23 Agosto 2024
A ameaça à existência de uma pequena comunidade nos arredores de Tóquio é o tema dessa parábola ecológica, que acompanha a luta dos moradores para tentar evitar sua gentrificação.
O comentário é de Alysson Oliveira, publicado por CineWeb, 22-07-2024.
O mal não existe, novo filme do japonês Ryûsuke Hamaguchi (Drive my car) se recusa a explicações simples. Dessa maneira, levanta grandes questões, e, acertadamente, não as quer responder, e sim fomentar uma discussão nessa parábola ecológica sobre o processo de gentrificação de uma pequena comunidade cercada por um bosque e cervos que temem pessoas. O título já coloca uma proposição que será central ao filme, embora nunca de forma explícita. O mal é intrinsecamente humano ou uma construção? Conforme Hamaguchi explora, humanos são seres sociais, e nesse microcosmos ele monta um pequeno laboratório de investigação das dinâmicas humanas.
O cenário do filme é um lugar onde todos se conhecem e vivem em harmonia na paisagem constantemente coberta por neve. As crianças podem ir para casa sozinhas, depois da aula, não há nenhuma preocupação. O filme abre com imagens em um ângulo inusitadamente perpendicular, mostrando copas das árvores ao som da bela trilha de Eiko Ishibashi que, em vários momentos, sofre cortes abruptos, como se nos tirasse de um estado de meditação e jogasse numa realidade opressiva.
Em poucos minutos, estabelece-se a dinâmica da vida naquele lugar. Todos se conhecem e se dão bem. Até a chegada de dois relações públicas, Takahashi (Ryuji Kosaka) e Mayuzumi (Ayaka Shibutani), que chegam ao local para apresentar o conceito de glamping, uma combinação de glamour e camping – ou seja, acampamento para gente rica.
A reunião entre os dois RPs e os moradores é um momento central no filme, que rompe com a placidez de até então colocando a possibilidade de destruição daquele mundo. A cena é impressionante em mostrar o sentido de solidariedade entre os moradores contra o famigerado capitalismo corporativo que ameaça a vida local. O que é muito interessante como o roteiro assinado pelo diretor, em colaboração com Ishibashi, não vilaniza essas pessoas, pelo contrário. Eles estão no limite com o trabalho ingrato que devem fazer, e o contato com essas pessoas pode ser a gota d’água para suas próprias transformações.
Entre os moradores, destaca-se Takumi (Hitoshi Omika, que foi assistente de direção de Hamaguchi em outros filmes), uma figura de liderança – embora ainda exista uma espécie de líder formal, um ancião sábio, cujas falas são ouvidas com enorme respeito. Takumi é pai de uma menina, Hana (Ryo Nishikawa), que se mantém como uma figura misteriosa no filme. Ela gosta de vagar pela floresta congelada e observar os cervos.
Há algo de hipnótico na forma como O mal não existe é construído. Não há pressa, e a narrativa se revela aos poucos, flutuando em seu ponto de vista – ora Takumi, ora os dois RPs – e acrescentando novas camadas em detalhes e texturas que compõem as imagens e a trama. Hamaguchi, aos poucos, nos lembra dos horrores de que os humanos são capazes, e recoloca o filme numa nova perspectiva exatamente na cena final, mudando inclusive o tom e o modo de narrar pois, quando o realismo já não dá conta da realidade, a fantasia se torna a saída formal que nos expõe camadas mais profundas da nossa existência.
Nome: O mal não existe
Nome original: Aku wa sonzai shinai
Ano: 2023
País: Japão
Gênero: Suspense , Drama
Duração: 104 minutos
Classificação: 14 anos
Cor da filmagem:
Direção: Ryûsuke Hamaguchi
Elenco: Hitoshi Omika , Ryo Nishikawa , Ryuji Kosaka
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