18 Mai 2016
Antes de obter o consentimento do Papa Francisco para uma entrevista com o La Croix, o nosso enviado especial permanente em Roma, Sébastien Maillard, teve que renovar várias vezes o seu pedido, mas, de acordo com o próprio papa, soube fazer isso de maneira "humilde".
A reportagem é de Guillaume Goubert e Sébastien Maillard, publicada no jornal La Croix, 17-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Antes, houve um acordo de princípio por parte do papa. Depois, em um domingo, um e-mail do padre Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, marcou o encontro para a segunda-feira, 9 de maio, às 16h30. Uma lista de perguntas tinha sido previamente transmitida ao papa, a seu pedido.
Naquele dia, Sébastien Maillard e Guillaume Goubert, diretor de redação, acompanhados pelo padre Lombardi, dirigiram-se à Casa Santa Marta, onde reside o papa no Vaticano. Esperaram-no em uma sala no piso térreo. O papa chegou sozinho, com alguns minutos de antecedência.
Depois das fotos, a conversa ocorreu em italiano, mas, de vez em quando, o papa introduzia alguma expressão francesa: "Ah, la laïcité française!", exclamou, arrastando maliciosamente a penúltima sílaba.
A conversa durou pouco mais de uma hora, em um clima descontraído. Concordou-se que o texto tirado da entrevista seria relido pelo papa antes da publicação. O papa, depois, foi embora, como tinha vindo, simples e sorridente, privadamente, assim como aparece em público.
Eis a entrevista.
"É preciso integrar os migrantes"
Nos seus discursos sobre a Europa, o senhor fala das "raízes" do continente, mas sem jamais defini-las como cristãs. Em vez disso, define a identidade europeia como "dinâmica e multicultural". Na sua opinião, a expressão "raízes cristãs" não é apropriada para a Europa?
É preciso falar de raízes no plural, porque há muitas. Nesse sentido, quando ouço falar de raízes cristãs da Europa, eu temo às vezes o tom, que pode ser triunfalista ou vingativo. E, então, torna-se colonialismo. João Paulo II falava disso com um tom tranquilo. A Europa, sim, tem raízes cristãs. O cristianismo tem o dever de "borrifá-las", mas em um espírito de serviço, como no lava-pés. O dever do cristianismo, para a Europa, é o serviço. Erich Przywara, grande mestre de Romano Guardini e de Hans Urs von Balthasar, nos ensina: a contribuição do cristianismo a uma cultura é a de Cristo com o lava-pés, ou seja, o serviço e o dom da vida. Não deve ser uma contribuição colonialista.
O senhor fez um gesto forte, trazendo consigo refugiados de Lesbos para Roma, no dia 16 de abril. Mas a Europa pode acolher tantos migrantes?
É uma pergunta justa e responsável, porque não se pode escancarar as portas de forma irracional. Mas a pergunta de fundo a se fazer é por que há tantos migrantes hoje em dia. Quando eu fui para Lampedusa, há três anos, esse fenômeno já estava começando. O problema inicial são as guerras no Oriente Médio e na África, e o subdesenvolvimento do continente africano, que provoca a fome. Se há guerras, é porque existem fabricantes de armas – que se justificar pela defesa – e, sobretudo, traficantes de armas. Se há tanto desemprego, é por causa da falta de investimentos que possam gerar empregos, dos quais a África tanto precisa.
Isso levanta, de modo mais geral, a questão de um sistema econômico mundial que caiu na idolatria do dinheiro. Mais de 80% das riquezas da humanidade estão nas mãos de cerca de 16% da população. Um mercado completamente livre não funciona. O mercado, em si mesmo, é uma coisa boa, mas deve haver, como ponto de apoio, um terceiro, o Estado, para controlá-lo e equilibrá-lo. É o que se chama de economia social de mercado.
Voltemos aos migrantes. A pior acolhida é a de "guetizá-los", enquanto, ao contrário, é preciso integrá-los. Em Bruxelas, os terroristas eram belgas, filhos de migrantes, mas vinham de um gueto. Em Londres, o novo prefeito [Sadiq Khan, filho de paquistaneses muçulmanos] prestou juramento em uma catedral e, sem dúvida, será recebido pela rainha. Isso demonstra para a Europa a importância de reencontrar a sua capacidade de integrar. Eu penso em Gregório Magno [papa de 590 a 604], que negociou com aqueles que eram chamados de bárbaros, que, depois, se integraram. Essa integração é ainda mais necessária hoje em dia, quando a Europa conhece um grave problema de desnatalidade, em razão de uma busca egoísta de bem-estar. Instala-se um vácuo demográfico. Na França, no entanto, graças à política familiar, essa tendência é atenuada.
O medo de acolher os migrantes se alimenta, em parte, do medo do Islã. Na sua opinião, o medo causado por essa religião na Europa é justificado?
Eu não acho que agora haja um medo do Islã como tal, mas do Daesh e da sua guerra de conquista, tirada em parte do Islã. A ideia de conquista é inerente à alma do Islã, é verdade. Mas ela poderia ser interpretada com a mesma ideia de conquista, no fim do Evangelho de Mateus, em que Jesus envia os seus discípulos a todas as nações. Diante do atual terrorismo islamista, seria oportuno nos interrogarmos sobre a maneira pela qual foi exportado um modelo de democracia, ocidental demais, para países em que havia um poder forte, como no Iraque. Ou na Líbia, que tem uma estrutura tribal. Como dizia um líbio há algum tempo: "Antigamente, nós tínhamos Gaddafi. Agora temos 50!". No fundo, a coexistência entre cristãos e muçulmanos é possível. Eu venho de um país onde eles convivem em boa familiaridade. Lá, os muçulmanos veneram a Virgem Maria e São Jorge. Em um país da África, me disseram, para o Jubileu da Misericórdia, os muçulmanos fazem uma longa fila na catedral para passar pela porta santa e rezar para a Virgem Maria. Na África Central, antes da guerra, cristãos e muçulmanos viviam juntos e devem reaprender a fazer isso hoje. O Líbano também demonstra que isso é possível.
"Um Estado deve ser laico"
O peso que o Islã tem hoje na França, assim como o vínculo histórico do país com o cristianismo, levantam problemas recorrentes sobre o lugar das religiões no espaço público. Qual é, na sua opinião, uma boa laicidade?
Um Estado deve ser laico. Os Estados confessionais acabam mal. Isso vai contra a história. Eu acho que uma laicidade acompanhada por uma lei sólida que garanta a liberdade religiosa oferece um quadro para se seguir em frente. Nós somos todos iguais, como filhos de Deus ou com a nossa dignidade de pessoa. Mas cada um deve ter a liberdade de exteriorizar sua própria fé. Se uma mulher muçulmana quer usar o véu, ela deve poder fazer isso. Assim também se um católico quer portar uma cruz. Deve-se poder professar a própria fé, não ao lado, mas dentro da cultura. Uma pequena crítica que eu dirigiria para a França a esse respeito é de exagerar a laicidade. Isso provém de uma maneira de considerar as religiões como uma subcultura e não como uma cultura, para todos os efeitos. Eu temo que essa abordagem, que se compreende como a herança do Iluminismo, ainda esteja presente. A França deveria dar um passo a mais nesse assunto, para aceitar que a abertura à transcendência é um direito de todos.
Em um quadro laico, como os católicos deveriam se posicionar para defender as suas posições sobre questões éticas, como a eutanásia ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
É no Parlamento que se deve discutir, argumentar, explicar, raciocinar. Desse modo, uma sociedade cresce. Assim que a lei for votada, o Estado deve respeitar as consciências. Em toda estrutura jurídica, a objeção de consciência deve estar presente, porque é um direito humano, incluindo para um funcionário do governo, que é uma pessoa humana. O Estado também deve respeitar as críticas. Essa é uma verdadeira laicidade. Não podemos deixar de levar em conta os argumentos dos católicos, dizendo-lhes: "Você fala como um padre". Não, eles se apoiam no pensamento cristão, que a França desenvolveu de forma notável.
O que a França representa para o senhor?
La fille aînée de l'Église... mais pas la plus fidèle! [A filha mais velha da Igreja... mas não a mais fiel!] (risos). Nos anos 1950, também se dizia: "França, país de missão". Nesse sentido, é uma periferia a ser evangelizada. Mas precisamos ser justos com a França. A Igreja lá possui uma capacidade criativa. A França também é uma terra de grandes santos, de grandes pensadores: Jean Guitton, Maurice Blondel, Emmanuel Levinas – que não era católico –, Jacques Maritain. Penso igualmente na profundidade da sua literatura. Eu também aprecio como a cultura francesa impregnou a espiritualidade jesuíta em relação à corrente espanhola, mais ascética. A corrente francesa, que começou com Pedro Fabro, embora sempre insistindo no discernimento do espírito, dá outro sabor. Com os grandes espirituais franceses: Louis Lallemand, Jean-Pierre de Caussade. E com os grandes teólogos franceses, que tanto ajudaram a Companhia de Jesus: Henri de Lubac e Michel de Certeau. Eu gosto muito destes dois últimos: dois jesuítas que são criativos. Em suma, é isso que me fascina da França. Por um lado, essa laicidade exagerada, a herança da Revolução Francesa e, por outro, tantos grandes santos.
Qual é o santo ou a santa que o senhor prefere?
Santa Teresa de Lisieux.
O senhor prometeu ir para a França. Quando imagina que poderá fazer essa viagem?
Recentemente, eu recebi uma carta de convite do presidente François Hollande. A Conferência Episcopal também me convidou. Não sei quando vai acontecer essa viagem, porque o ano que vem é eleitoral na França, e, em geral, a prática da Santa Sé é de não fazer tal deslocamento nesse período. No ano passado, tínhamos começado a levantar hipóteses em vista dessa viagem, incluindo uma passagem por Paris e pela sua periferia, por Lourdes e por uma cidade aonde nenhum papa se dirigiu, Marselha, por exemplo, que representa uma porta aberta para o mundo.
A Igreja na França vive uma grave crise de vocações sacerdotais. Como fazer hoje com tão poucos padres?
A Coreia oferece um exemplo histórico. Esse país foi evangelizado por missionários vindos da China que, depois, voltaram para a China. Mais tarde, durante dois séculos, a Coreia foi evangelizada por leigos. É uma terra de santos e de mártires que hoje tem uma Igreja forte. Para evangelizar, não é preciso de padres necessariamente.
O batismo dá a força para evangelizar. E o Espírito Santo, recebido no batismo, impulsiona a sair, a levar a mensagem cristã, com coragem e paciência. É o Espírito Santo o protagonista daquilo que a Igreja faz, o seu motor. Muitos cristãos ignoram isso. Ao contrário, um perigo para a Igreja é o clericalismo. É um pecado que se comete a dois, como o tango!
Os padres querem clericalizar os leigos, e os leigos pedem para ser clericalizados, por facilidade. Em Buenos Aires, eu conheci inúmeros bons párocos que, vendo um leigo capaz, logo exclamavam: "Façamos dele um diácono!". Não, é preciso deixá-lo como leigo. O clericalismo é particularmente importante na América Latina. Se a devoção popular lá é forte, é justamente porque é a única iniciativa dos leigos que não é clerical. E continua sendo mal compreendida pelo clero.
A Igreja na França, particularmente em Lyon, está sendo atualmente atingida por escândalos de pedofilia que remontam ao passado. O que se deve fazer nessa situação?
É verdade que não é fácil julgar determinados fatos depois de décadas, em outro contexto. A realidade nem sempre é clara. Mas, para a Igreja, nesse âmbito, não pode haver prescrição. Para aqueles abusos, um padre que tem vocação de levar uma criança para Deus a destrói. Dissemina o mal, o ressentimento, a dor. Como disse Bento XVI, a tolerância deve ser zero. Com base nos elementos de que eu disponho, eu acredito que, em Lyon, o cardeal Barbarin tomou as medidas necessárias, tomou as coisas bem em mãos. É corajoso, criativo, missionário. Agora, devemos esperar pelo prosseguimento do processo perante a justiça civil.
Portanto, o cardeal Barbarin não deve renunciar?
Não, seria um contrassenso, uma imprudência. Depois da conclusão do processo, isso será visto. Mas, agora, seria como se declarar culpado.
"Todos saímos diferentes do Sínodo"
No dia 1º de abril, o senhor recebeu Dom Bernard Fellay, superior-geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Está novamente prevista a reintegração dos lefebvrianos na Igreja?
Em Buenos Aires, eu sempre falei com eles. Eles me cumprimentavam, me pediam uma bênção de joelhos. Eles amam a Igreja. Dom Fellay é um homem com quem se pode dialogar. Não é assim com outros elementos um pouco estranhos, como Dom Williamson, ou outros que se radicalizaram. Eu acho que, como já disse na Argentina, eles são católicos a caminho da plena comunhão. Durante um Ano da Misericórdia, pareceu-me que eu devia autorizar os seus confessores a perdoar o pecado do aborto. Eles me agradeceram por esse gesto. Antes, Bento XVI, que eles respeitam muito, tinha liberado a missa segundo o rito tridentino. Dialoga-se bem, faz-se um bom trabalho.
O senhor estaria disposto a lhes conceder um status de prelazia pessoal?
Seria uma solução possível, mas, em primeiro lugar, é preciso estabelecer um acordo de fundo com eles. O Concílio Vaticano II tem o seu valor. Prossegue-se lentamente, com paciência.
O senhor convocou dois sínodos sobre a família. Esse longo processo, na sua opinião, mudou a Igreja?
É um processo que começou com o consistório [de fevereiro de 2014], introduzido pelo cardeal Kasper, antes de um Sínodo extraordinário em outubro do mesmo ano, seguido por um ano de reflexão e por um Sínodo ordinário. Acho que todos saímos diferentes desse processo em relação a como entramos. Eu também. Na exortação pós-sinodal [Amoris laetitia, de abril de 2016], eu tentei respeitar ao máximo o Sínodo. Vocês não vão encontrar detalhes canônicos sobre o que se pode ou se deve fazer ou não fazer. É uma reflexão serena, pacífica, sobre a beleza do amor, sobre como educar os filhos, como se preparar para o matrimônio... Ela valoriza as responsabilidades que poderiam ser acompanhadas pelo Pontifício Conselho para os Leigos, sob a forma de orientações de fundo.
Além desse processo, devemos pensar na verdadeira sinodalidade, ao menos naquilo que significa a sinodalidade católica. Os bispos estão cum Petro, sub Petro [com o sucessor de Pedro e sob o sucessor de Pedro]. Isso difere da sinodalidade ortodoxa e da sinodalidade das Igrejas greco-católicas, em que o patriarca conta como um único voto. O Concílio Vaticano II dá um ideal de comunhão sinodal e episcopal. Ainda é preciso fazê-lo crescer, mesmo em nível paroquial, levando-se em conta do que está prescrito. Existem paróquias que não estão dotadas nem de um conselho pastoral, nem um conselho para assuntos econômicos, enquanto o Código de Direito Canônico exige isso expressamente. A sinodalidade também se joga nesse nível.
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"Um Estado deve ser laico. O dever do cristianismo é o serviço." Entrevista do Papa Francisco ao jornal La Croix - Instituto Humanitas Unisinos - IHU