21 Agosto 2024
"O leitor encontrará elementos do pensamento de Comblin, relidos por meio de um cronograma-teológico, que permite visualizar os elementos-chave de desenvolvimento de sua teologia ao longo de sua trajetória geográfica e intelectual, da Bélgica à sua amada, América Latina, à qual dedicou a maior parte de sua vida pessoal, pastoral e intelectual", escreve Alzirinha Souza.
Alzirinha Souza é leiga, doutora em Teologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), onde realizou a primeira tese doutoral sobre o pensamento de José Comblin. É mestre em Teologia pela Universidad San Dámaso (Madri) e pós-doutora em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É professora e pesquisadora do PPG Teologia Prática PUC Minas e do Instituto São Paulo de Ensino Superior (Itesp). É membro da Société International de Théologie Pratique e fundadora e colaboradora do Centro pesquisa e documentação José Comblin, da Unicap.
O Grupo de Pesquisa José Comblin (GPJC), coordenado pelos professores Edelcio Ottaviani (PUC-SP) e Alzirinha Souza (PUC Minas – Itesp), reúne desde 2019 pesquisadores/as e interessados pelo pensamento de José Comblin. A cada ano, seus participantes realizam a Jornada de Estudos José Comblin, sendo a última dedicada a celebração de seu centenário (1923-2023), da qual resultou a publicação do livro: José Comblin: 100 anos de vida (Ed Santuário, 2024).
José Comblin: 100 anos de vida, de Edelcio Ottaviani e Alzirinha Souza (Foto: Divulgação)
Esta obra nasceu de duas constatações importantes: a primeira faz referência a duas formas de tratar a história. Podemos abordar para esquecer, anular ou fazer memória de pessoas e eventos. A segunda constatação, decorrente da primeira, faz referência à percepção de que alguns desses eventos ou pessoas se tornaram verdadeiros acontecimentos que redirecionam o rumo da história. O evento procurou, em seu sentido mais estrito, fazer memória de sua vida e obra, mediante conferências, comunicações e debates, que tiveram por finalidade mostrar a importância de seu pensamento para o tempo presente, resultando nesta obra.
Nela, o leitor encontrará elementos do pensamento de Comblin, relidos por meio de um cronograma-teológico, que permite visualizar os elementos-chave de desenvolvimento de sua teologia ao longo de sua trajetória geográfica e intelectual, desde a Bélgica à sua amada, América Latina, à qual dedicou a maior parte de sua vida pessoal, pastoral e intelectual.
A leitura dessa obra confirma a contemporaneidade do pensamento de José Comblin, expressado em sua articulação teológica. Ao tomar em conta rapidamente a bibliografia de Comblin, pode-se arriscar concluir que sua vida e suas opções representam uma contradição. Contudo, se tomamos em consideração a razão primeira de suas opções, a saber, o amor ao Evangelho, à Igreja e aos pobres, podemos compreender melhor a razão de suas opções, por algumas consideradas inovadoras e para outros radicais, mas jamais irreflexivas.
Desde sua partida da Bélgica, justificada por ele, por não mais encontrar sentido na Igreja Europeia àquela época conduzidas pelas opções eclesiológicas de Pio XII, até sua chegada na América Latina como padre Fidei Donum, em 1957 até sua morte em 2011, fica claro que, apesar de todas as dificuldades que se apresentaram no caminho, o autor jamais deixou seu propósito inicial de manter o olhar perspicaz sobre a realidade à luz do Evangelho e apostar em seus desafios para contribuir com o avanço da reflexão teológica e pastoral.
No continente latino-americano, mergulhou na dinâmica da renovação da Igreja pós-conciliar e abraçou o apoio à nascente Teologia Latino Americana da Libertação (TdL), com a qual colaborou desde o início, principalmente com sua reflexão aguçada de exímia percepção da realidade. Assim, tornou-se um missionário, desenvolvendo duas características principais que ele mesmo dirá necessárias para essa atividade: sensibilidade humana e honestidade com a leitura do presente da história, tendo lhe permitido muitas vezes antecipar e vislumbrar as transformações eclesiais. Por isso, não raras vezes, é tido como um visionário, como afirmam seus companheiros de caminho e de teologia. Sua postura era profética: denunciava as incoerências eclesiais sem jamais pensar em deixar a Igreja. Antes, assumia esta posição porque a amava e, como tal, desejava vê-la como àquela que reflete as atitudes de discípulos/as de Jesus.
Ler suas obras de Comblin exige compreender este elemento essencial. Criticava os sistemas políticos e econômicos de seu tempo, porque estes, algumas vezes associados à própria ação da Igreja, contradiziam o mais profundo do Evangelho, geram pobres, lhes tirando a dignidade humana. Em coerência com sua fé, dedicou sua vida à formação dos pobres, especialmente leigos/as, notadamente no NE do Brasil, onde fundou 19 Escolas de Formação Missionária para leigos/as, como caminho e processo de liberação a partir do Evangelho de Cristo. Acreditava em leigos/as que pudessem anunciar ao Evangelho de forma profética.
A atualidade da teologia de Comblin é contextual, indutiva e somente é possível compreendê-la a partir destas perspectivas. À luz dessas características, levantou, à sua época, muitos temas e questões que iluminam os desafios eclesiais e pastorais da Igreja de Francisco. Resta-nos o desafio de cada vez descobrir a riqueza de seu pensamento!
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