04 Setembro 2024
A plataforma Now the People lançada em 2018 por Iglesias, Mélenchon e a portuguesa Catarina Marins evolui para uma estrutura formal que coexistirá com o Partido da Esquerda Europeia.
A reportagem é de Irene Castro e Alberto Ortiz, publicada por El Diario, 10-06-2024.
Podemos, Insoumise France, Bloco Português e outras formações de esquerda lançaram um novo partido a nível europeu sob o nome de "Aliança de Esquerda Europeia para o Povo e o Planeta", que está pendente de processamento na Autoridade dos Partidos Europeus e fundações nas quais foi registrado em 29 de agosto.
A aliança que estas forças estabelecem há anos pretende tornar-se numa nova organização que marque distâncias com as forças da esquerda mais tradicional e comunista unidas no Partido da Esquerda Europeia, do qual fazem parte a Izquierda Unida e o PCE de Espanha, e Syriza ou Die Linke, entre outros. No entanto, coexistirão sob a égide do grupo de Esquerda (A Esquerda GUE/NGL) no Parlamento Europeu.
Foram a França Rebelde, o Podemos e o Bloco que lideraram o processo, ao qual também se juntaram os nórdicos da Aliança de Esquerda Finlandesa, o Partido de Esquerda Sueco, os dinamarqueses de Enhedlisten e os polacos de Razem, que apenas têm representação na Polónia. Para constituir um partido europeu são necessários sete partidos nacionais com representação no Parlamento Europeu ou nos países de origem.
A gestão é composta pela sueca Malin Björk e pela portuguesa Catarina Martins como copresidentes; a francesa Sophie Rauszer como secretária-geral; a polonesa Zofia Malisz como tesoureira e Isa Serra como administradora, segundo o Politico.
O nascimento do partido aprofunda a ruptura com o Partido da Esquerda Europeia, do qual até agora faziam parte os dinamarqueses do Enhedlisten, que têm sido muito críticos da deriva do PIE, e com o qual os restantes componentes, como a France Insoumise, que apareceu como observadora. A separação já era palpável na campanha eleitoral europeia, quando lançaram uma plataforma específica e assinaram uma declaração conjunta. Também durante a formação dos grupos parlamentares no Parlamento Europeu, as diferenças foram evidentes, embora finalmente o grupo de Esquerda tenha reunido todas as formações com um total de 46 eurodeputados. Agora, 18 deles estarão também representados na "Aliança da Esquerda Europeia para os Povos e o Planeta".
“É necessária a mais ampla unidade de luta e mobilizações populares em toda a União Europeia. A Esquerda Verde Europeia deve ser fortalecida e organizada, e o Bloco está empenhado nesta tarefa. O Partido da Esquerda Europeia não cumpriu esta tarefa e vê agora a sua capacidade política enfraquecida pela fragmentação interna, fruto do sectarismo contra as forças da plataforma Now the People, à qual o Bloco pertence. O Bloco, que já não pode aceitar os modos de funcionamento do Partido da Esquerda Europeia, decidiu desfiliar-se deste partido e pretende criar um novo partido político europeu o mais rapidamente possível, nos termos da lei e por iniciativa da plataforma Agora ou Povo”, anunciou o Bloco português num comunicado após as eleições em que destacou que as diferenças aumentaram como resultado da guerra na Ucrânia.
Em termos económicos, para o Partido da Esquerda representa uma ligeira perda dado que perde a contribuição direta das formações que saíram e também parte do subsídio do orçamento europeu correspondente aos eurodeputados que assinaram a adesão ao PIE, entre eles alguns da França Insoumise, que é o partido com maior representação na Esquerda/GUE.
Porém, o que lamentam no PIE é a imagem de divisão política que a formação de um novo partido acarreta. “Sempre defendemos que haja espaços unitários. É uma pena que uma divisão possa ser visível neste momento de ascensão da extrema direita na Europa”, salientam.
Podemos sustenta que o novo partido não surge como um contraponto ao PIE, mas sim “parte da plataforma Now the People.
Os laços entre Podemos, La Francia Insumisa e o Bloco de Esquerda para trabalhar numa aliança a nível europeu remontam ao passado. Na Espanha, governada pelo PP de Mariano Rajoy, faltavam apenas alguns meses para a moção de censura que o tirou do poder e Pablo Iglesias ainda estava à frente do partido. No dia 12 de abril de 2018, em Lisboa, o político espanhol Jean Luc Mélenchon e Catarina Martins assinaram a declaração “por uma revolução democrática na Europa” que deu origem à aliança Ahora el Pueblo (“Agora o povo”), o embrião da festa que foi gravada esta semana.
“Estamos cansados de esperar. Cansámo-nos de acreditar naqueles que nos governam a partir de Berlim e Bruxelas. Começamos a trabalhar para construir um projeto de nova ordem para a Europa. Uma ordem democrática, justa e equitativa que respeite a soberania do povo. Uma ordem à altura dos nossos desejos e das nossas necessidades. Uma nova ordem, ao serviço do povo”, dizia aquele manifesto, escrito a pensar nas eleições europeias que se realizariam um ano depois, em 2019.
Mélenchon viajou a Madrid alguns meses depois para discursar com Iglesias. Ambos os líderes partilham algumas semelhanças e fundaram as suas forças políticas no calor das mobilizações sociais da última década. Um ano antes, o líder francês mal tinha recebido 20% dos votos nas eleições presidenciais, relegando os socialistas franceses ao ostracismo.
Nessa altura, além dos três partidos que assinaram o documento, juntaram-se a essa aliança o sueco Vänsterpartiet, o dinamarquês Enhedslisten e o finlandês Vasemmisto. Face às últimas eleições, nas diferentes reuniões realizadas primeiro em Paris e depois em Copenhague, foram incorporadas formações de esquerda de outros países.
Em fevereiro passado, uma dúzia de partidos chegaram a acordo na capital dinamarquesa sobre um decálogo de medidas para as eleições europeias de 9J. Entre as prioridades, a aliança colocou o feminismo como “eixo transformador”, a defesa dos direitos das mulheres e da comunidade LGBTIQ+ e, em plena ofensiva de Israel em Gaza, apostava na imposição de fortes sanções contra “potências invasoras” como o país de Benjamin Netanyahu.
Embora algumas destas reuniões tenham contado com a presença de forças como o alemão Die Linke, o irlandês Sinn Feinn ou o Mozemo, da Croácia, a aliança apenas acabou por adicionar os seus membros originais ao Razem polaco.
A criação deste novo partido europeu surge num momento importante para o partido de Mélenchon, cujo compromisso com uma frente de esquerda nas eleições legislativas de Julho foi fundamental para travar a extrema direita. O líder da França Rebelde ganhou destaque nas últimas semanas, em plena tensão com o presidente Emmanuel Macron sobre as negociações para a formação de um novo governo.
O Podemos, por outro lado, atravessa tempos complicados, com pouca influência na política espanhola depois de deixar Sumar em dezembro de 2023. Com quatro deputados no Congresso, o partido liderado por Ione Belarra este ano atribuiu a sua sobrevivência precisamente às 9J eleições europeias, em que colocou Irene Montero no topo da lista e depois obteve dois deputados europeus.
A nível estatal, o Podemos também iniciou com a sua separação de Sumar uma estratégia de diferenciação no espaço da esquerda alternativa, oposta, neste caso, à dos seus colegas franceses. Depois de quase uma década de política de aliança com a Izquierda Unida e o resto dos atores, as tensões com a coligação de Yolanda Díaz terminaram numa ruptura total, sem sinais de recomposição neste momento.
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Podemos, Insoumise France e outras forças europeias lançam um novo partido para se distanciarem da esquerda clássica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU