29 Julho 2024
"Mas a contradição maior no cristianismo nacional se refere ao enorme volume de recursos arrecadados por igrejas, algo diretamente conectado ao fato de seus líderes e integrantes serem também proprietários de grandes empresas, principalmente do setor de comunicação social", escreve André Ricardo de Souza, em artigo enviado diretamente ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
André Ricardo de Souza é Doutor em sociologia pela USP, professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar, pesquisador do CNPq, coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (NEREP) e autor de O cristianismo brasileiro contemporâneo: aspectos econômicos, assistenciais, políticos e ecumênicos (EdFUSCar e FAPESP).
O cristianismo é tradicionalmente entendido como a soma de católicos e evangélicos, havendo, entretanto, segmentos não protestantes chamados de ‘neocristãos’ por cientistas sociais da religião, entre os quais sobressaem os espíritas pela quantidade de adeptos e o ressaltado trabalho assistencial. Com base nisso e considerando, no censo de 2010, o contingente dos sem religião (que segue crescendo, como o dos evangélicos), verificamos que o conjunto dos seguidores de religiões não cristãs era inferior a 3%, havendo constrangimento e acentuada vitimização de intolerância em uma parte deles: a dos adeptos dos cultos afro-brasileiros. Daí podermos dizer que em vez de pluralismo religioso, que pressupõe plena liberdade de culto, o que há no país é uma pluralidade cristã.
A face cristã mais longeva é a assistencial, que continua com grande presença na sociedade brasileira, através de entidades e atividades católicas, espíritas e ecumênicas de prevalência evangélica, fazendo parte do amplo e heterogêneo campo do terceiro setor. Observa-se aí o explícito uso político-eleitoral por denominações pentecostais, projetando determinados integrantes para que eles venham compor a representação delas em câmaras municipais, assembleias legislativas e no Congresso Nacional. Há muitos casos registrados desse tipo, com destaque para os atuais deputados federais: Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, e Marco Feliciano, da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento. Neste meio estão as controversas comunidades terapêuticas, como aquela ligada a Feliciano, que são em grande maioria evangélicas pentecostais, seguidas pelas carismáticas católicas. Elas costumam ter problemas estruturais-sanitários, fazem ostensivo proselitismo e uso de recursos públicos, algo que fere a laicidade do Estado.
Mas a contradição maior no cristianismo nacional se refere ao enorme volume de recursos arrecadados por igrejas, algo diretamente conectado ao fato de seus líderes e integrantes serem também proprietários de grandes empresas, principalmente do setor de comunicação social. A isenção fiscal, defendida pelos atores envolvidos, em nome da liberdade religiosa, os beneficia diretamente, além das suas corporações devocionais. Aí também há uso político-eleitoral, fortalecendo candidaturas de indivíduos que atuarão em cargos legislativos e executivos em prol de suas denominações e dos negócios a elas e eles vinculados. Tal atuação política se combina com o extremismo de direita, marcado por feições negacionistas, que envolve também espíritas.
Essas características todas do cristianismo brasileiro foram abordadas em uma longa pesquisa por mim conduzida, que abrangeu também aspectos mais condizentes com os originários valores cristãos, presentes em práticas econômicas autogestionárias (economia solidária) e assistenciais, efetivamente gratuitas, sem busca da projeção de candidatos a cargos públicos e em solidariedade a segmentos sociais bastante vulneráveis e marginalizados, como é o caso da Pastoral do Povo da Rua.
A pesquisa mencionada no artigo foi publicada em livro, que teve lançamento ecumênico em 20/07, contando com a participação do Pe. Júlio Lancellotti, das pastoras luteranas Romi Bencke e Lusmarina Garcia, e dos escritores espíritas Cesar Perri e Flávio Tavares, tendo a venda do dia sido revertida à Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, conforme vídeo a seguir:
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Quão grande, paradoxal e diverso é o cristianismo no Brasil? Artigo de André Ricardo de Souza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU