02 Setembro 2024
"É fundamental a criação de uma comunidade do cuidado em unidades hospitalares, baseada na vontade de cuidar dos profissionais de saúde que se encontram sem forças para continuar. Eles precisam de apoio emocional para superar suas dificuldades".
O artigo é de Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, autor, entre outros livros, de Sustentabilidade: o que é – o que não é (Vozes).
O ser humano é biologicamente deficiente. Surge inteiro mas incompleto. À diferença dos animais que já nascem com seus órgãos especializados, o ser humano não possui nenhum deles. Para sobreviver, precisa ser cuidado. Deixado no berço e sem ninguém que olhe por ele, não tem condições de buscar seu alimento e acaba, pouco tempo depois, morrendo. Para sobreviver, precisa buscar seu sustento na natureza.
Há uma tradição filosófica que nos vem do tempo de César Augusto (a famosa fábula 220 do escravo Higino) que define o cuidado como a essência do ser humano. Isso culminou nas minuciosas reflexões de Martin Heidegger em seu clássico Ser e Tempo. Para ele, o cuidado é a condição prévia para que surja o ser humano. Ele é fruto do cuidado e o carrega dentro de si por toda a vida. Todos os elementos devem se articular de forma cuidadosa para permitir a irrupção do ser humano, homem e mulher. Uma vez na existência, precisa ser cuidado, caso contrário, não sobrevive nem corporal nem espiritualmente.
O cuidado representa uma relação amorosa, amigável e zelosa com a pessoa envolvida. Isso vale para todos os assuntos que envolvem carinho e preocupação.
Isso também vale para o processo cosmogênico, como atestaram os cosmólogos Brian Swimme e Stephen Hawking: se as quatro energias fundamentais que regulam o universo (a gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e forte) não tivessem trabalhado com extremo cuidado e harmonia, nós não estaríamos aqui discutindo essas questões.
Além disso, o ser humano sente que precisa ser cuidado por uma série de dispositivos (holding) para levar a vida adiante e, ao mesmo tempo, percebe uma predisposição para cuidar dos outros.
Cuidar e ser cuidado são existenciais na linguagem heideggeriana (estruturas permanentes), indissociáveis da vida humana. Essa reciprocidade foi analisada detalhadamente pelo psicólogo inglês D. Winnicott (Tudo começa em casa, Martins Fontes, São Paulo 1999), enquanto cuidava dos órfãos dos bombardeios nazistas sobre Londres, permitindo-lhe desenvolver uma escola de psicologia fundada no cuidado (care) e na preocupação pelo outro.
No contexto da saúde, vale mencionar o arquétipo do cuidado representado pela enfermeira inglesa Florence Nightingale (1820-1910). Humanista e profundamente religiosa, ela melhorou os padrões da enfermagem em seu país. Durante a guerra da Crimeia, ela aplicou seus métodos de cuidado em um hospital militar, reduzindo a taxa de mortalidade de 42% para 2% em seis meses, conquistando notoriedade.
Os profissionais de saúde são, por excelência, curadores. Eles desempenham um papel messiânico, acompanhando todas as fases da enfermidade de um paciente até a cura ou até o momento da passagem. No entanto, como seres humanos, eles também enfrentam a vulnerabilidade da condição humana: momentos de desamparo, cansaço e desânimo. Surge, então, a questão: quem cuida do cuidador?
O livro Quem cuida do cuidador?, do médico Eugênio Paes Campos, narra as experiências de uma unidade de cuidado (Vozes 2005). Existem momentos em que os profissionais de saúde precisam ser cuidados. De cuidadores, passam a ser cuidados.
É fundamental a criação de uma comunidade do cuidado em unidades hospitalares, baseada na vontade de cuidar dos profissionais de saúde que se encontram sem forças para continuar. Eles precisam de apoio emocional para superar suas dificuldades.
Quando uma comunidade de cuidadores existe e há relações horizontais de confiança e mútua cooperação, os desafios da necessidade de cuidado são superados. Quem cuida também precisa ser cuidado, e isso deve ser aprendido para evitar qualquer sentimento de humilhação, promovendo, ao contrário, o fortalecimento dos laços e criando um sentimento de comunidade de trabalho e destino.
Um hospital que conta com uma comunidade de cuidadores terá profissionais de saúde que não apenas prescrevem receitas e aplicam fórmulas, mas que cuidam dos enfermos de forma integral. Com isso, o ânimo e a vontade de continuar cuidando dos pacientes são renovados.
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Cuidar, ser cuidado, mas quem cuida do cuidador? Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU