08 Junho 2024
“Urge propor políticas migratórias e de fronteira que tenham como eixo central o exercício dos direitos humanos das populações estrangeiras (independentemente da sua condição ou estatuto migratório). É necessário garantir a implementação de leis cuja prioridade seja o respeito à dignidade dos migrantes”. A reflexão é de Guillermo Castillo Ramírez. A tradução é do Cepat.
Guillermo Castillo Ramírez, doutor em antropologia, é pesquisador do Instituto de Geografia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Os processos migratórios internacionais e de caráter forçado existem há séculos, são parte constitutiva do mundo moderno e estão distribuídos por diferentes continentes e regiões. São diversos também os grupos populacionais que compõem as migrações. No contexto do capitalismo global neoliberal, o aumento da desigualdade, o empobrecimento e a deterioração das estruturas produtivas produziram um aumento notável nos contextos de expulsão migratória (principalmente em países do Sul global e em regiões com fortes dinâmicas de precarização das condições socioeconômicos de vida).
No início da atual década, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estimou que existiam cerca de 281 milhões de migrantes internacionais no mundo (cerca de 3,6% da população do planeta); muitos destes migrantes estavam em idade produtiva; também houve um aumento no número de mulheres nas migrações (OIM, 2022). E, de acordo com o Conselho Nacional de População (CONAPO), dos dez principais Estados-nação de destino de migrantes internacionais, grande parte deles eram economias de altos ingressos do Norte global, e receberam populações migrantes por diferentes razões e procedentes de vários continentes e regiões (CONAPO, 2023).
No âmbito global, os Estados-nação que tiveram mais migrantes internacionais foram os Estados Unidos da América (EUA), que ocupam o primeiro lugar, com mais de 51 milhões; depois vem a Alemanha, com cerca de 16 milhões; seguida pela Arábia Saudita, com 13 milhões; em quarto lugar, a Rússia com aproximadamente 12 milhões; e, o Reino Unido em quinto lugar, com 9 milhões (OIM, 2022). Em relação aos maiores remetentes de migrantes, o panorama era: em primeiro lugar a Índia, com 18 milhões; depois o México, com pouco mais de 11 milhões; seguida da Rússia, com aproximadamente 10,8 milhões; em quarto lugar, a China, com quase 10 milhões; e, por fim, a Síria em quinto lugar, com mais de 8 milhões de emigrantes (OIM, 2022).
No âmbito das Américas, os EUA são o principal destino de diferentes populações migrantes procedentes de diversas regiões do continente (América do Norte, Central e do Sul); da mesma forma, este país do Norte global é também o maior receptor de migrantes no âmbito global (CONAPO, 2023). Em relação ao México, durante grande parte do século passado, ocupou o primeiro lugar como o país que mais expulsa migrantes das Américas, e suas migrações tiveram uma direção majoritária e predominante para os EUA (CONAPO, 2022). Na verdade, no início desta década, estimava-se que havia mais de 11 milhões de mexicanos em solo estadunidense (OIM, 2022).
No entanto, embora o México seja há muito tempo um país de origem e expulsão de migrantes, desde o final do século XX vem apresentando outras dinâmicas nos corredores migratórios que ligam a América Central e a América do Norte (Castillo, 2022). Destacam-se especialmente quatro processos: deportação, retorno, trânsito e refúgio.
Primeiro processo. O México recebe milhares de deportados, principalmente mexicanos devolvidos à força pelas autoridades dos EUA. Isto tem acontecido com mais frequência nos últimos 20 anos (com as administrações de George Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden).
Segundo processo. Da mesma forma, o México também conheceu fortes processos de migração de retorno a partir dos EUA. Especialmente milhares de mexicanos que optam “voluntariamente” retornar ao México, depois de décadas de trabalho no Norte global.
Terceiro processo. Há outra dinâmica que se tornou mais perceptível e ganhou forte visibilidade midiática. Devido à sua localização geográfica, e desde o último quartel do século passado, o México tornou-se um território de trânsito forçado para diversas populações migrantes que desejam chegar aos Estados Unidos; estas são migrações anuais com dezenas de milhares de pessoas. Populações que, vindas principalmente do norte da América Central (e em menor medida do sul das Américas e de outras regiões fora do continente), migram por terra (sem passaportes e vistos) e passam pelo México em situações muito adversas com a intenção de chegar nos EUA (González, 2022).
Quarto processo. Por fim, o México tornou-se também um território de destino (temporário ou permanente) para milhares de migrantes que queriam, originalmente, se estabelecer nos Estados Unidos e que, após obstáculos intransponíveis, decidem permanecer em vários pontos do território mexicano.
Ao longo de várias décadas, o México foi se estabelecendo como um território de contenção migratória, que detém e deporta populações estrangeiras que desejam chegar a solo estadunidense. Desde o início da década de 2010, e como consequência da pressão geopolítica exercida pelos governos dos EUA sobre o México, milhares de migrantes (muitos deles provenientes de Honduras, El Salvador, Guatemala e, mais recentemente, da Venezuela e Cuba) são detidos anualmente pelas autoridades de migração mexicanas, principalmente nas fronteiras sul e norte. E uma grande parte dos migrantes detidos (particularmente centro-americanos) são deportados e forçados a regressar aos seus países de origem; isto mesmo que nos seus países de origem as situações de vida sejam muito adversas e mesmo que a sua integridade física esteja em risco.
A utilização de detenções e deportações como estratégias de controle migratório já havia ocorrido em diversas conjunturas na década anterior. Há, por exemplo, os casos de contenção de populações estrangeiras durante a crise de crianças e adolescentes não acompanhados na fronteira México-EUA em meados de 2014, e, anos depois, com as caravanas de migrantes com destino à fronteira norte do México (2018-2019).
Contudo, no segundo e terceiro anos da pandemia de Covid-19 (2021-2022) e derivado da influência dos governos dos EUA para impor a sua agenda anti-imigrante, estas estratégias de controle da imigração (detenções e deportações) foram drasticamente expressas em território mexicano. Com relativa frequência, estas detenções e deportações ocorreram em situações em que os migrantes sofreram ataques e os seus direitos humanos foram violados (tais como o livre trânsito, o acesso a tratamento digno, o direito de solicitar proteção internacional e assessoria jurídica em matéria de integridade física e liberdade de violência, poder contar com serviços de saúde, etc.).
Neste contexto, se o eixo da política migratória mexicana continuar a ser a “segurança nacional” e esta política for também determinada pela agenda anti-imigrante dos EUA, as populações migrantes continuarão a sofrer atos de violência; também não haverá respeito pela sua dignidade humana, nem a sua segurança estará garantida.
As migrações são processos com diferentes dinâmicas (econômicas, sociopolíticas e históricas), são constituídas por diferentes populações e envolvem vários países (de origem, de trânsito e de destino). Urge propor políticas migratórias e de fronteira que tenham como eixo central o exercício dos direitos humanos das populações estrangeiras (independentemente da sua condição ou estatuto migratório). É necessário garantir a implementação de leis cuja prioridade seja o respeito à dignidade dos migrantes.
Castillo Ramírez, G. (2022). Migraciones centroamericanas en México. Procesos socioespaciales y dinámicas de exclusión. IGg UNAM: Ciudad de México.
Consejo Nacional de Población (CONAPO). (2022). Anuario de migración y remesas México 2021. CONAPO: Ciudad de México.
CONAPO. (2023). Anuario de migración y remesas México 2022. CONAPO: Ciudad de México.
González, J. (2023). “Migrantes centroamericanos en tránsito por México, a través de la Encuesta sobre Migración de la Frontera Sur, 2009 y 2018”. In: Migraciones centroamericanas en México. Procesos socioespaciales y dinámicas de exclusión. IGg UNAM: Ciudad de México.
Organización Internacional de las Migraciones (OIM). (2022). Informe Sobre las Migraciones en el Mundo 2022. OIM: Genebra.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
México. País de contenção migratória na região da América do Norte. Artigo de Guillermo Castillo Ramírez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU