Jair Bolsonaro, Javier Milei, Nikolas Ferreira, Ricardo Salles, Magno Malta e Eduardo Verástegui. Esses foram alguns dos nomes proeminentes da extrema direita nacional e internacional que compareceram à edição 2024 do CPAC Brasil, em Balneário Camboriú (SC), no último final de semana. A versão brasileira do congresso conservador realizado anualmente nos Estados Unidos, importada em 2019 pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), posiciona o Brasil de maneira central no ecossistema da extrema direita internacional. É o que avalia Camila Rocha, doutora e mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Menos Marx mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil (Todavia, 2021).
Em entrevista ao podcast Pauta Pública desta semana, Rocha explica o intercâmbio político com outros países conservadores que afetam a política nacional. Para a cientista política, “a formação de um bloco [de extrema direita] que faça frente contra o globalismo é cada vez mais perseguida pelos políticos de direita”.
Durante a conversa, Rocha avalia o papel de eventos como o CPAC para alavancar a militância orgânica da extrema direita fora e dentro das redes sociais, fomentando a formação de alianças transnacionais.
Rocha destaca ainda que o movimento de extrema direita está recrutando influenciadores para fortalecer suas fileiras, citando exemplos como o presidente argentino Javier Milei e o eurodeputado francês Jordan Bardella. A cientista enfatiza a relevância dessa estratégia, que “contorna as dinâmicas partidárias tradicionais”.
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A entrevista é de Andrea DiP, Clarissa Levy, Ricardo Terto e Stela Diogo, publicada por Agência Pública, 13-07-2024.
Camila, o CPAC surgiu como evento nos EUA em 1974 e foi trazido para o Brasil em 2019 por Eduardo Bolsonaro. Como você analisa de maneira geral a promoção desse evento no nosso país, e quais efeitos ele traz para a política nacional e da América Latina?
Eu entendo por que o CPAC foi trazido para o Brasil. Isso posiciona o país de uma maneira central no ecossistema da extrema direita internacional. Quando eu falo em central, estou pensando na circulação de repertórios de educação, estratégias e táticas.
Eu acho que esse compartilhamento de experiências é uma coisa muito importante, que acontece nesse tipo de evento. Isso afeta a política nacional, considerando justamente esse tipo de intercâmbio. Há a troca de experiências com outros países, e, se formos pensar, até mesmo o Brasil exporta repertórios para a América Latina.
Certamente, o fato do Brasil ter tido o governo Bolsonaro foi muito importante para a América Latina. No sentido de reforçar alianças e construir novos laços que não existiam antes entre políticos, assessores, militantes e ativistas que circulam nesse meio da extrema direita.
Eu entendo que essas alianças transnacionais vão sendo formadas em vários circuitos, e eventos como o CPAC são parte disso. Acho que é algo cada vez mais perseguido por políticos de direita. Formar uma espécie de “bloco” para fazer frente ao que eles entendem como globalismo. Claro que cada país terá seu próprio contexto, mas eles tendem a se unir contra esse inimigo em comum.
Algo que impacta as alianças transnacionais de extrema direita é no momento em que essas pessoas percebem que fazem parte de um movimento internacional. No momento em que percebem que ali estão pessoas defendendo valores muito parecidos, isso ajuda a alimentar uma crença no poder da extrema direita do ponto de vista global.
Os políticos transmitem esses eventos ou falam de outros países em suas redes sociais. É algo importante para alavancar a militância orgânica da extrema direita.
Esse evento parece estar inserido em uma disputa maior da extrema direita por capilaridade social e articulação do campo conservador, tanto entre políticos da institucionalidade como das “lideranças” dos movimentos. Em sua análise, para que direção este campo está apontando? Em quais agendas a extrema direita aposta suas fichas?
De forma geral, há o uso de um discurso democrático com um verniz para demandas antidemocráticas. Seja porque atentam explicitamente contra instituições democráticas ou atentam contra os direitos fundamentais de minorias.
Esse discurso se fortalece cada vez mais nesse campo, então há necessidade de legitimação por meio do discurso democrático. Por exemplo, quando as lideranças de extrema direita são qualificadas como populistas, isso é algo que para as próprias lideranças é tido como positivo. Porque é visto por eles como ao lado do povo, contra as instituições que são corrompidas e ineficientes.
É interessante perceber que, sobretudo na América Latina, como o discurso radical de livre mercado tem uma penetração muito importante. É por meio do reforço dessa percepção, de que as instituições políticas são corrompidas e não funcionam, que esse discurso avança para outros terrenos que não avançavam antes. No Brasil, avança para a educação, saúde e até mesmo a segurança pública, se pensarmos na privatização dos presídios.
No âmbito da América Latina, há uma aposta específica nesse sentido, que vem sendo reforçada pelo presidente da Argentina, Javier Milei, e Nayib Bukele, presidente de El Salvador. Durante o governo Bolsonaro, também tivemos isso quando pensamos no Ministério da Economia ocupado por Paulo Guedes.
Na América Latina há a questão da luta contra o tráfico, que é algo muito central e acaba acionando os traumas da população. Em termos globais, há uma sincronia da defesa da “família tradicional” e dos valores que essa família representa; temos uma oposição ao que é tido como natural e o artificial. Nesse caso entram muitas questões de gênero e pautas relacionadas à população LGBTQIA+.
É sempre importante ressaltar o caráter autoritário que vem ficando cada vez mais explícito à medida que observamos os governos de extrema direita no poder. É interessante porque parece sempre uma coisa repetida, começa com uma figura desacreditada e, no final, essa pessoa consegue ser alçada para uma posição de poder.
Um fenômeno interessante que é observado é o recrutamento que grupos e partidos de extrema direita têm feito junto a influenciadores. Isso acontece no Brasil há algum tempo, mas observamos em outros países também, pensando em políticos que são nativos digitais.
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, é um bom exemplo disso e o também presidente argentino, Javier Milei. Essa é uma dinâmica que aponta para uma tendência nesse sentido de recrutar quadros que já têm um reconhecimento popular por conta da atuação nas redes, e se aproveitar disso para a política no âmbito da extrema direita.
Isso é interessante porque é uma dinâmica que contorna as dinâmicas partidárias tradicionais e as dinâmicas relacionadas à seleção de elites econômicas. Essa dinâmica atual favorece uma aceleração do processo de formação de quadros.