14 Junho 2024
O representante da FAO para a América Latina e o Caribe alerta que apesar dos progressos alcançados na segurança alimentar, ainda existem 43 milhões de pessoas na região que sofrem de fome.
A reportagem é de Carlos S. Maldonado, publicada por El País, 13-06-2024.
Uma boa notícia na luta pela segurança alimentar na América Latina. O escritório regional da FAO para a região destacou que pelo menos três milhões de pessoas saíram “do quadro mais dramático da fome” na América Latina e no Caribe, uma conquista que, nas palavras de Mario Lubetkin, representante da FAO no subcontinente, é “uma luz que começa a iluminar o caminho” para melhorar as condições alimentares numa região que ainda não superou o golpe da pandemia e cuja produção alimentar é fortemente afetada pelas alterações climáticas. Apesar dos progressos, Lubetkin alerta que ainda existem 43 milhões de latino-americanos que sofrem de fome e 130 milhões que não comem bem.
Na semana passada, a FAO apresentou a chamada Aliança Parlamentar Ibero-Americana e Caribenha para a Segurança Alimentar, com o apoio das agências de cooperação internacional da Espanha e do México e de representantes de mais de 10 países. A nova iniciativa visa unir forças para promover iniciativas nos parlamentos regionais para servir o setor agroalimentar e erradicar a fome e a desnutrição no subcontinente. Lubetkin alerta que os três milhões de latino-americanos que saíram da situação de fome “não significa que estejamos a viver uma mudança de tendência e devamos estar felizes”, porque ainda há milhões de pessoas que não têm garantia de alimentação. A FAO está a preparar um novo relatório sobre a situação da fome na região, cujos resultados serão apresentados em julho e espera confirmar a tendência de redução da fome. “Se os números se confirmarem, e eu tiver a sensação de que estamos no caminho certo, podemos começar a dizer que os resultados positivos começam a ocorrer”, afirma Lubetkin.
Os países latino-americanos ainda não conseguiram superar o golpe da pandemia de covid-19. A fome na América Latina aumentou 30% entre 2019 e 2020, afetando 59,7 milhões de pessoas, segundo relatório publicado pela ONU em 2021. Devido à pandemia, as economias da região foram fechadas, milhões de pessoas perderam seus empregos e cadeias de abastecimento alimentar. foram afetados, afetando as importações de alimentos em países mais vulneráveis, como as ilhas caribenhas. “Essa queda na segurança alimentar não foi recuperada”, disse Lubetkin numa entrevista por telefone. “Sim, houve um cenário de recuperação diversificado, mas nem toda a região está reagindo da mesma forma. É claro que há um impulso forte, mais concreto e positivo na zona sul-americana e no México, que são naturalmente áreas de forte produção alimentar. Essa é a área que facilitou chegar aos três milhões que escaparam da fome”, explica.
Ficaram para trás as ilhas do Caribe e a América Central, regiões afetadas por catástrofes naturais e pela destruição causada pelo aquecimento global. O chamado Corredor Seco Centro-Americano é atingido pela falta de chuvas, que afeta a produção de alimentos básicos como milho e feijão. Os países mais vulneráveis à seca são Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua, onde dados oficiais mostram que mais de 70% das colheitas destes alimentos básicos para os habitantes da região foram perdidas. “A América Central expressa como as alterações climáticas são outro fator tremendo na luta contra a fome. Segundo os dados que temos da região mesoamericana, não houve progressos nem retrocessos, mas o enorme esforço que fizeram para avançar foi muito afetado pelas alterações climáticas”, explica Lubetkin.
O representante da FAO alerta, porém, que a maior preocupação da organização está no Caribe, que apresenta o cenário mais negativo em relação ao acesso aos alimentos. O Haiti afunda essa área nos dados regionais, visto que segundo relatório publicado pela organização em 2023, 44% dos haitianos sofrem de fome severa. A violência das gangues, a crise econômica e política e os efeitos climáticos significam que 4,3 milhões de haitianos enfrentarão insegurança alimentar aguda entre agosto de 2023 e fevereiro de 2024. De acordo com a última análise dos focos de fome da FAO, o Haiti é um dos nove países que enfrentam riscos de fome e está entre os cinco com mais de 10% da população em fase de emergência alimentar.
Os países das caribenhos “não recuperaram o nível de rendimentos que tinham no período pré-covid com o turismo”, lembra Lubetkin, que se refere ao golpe sofrido pelas companhias aéreas e navais, que garantem a ligação destes países com o resto do mundo, tanto para viajantes como para transporte de alimentos. Lubetkin afirma que o Caribe importa praticamente 100% de suas necessidades alimentares e as famílias da região tiveram que enfrentar a perda de renda e o aumento dos preços dos produtos. Isso tem levado milhões de pessoas a optarem por alimentos de qualidade inferior, o que influencia no aumento da obesidade.
A obesidade é, de fato, um dos problemas que mais preocupa a FAO. Lubetkin descreve-o como um problema “muito grave”, dado que 25% da população latino-americana é obesa e 8,6% das crianças menores de cinco anos também apresentam excesso de peso, enquanto a média mundial é inferior a 6%. “Já não basta comer, se não se trata de comer bem. No mundo há 730 milhões de pessoas que sofrem de fome e há 1 bilhão de obesos, com os riscos que a obesidade tem para a saúde humana, com o que isso significa para os custos dos cuidados. Há uma razão econômica. Na América Latina e no Caribe, uma dieta diária saudável custa US$ 4, bem acima da média mundial, que é de US$ 3,60”, diz Lubetkin.
O representante da FAO afirma que as “engrenagens econômicas” de sociedades profundamente desiguais, onde a riqueza está nas mãos de uma pequena percentagem da população, encarecem um prato de comida de qualidade. Outros fatores afetam, como a ajuda aos setores produtivos e à educação, que deverão ajudar os cidadãos a escolher uma forma de alimentação mais saudável. “Não se diz que todos aqueles cidadãos que têm um rendimento diário garantido superior a quatro dólares comem necessariamente bem. O aspecto econômico é o que mais pesa e que afeta centenas de milhões de pessoas, mas há também um aspecto educativo que afeta este processo”, esclarece Lubetkin.
Este especialista de origem uruguaia afirma que para melhorar o acesso à alimentação de qualidade da população latino-americana, os governos devem investir na transformação dos sistemas agrícolas, o que inclui cuidar da terra para que continue a produzir alimentos, gerir sementes de alta qualidade, uma boa gestão dos recursos hídricos e um forte apoio aos trabalhadores agrícolas, mas também melhorar o acesso dos produtores locais aos mercados externos, reduzindo os custos que recaem principalmente sobre o produtor. Lubetkin também enfatiza a redução do desperdício de alimentos na região, onde 12% da produção é desperdiçada. Na América Latina e no Caribe, mais de 220 milhões de toneladas de alimentos são jogados fora todos os anos, o que equivale a 330 quilos por pessoa, segundo a FAO. “Se pudéssemos reduzir o desperdício – onde se unem razões produtivas, educacionais, de saúde, de infraestrutura e logísticas – estaríamos em um cenário infinitamente melhor na América Latina”, diz Lubetkin.
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Três milhões de pessoas saíram do quadro mais dramático de fome na América Latina, mas 43 milhões ainda sofrem de fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU