica no horizonte do Reino de Deus, do qual a Igreja é sacramento.
Sua partilha enfatiza a importância de escutar e agir juntos e juntas na construção de processos coletivos de planejamento, decisão e execução da missão, envolvendo irmãs e leigos/as e tendo presente:
Um experiência sinodal, que configura o ensaio de um mundo novo, da gestação de uma forma de solidariedade social organizada desde baixo, da periferia com a participação de todas e todos, evidenciando a natureza da sinodalidade que se faz num processo horizontal. Uma profecia diante das estruturas eclesiásticas que ainda se movem de forma vertical e por vezes, autocentradas em si mesmas.
Irmã Michele da Silva, da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, compartilha a missão sinodal que vivencia no território amazônico, como Rede um Grito pela Vida. Uma rede intercongregacional e interinstitucional, composta por religiosas e leigos/as de diversas congregações e instituições, que assumem a missão de promover a vida atuando no enfrentamento ao tráfico de pessoas, abuso e exploração sexual de crianças, adolescentes e mulheres, além do esforço de participar e construir uma igreja ministerial e em saída para as periferias.
“Sou Mulher Consagrada no território sagrado da Amazônia, sinto-me muito privilegiada por todas as oportunidades de construções sororais e sinodais trilhadas na vida e missão, neste tempo da minha história pessoal e comunitária.
A missão na Rede um Grito pela Vida – prevenção ao tráfico de pessoas, abuso e exploração sexual, me proporciona diversas experiências sinodais de circularidade do poder por meio de relações de igualdade e respeito às diversidades. Somos um grupo formado por religiosas de diferentes congregações e leigas que assumem o compromisso no cuidado com a vida, na amorosidade e no empoderamento feminino. Tecemos em nossas ações, fios de encorajamento e restituição da dignidade para mulheres, crianças, adolescentes, jovens e pessoas vulneráveis, com a contribuição dos saberes e habilidades de cada uma.
Ser Irmã Imaculado Coração de Maria me compromete na dinâmica de construir um caminho sinodal e ministerial no solo onde piso, com o povo manauara, nas suas alegrias e desafios; a ser Igreja em Saída, que propõe novas possibilidades com olhar crítico e escuta atenta aos clamores do nosso tempo, especialmente na superação das violências e violações de direitos, que motivam diariamente a vivência de minha consagração e me faz esperançar por um mundo melhor”. (Irmã Michele da Silva, ICM)
Com seu jeito leve de Mulher Consagrada, como aprendiz no caminho, Irmã Michele socializa com simplicidade as experiências sinodais vivenciadas em rede com outras mulheres, evidenciando os seguintes aspectos:
No tocante ao engajamento eclesial, ela destaca o esforço de construir um caminho sinodal na dinâmica ministerial e na vivência de uma Igreja em saída para as periferias com olhar crítico diante da realidade e uma escuta atenta aos clamores dos pobres, sobretudo dos que têm seus direitos violados e sofrem violências. Caminho que segundo ela, motiva a vivência de sua consagração e a faz esperançar na possibilidade de um mundo melhor.
Um caminho sinodal que emerge de uma experiência coletiva de construir processos, evidenciando a importante participação e compromisso das mulheres Consagradas e Leigas para uma igreja profeticamente comprometida com as lutas em defesa da dignidade da vida, da justiça e da paz, com a construção de um outro mundo possível (Aquino Junior, 2022, p. 151).
A Irmã Elsie Vinhote, da Congregação das Adoradoras do Sangue de Cristo, natural de Borba no estado do Amazonas, atuou por anos na Arquidiocese de Manaus e hoje reside em Santarém, no Pará. Ela compartilha a sua trajetória e da Congregação na vivência da sinodalidade na Igreja da Amazônia, relatando que “o caminhar juntos”, presente em sua caminhada desde a juventude, através dos engajamentos pastorais diversos, depois no processo de descoberta até assumir a vocação à Vida Religiosa Consagrada, foi alargando-se para a vivencia da sinodalidade como grupo de Consagradas na missão eclesial e social, sinalizando o protagonismo feminino, a missionaridade e profecia vivida, bem como, sinalizando os desafios e até incompreensões enfrentadas.
“Caminhar juntos foi o tema de uma campanha da fraternidade que me marcou muito. Todos os cantos eram muito profundos, um deles: "juntos como irmãos, membros da Igreja, vamos caminhando ao encontro do Senhor", me fazia sentir desde criança ser parte desta Igreja viva, povo de Deus. Eu estava chegando da zona rural, onde vivia, para uma experiência de cidade, da vila, comunidade pequena à sede da paróquia com toda a sua riqueza de oportunidades, participação na Igreja, como catequese e celebrações. A missa que era no máximo duas vezes ao ano, para todos os dias, celebração que nos aproximava da vida das irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo-ASC, dos Franciscanos. Assim fui crescendo na fé e no discernimento à vida religiosa consagrada.
A vida delas e deles me chamava a atenção por sua proximidade, simplicidade e profundidade. Não falávamos de sinodalidade, mas agora refletindo sobre esse tema, eu me recordo desse caminhar juntos. E como isso foi importante para tomar a decisão a partir dos 16 anos, que queria ser uma religiosa Adoradora do Sangue de Cristo. A participação na vida eclesial que se expandia a toda a sociedade através dos serviços na educação e na saúde. Mulheres que davam a vida pelas pessoas, hoje já sabendo que era a própria vivência do carisma como falava nossa fundadora, amor a Deus e ao querido próximo.
Como Adoradoras do Sangue de Cristo somos mulheres eclesiais. Estamos em muitos espaços e ajudamos a construir a Igreja da Amazônia. Fomos e somos protagonistas de uma Igreja sinodal na Amazônia sobretudo no Regional Norte 1 que tem sua característica missionária e de participação. No entanto sabemos também que para isso houve iniciativa de nossa parte, e nem sempre fomos compreendidas, houve e há confiança, mas também encontramos atitudes não agradáveis que não primam pela comunhão, mas pela submissão.
O nosso estilo em sua maioria é estar inseridas e dialogar para que o Reino esteja em primeiro lugar. Já passamos por situações que, diante do machismo, clericalismo e colonialismo, fomos expulsas, convidadas a nos retirar, para amenizar a palavra. Em outros, de um modo geral, ignoram a presença da Vida Religiosa, pois esta incomoda.
Creio que só iremos colocar em prática a sinodalidade se nos colocarmos todos e todas no caminho de conversão, passando do discurso pronto, a uma vivência de respeito e diálogo, com escuta profunda, acolhendo a diversidade, o diferente, reconhecendo que todos somos irmãos e irmãs. Sinto um retrocesso em algumas situações, mas acredito na força do Espírito Santo que faz novas todas as coisas, para fazer acontecer o caminhar juntos”. (Irmã Elsie Vinhote, ASC)
O depoimento da Irmã Elsie revela uma clara consciência do que é sinodalidade, de uma eclesialidade de comunhão e participação:
Todavia, Irmã Elsie faz sua profissão de fé na sinodalidade, dizendo que a mesma implica um caminho de conversão de todas, todos num êxodo, uma travessia da teoria para prática, uma passagem do discurso para a vivência do respeito e diálogo, com escuta profunda, acolhendo a diversidade, o diferente, reconhecendo que todos e todas somos irmãos e irmãs. E que apesar dos retrocessos, o Espírito que é o protagonista do processo sinodal em curso, realizará as mudanças necessárias.
A Irmã Teresinha Mendonça Del’Acqua, da Congregação das Irmãs Franciscanas Maria Imaculada, da arquidiocese de Goiânia (GO), integrante da equipe interdisciplinar da Conferencia dos Religiosos/as do Brasil e da equipe nacional do sínodo da CNBB, compartilha como vê, sente e interpreta o envolvimento e vivência da Vida Religiosa Consagrada do Brasil do processo sinodal em curso.
“Como membro da Equipe Interdisciplinar da CRB Nacional e integrante da Equipe Sinodal da CNBB, tenho tido a alegria de constatar um grande interesse por parte da Vida Religiosa Consagrada feminina a respeito do processo sinodal. Numerosas têm sido as solicitações para encontros de aprofundamento, retiros, encontros de Conselhos, núcleos da CRB e outras atividades a respeito da temática sinodalidade. A grande busca tem como foco a maior compreensão e assimilação desse modo de ser, perceber, relacionar e organizar estruturalmente de modo sinodal.
Tenho testemunhado significativas mudanças de paradigmas e práticas relacionais e organizacionais. Dentre outras destaco: a linguagem tornando-se menos violenta e apreciativa dos diferentes e das diferenças; inclusões representativas nas equipes e comissões congregacionais de pessoas sem votos religiosos; maior abertura ao ecumenismo vinculado a causas sociais; crescente valorização e integração cotidianas das diferentes culturas e expressões de espiritualidades; processo formativo mais personalizado, interdisciplinares; o exercício do poder em forma de rodízio corresponsável; maior participação nas decisões comunitárias; maior valorização da Intercongregacionalidade; diminuição das resistências e crescente capacitação e uso da tecnologia como meio de evangelização.
Desafios que constato
Ênfase nas mudanças das estruturas organizacionais em detrimento da mudança das relações interpessoais; pouco aproveitamento do impulso sinodal para o deslocar-se, para revitalizar a dimensão missionária, tanto ad gentes como “entre gentes”; a ampliação da escuta como aprendiz e não com agenda e planejamentos pré-estabelecidos; “bolhas” de resistências abertas ou indiferença a tornar o vigor sinodal uma práxis cotidiana; expectativa de que este Sínodo Eclesial (2023 -2024) apresentará diretrizes normativas e dogmáticas à Igreja universal; certa dificuldade em compreender que esse Sínodo não é um evento e sim um caminho dinâmico e interminável por se tratar da identidade cristã, de um estilo de vida; “coragem anêmica” para Aprender, Desaprender e Reaprender”. (Teresinha Mendonça Del’ Acqua, OSF)
O depoimento da Irmã Teresinha é um testemunho ocular, sob o olhar de uma assessoria orgânica, pois não é uma leitura de sua vivência pessoal da sinodalidade, embora a sua vivência e de sua congregação certamente estejam incluídas. Ela fala a partir das oportunidades que teve de estar junto a várias instâncias da Vida Religiosa do Brasil, animando e contribuindo em processos de formação e animação sobre o sínodo:
Com carinhosa lucidez, Irmã Teresinha, também nos apresenta um compêndio de desafios que nos evidencia que a sinodalidade como um modo de ser e viver, como forma, estilo e missão, requer ainda um longo processo de conversão e um laborioso caminho a percorrer tanto para a Vida Religiosa Consagrada, como para o conjunto de toda a igreja.
A título de considerações inconclusas, podemos dizer que os depoimentos das vivências compartilhadas pelas religiosas, neste texto, afirmam a compreensão e a prática da eclesiologia sinodal, oriunda do Concílio Vaticano II e pautada pelo pontificado do Papa Francisco através de uma igreja em saída para as periferias, uma igreja da escuta, da acolhida, do diálogo, do encontro e da comunhão, missão e participação ad intra e ad extra da Igreja. Revelam que Vida Religiosa Consagrada, feminina e inserida no meio do povo, vem fazendo um percurso sinodal que alarga a tenda da sinodalidade, ressituando a igreja na realidade do mundo, sobretudo do mundo dos pobres. Um caminho que atesta que a Vida Religiosa Consagrada não é algo marginal na Igreja, ela é igreja e como igreja é constitutivamente sinodal.
Visibiliza o protagonismo ativo e criativo da Vida Religiosa Feminina na igreja e na sociedade, e a fundamental importância de sua contribuição para uma igreja verdadeiramente sinodal, desde sua identidade carismática, suas dinâmicas internas e sobretudo, sua missionariedade, com ênfase na proximidade com o povo de Deus, sua contribuição nos processos formativos e evangelizadores das comunidades e lideranças, a beleza do leque de relações e parcerias com as leigas e leigos no cuidado com a vida dos que sofrem, na defesa dos direitos, na organização popular, nos processos de cidadania, na de edificação do Reino de Deus na história.
Demarca sua profecia através do testemunho e da denúncia dos maiores entraves à sinodalidade no corpo eclesial: clericalismo, machismo, colonialismo e auto referencialidade. Enfatiza a conversão sinodal como condição primordial para que a sinodalidade seja de fato identitária na igreja.
Como afirmou a Irmã Liliana Franco, presidenta da Conferência Latino-americana e Caribenha de Religiosas e Religiosos – CLAR, na sua fala durante a primeira sessão do sínodo sobre sinodalidade em outubro de 2023: “O caminho das mulheres na Igreja é cheio de cicatrizes, de situações que envolveram dor e redenção, um enredo pascal, no qual o que é evidente e definitivo é o amor de Deus; amor que permanece além dos esforços de alguns para tornar invisível a presença e a contribuição das mulheres na construção da Igreja (...) as mulheres sabem muito, apesar das muitas rejeições e desprezos recebidos, porque são elas que sustentam a fé em muitas comunidades ao redor do mundo.(...) a Igreja tem o rosto de mulher". Confirmando isso, o Papa Francisco disse: “a Igreja é mulher”.
Nesta Igreja com rosto e corpo de Mulher, as Consagradas juntas com outras mulheres, de mãos dadas com todos e todas, como Igreja Povo de Deus que caminha, não obstante os desafios e obstáculos, seguem esperançando na tessitura de caminhos de sinodalidade. Caminhos para uma igreja sinodal em missão, configurando-se como um laboratório de aprendizagens.
Referências Bibliográficas
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. Carta Encíclica sobre a Fraternidade Universal e a Amizade Social. São Paulo, Paulinas, 2020.
FRANCISCO, Papa Discurso do Papa Franciscoà 18ª Congregação Geral da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 25.10.2023https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2023/october/documents/20231025-intervento-sinodo.html. Acesso 02.09.2024
França Miranda, Mario de. Igreja Sinodal. São Paulo: Paulinas, 2018.
FRANCO, Liliana - https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-10/sinodo-liliana-franco-caminho-mulheres-igreja-cheio-cicatrizes.html Acesso em: 02.09.2024
NICODEM, Edgar, ZUGNO Vanildo Luiz (Orgs.) Vida Religiosa Consagrada e Sinodalidade 1ª edição Porto Alegre, ESTEF, 2023
PASSOS, João Décio, AQUINO JUNIOR, Francisco de – São Paulo, Paulinas, 2022, 248p.
KISS, Veridiana,https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-07/vida-consagrada-espiritualidade-sinodal.html Acesso em 28.08.2024
Revista Vida Pastoral, PROCESSO SINODAL: avanços, desafios e entraveshttps://www.vidapastoral.com.br/wp-content/uploads/2024/06/VP-358-1.pdf Acesso dia 15.08.2024
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Vida Religiosa Consagrada: laboratório de uma Igreja sinodal. Artigo da Irmã Eurides Alves de Oliveira, ICM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU