22 Agosto 2024
"Quando questionados sobre sua fé, eles não se dizem católicos, ortodoxos ou protestantes, mas cristãos, e na consciência de serem 'cristãos em devir'. Eles não negam a Igreja que os gerou em Cristo, mas vivem uma pertença mais ampla. Como Paolo Ricca, como Roger Schutz, prior de Taizé, que nunca se converteu ao catolicismo como muitos desejavam, e não renegou sua origem reformada, mas se sentia pertencente a uma comunhão cristã mais ampla", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 19-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos em uma época de profundas mudanças não apenas no mundo, mas também na Igreja, especialmente nas Igrejas do Ocidente. Mudanças vistosas sobre as quais sociólogos e teólogos demoram a refletir, mas há também mudanças menos vistosas, quase subterrâneas, mas importantes para o futuro da fé cristã.
A morte do pastor Paolo Ricca, um grande teólogo, foi a ocasião em que surgiu uma metamorfose que ele mesmo confessou em sua vida, mas também uma verdade sentida por alguns fiéis. Ricca, que conheci há sessenta anos em Turim ao convidá-lo para ler a Bíblia para um grupo de universitários, era um pastor com uma identidade valdense da qual se orgulhava.
O que já naquela época eu via nele era a firmeza na fé. Em seus últimos anos, dava testemunho de uma jornada humana e cristã percorrida graças ao ecumenismo praticado com convicção por toda uma vida. Paolo se queixava comigo que agora o ecumenismo das Igrejas não buscava mais a unidade da fé em uma Igreja plural, mas havia se achatado a ponto de aceitar a divisão, praticando apenas uma paz e um reconhecimento mútuo. Ele ousava declarar que, nascido valdense, esperava se tornar cristão graças ao perdão de Deus.
Claro, ele sonhava e continuava a propor a única mesa eucarística para todos os cristãos, pois acreditava que a unidade da Igreja se dá em torno da fé em Cristo e da celebração da Eucaristia.
Declarava que a Igreja na qual se reconhecia era aquela dos cristãos que não conhecem os muros confessionais, mas que creem em Deus e em Jesus Cristo, que o narrou até à morte e à ressurreição: uma Igreja invisível porque não ergue muros, mas é real e possível de experimentar. Sim, precisamente o êxodo de sua própria confissão cristã nunca renegada para essa “Igreja” que transcende as confissões é um êxodo que agora fazem tantos cristãos.
Quando questionados sobre sua fé, eles não se dizem católicos, ortodoxos ou protestantes, mas cristãos, e na consciência de serem “cristãos em devir”. Eles não negam a Igreja que os gerou em Cristo, mas vivem uma pertença mais ampla. Como Paolo Ricca, como Roger Schutz, prior de Taizé, que nunca se converteu ao catolicismo como muitos desejavam, e não renegou sua origem reformada, mas se sentia pertencente a uma comunhão cristã mais ampla.
Atualmente, há católicos que quando morrem também se dizem ortodoxos, e muitos católicos que, não vendo a reforma de sua Igreja, confiam pertencer a essa comunhão que haure força da palavra de Deus. Ricca foi um cristão exemplar para os nossos tempos, uma testemunha da santidade ecumênica que empreendeu uma metamorfose que está forjando uma nova figura de cristão.
Quando o ouvimos há alguns meses na basílica de São Pedro em Roma, primeiro protestante a pregar sob aquelas abóbadas, tivemos um vislumbre de sua personalidade de cristão ecumênico que respira como discípulo de Cristo sob a primazia da Palavra.
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Uma igreja sem muros. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU