08 Agosto 2024
Sandra Manzella é uma visitante frequente do Oriente Médio e da terra de Israel. De suas viagens, traz impressões e textos de aprofundamento de caráter histórico, inter-religioso e social. Com a Oligo Editore, publicou Gerusalemme ancora (2024, pp. 308). Recentemente, visitou os locais do massacre terrorista de 7 de outubro de 2023 em território israelense.
O artigo é de Sandra Manzella, escritora italiana, em artigo publicado por Settimana News, 07-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Estamos entrando no chamado 'Envelope de Gaza': não uma entidade geográfica, mas um território de segurança de dez quilômetros na fronteira entre Gaza e Israel. Estamos deixando Ashdod para trás e logo chegaremos a Sderot. Embora as sirenes antimísseis do Iron Dome, o nosso sistema de interceptação, não tenham tocado já há algum tempo, nunca se sabe. Na verdade... o alerta no 'Envelope' é diferente do resto de Israel; no lugar de sirenes, aqui os alto-falantes emitem duas palavras: zteva adom, ou seja, alerta vermelho. Os procedimentos mudam. Se estiverem em áreas abertas, deitem-se de bruços no chão e cubram a cabeça com os braços; da última vez, tive de deitar no asfalto quente e queimei os braços. Além da violência dos mísseis, o perigo vem dos estilhaços de metal, pedra e vidro. Se estiverem perto de um abrigo, terão quinze segundos para chegar até ele. Os abrigos são claramente identificáveis, vocês os veem? Há quatro somente neste estacionamento. Vocês os encontram praticamente em todos os lugares, especialmente perto de pontos de ônibus ou locais públicos".
Amit Museai é um sobrevivente do massacre do Festival Nova no deserto de Negev de 7 de outubro de 2023, o feriado de Simchat Torah, data gravada no coração de todos os israelenses como a de um segundo Holocausto. Normalmente, ele trabalha como guia turístico, mas, nos últimos meses, aceita acompanhar grupos de pessoas aos locais do ataque.
"As portas dos abrigos estão fechadas, se abrem automaticamente em caso de necessidade. A migunit não pode ser fechada por dentro e é por isso que, infelizmente, alguns bunkers se tornaram armadilhas mortais quando os terroristas jogaram granadas em seu interior. Esse foi o destino de três de meus amigos mais queridos: Adir, Shiraz e Céline". O tom de voz de Amit é tranquilo, mas a lentidão com que ele pronuncia essas últimas palavras é um sinal de grande sofrimento: a reelaboração do trauma passa por contar aquela terrível experiência.
Subimos até o topo de uma colina nos arredores de Sderot, e diante de nós está a fronteira com a Faixa de Gaza, a apenas quatro quilômetros de distância. Dividindo-nos, há torres de vigilância, balões com câmeras, franco-atiradores escondidos e uma estrada movimentada, paralela a um longo muro de defesa que, como uma fita cinza, se estende pela paisagem verde. No horizonte, colunas de fumaça, ecos de explosões e o cinza das aglomerações urbanas, cujos nomes Amit diz: Beit Hanoun, o campo de refugiados de Jabalya e a cidade de Gaza à esquerda, até a colina que interrompe a nossa visão. Mais ao sul, Khan Yunis, a passagem de Rafah e o Egito.
Retomamos o nosso caminho até a Chabad House, onde, no pátio, os restos dos foguetes Qassam foram reutilizados para construir uma Menorá, o tradicional candelabro de sete braços. Ao lado, num playground, destaca-se um longo túnel de concreto pintado de amarelo e verde como uma centopeia. É um dos primeiros abrigos construídos aqui para não assustar as crianças: eu me lembro bem dele, pois já havia estado em Sderot e ido até o ponto Black Arrow, agora uma zona militar proibida.
Outros bunkers, enfeitados com árvores e flores, podem ser vistos nos jardins das casinhas brancas de telhados vermelhos, dispostas em fileiras ordenadas ao longo de avenidas arborizadas. Não há ninguém circulando: a cidade parece vazia. Antes de 7 de outubro de 2023, havia trinta mil habitantes, mas muitos foram embora e muitas atividades comerciais fecharam, apesar da ajuda do governo israelense para os que residem no 'Envelope'.
Chegamos ao local onde ficava a delegacia de polícia, agora um pátio aberto transformado em um memorial para os agentes mortos, decorado com fotos, flores e murais pintados no prédio em frente. Outros prédios estão crivados de balas, mudos espectadores de tantas histórias de heróis e vítimas de uma batalha travada rua a rua e casa a casa. Justamente nessa área, quando toca o alarme, os aposentados que estavam num um ônibus desceram para se refugiar no bunker, mas infelizmente a porta não se abriu e todos foram massacrados em poucos minutos.
Novamente em marcha pela Rota 232, que está coberta de grandes manchas escuras no asfalto remendado, porque a passagem dos tanques quase destruiu a base de sustentação da estrada. Descemos, atravessando o Negev, passando por kibutzim de nomes muito presentes nos noticiários daqueles dias, cada um com sua própria história de ataques, combates, defesas desesperadas, incêndios: Kfar Azza, Be'eri, Nachal Oz...
Entre o kibutz Be'eri e Reim fica a área do Festival de Música Nova. Entramos na área onde cerca de quatro mil pessoas, entre jovens e organizadores, estavam dançando e ouvindo música. A clareira foi transformada em um memorial por famílias e várias organizações, mas ainda não há nada oficial.
O campo é vigiado por um serviço de segurança e muitos militares: centenas de postes com bandeiras e fitas amarelas, cada um com a foto de uma vítima, em sua base velas e, principalmente, muitas flores vermelhas de plástico, resina ou cerâmica, como as anêmonas que florescem na primavera e colorem todos os gramados ao redor, destino de passeios despreocupados. Morte e vida: uma árvore foi plantada para cada vítima.
É aqui que Amit nos guia, refazendo as ações daquela madrugada: em um painel com um mapa do parque, ele nos mostra a localização de sua tenda, o local onde estava dançando e as rotas de fuga. Ele nos faz reviver o caos, a poeira que se respirou, os empurrões, a corrida para os campos abertos, os telefonemas frenéticos para a família.
E depois a preocupação de não ter notícias dos amigos que deveriam se juntar a ele, cujos corpos só foram identificados em 16 de outubro, nove dias após o ataque: as vidas de Adir, Shiraz e Céline, como as de muitos outros, foram ceifadas na entrada do Kibutz Mefalsim. A última mensagem de Céline, para o celular do marido, tinha a intenção de tranquilizar: há soldados aqui. Infelizmente, em vez disso, eram terroristas.
A última etapa é no "cemitério dos carros": mais de mil e quinhentos veículos danificados, destruídos, incendiados, inclusive veículos de socorro para impedir a chegada de ajudas. Alguns carros tinham explosivos em seu interior, portanto, a recuperação não foi isenta de perigo.
Foi um longo trabalho, aquele de rastrear os proprietários, por meio da identificação de restos humanos, itens pessoais e informações valiosas contidas em celulares ou câmeras. "O mundo precisa saber, já existem negacionistas espalhando notícias falsas. E eu prefiro esclarecer que meu testemunho não prevê uma narrativa dupla: não me perguntem sobre Gaza, eu não quero falar a respeito. Meu objetivo é mostrar os lugares onde os efeitos do ódio e da violência do Hamas mudaram o nosso mundo".