28 Mai 2024
"Hoje as estudantes e os estudantes que se levantam pelo povo palestino nos lembram o que realmente é a universidade: não um lugar de perpetuação do mundo como ele é, mas um laboratório de insurgência crítica que forja instrumentos para mudá-la", escreve o historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles, em artigo publicado por il Fatto Quotidiano, 27-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "uma universidade que não introjeta a lógica simplificadora da guerra, com o critério amigo-inimigo, e que seja, em vez disso, capaz de colocar tanto o poder como os seus próprios estudantes insurgidos diante de um pensamento complexo. Por exemplo, pensando que a paz não passa pelo genocídio dos palestinos, e não passa pelo cancelamento de Israel. E que - talvez uma vez passada a possibilidade concreta de imaginar dois povos em dois estados - a saída deve ser ainda mais ambiciosa: compreender que justamente os palestinos representam a possibilidade de Israel se transformar num Estado para dois povos. Isto é, plural, não mais etnocêntrico e fundamentalista; sem apartheid; laico: finalmente realmente democrático. Uma universidade assim desagradaria a todos: porque faria pensar".
O que a universidade pode fazer pela paz? Pode voltar a ser ela mesma. Quase um século atrás, Virgínia Woolf constatava que a universidade, tal como era, não poderia contribuir em nada para “prevenir a guerra", e nem imaginava uma em que se ensinasse "não a arte de dominar os outros, não a arte de governar, matar, acumular terras e capital... mas a arte das relações humanas, a arte de compreender as vidas e as mentes dos outros… O objetivo não deveria ser segregar e especializar-se, mas integrar... não existirão as barreiras de riqueza e de etiqueta, de exibicionismo e de competitividade que tornam as velhas e ricas universidades lugares onde não é bom viver: cidades hostis e atribuladas, cidades onde o que não está trancado à chave está preso com uma corrente; onde ninguém pode passear livremente e falar por medo de cruzar a linha de giz, de desagradar algum dignitário".
Uma universidade que não quer preparar para a guerra, mas para a paz, não deve, portanto, educar para o exercício do poder; para a especialização desvinculada de uma visão e de uma responsabilidade política; para o respeito proprietário dos limites disciplinares; para a submissão, a competição e o sucesso. Mas: para a cooperação; para a abertura mental, para a compreensão das diversidades e para a aceitação do outro, ou melhor, para a capacidade de compreender as diferenças como condição essencial para construir uma verdadeira igualdade. Simplificando, nas palavras de Kant, para compreender a pessoa humana não como “um meio para atingir os fins alheios, nem mesmo os seus próprios, mas como um fim em si mesmo." Não à criação de capital humano: como, ao contrário, o presidente Mattarella defendeu em sua carta oficial aos reitores e às comunidades acadêmicas no último março.
Para usar as palavras de padre Lorenzo Milani, a universidade deve servir “não para a criação de uma classe dirigente, mas de uma massa consciente": enquanto os números nos lembram que na Itália uma universidade realmente de massa nunca nasceu, e que os últimos anos marcam, na verdade, um regresso em direção a uma seleção social de acesso ao diploma. Afinal, conhecemos tudo o que divide a nossa universidade daquela imaginada por Woolf. Uma universidade redesenhada no modelo empresarial, com: reitores quase onipotentes; conselhos de administração acima dos conselhos acadêmicos; interesses privados generalizados; subfinanciamento público; negação do direito à educação; redução progressiva à pura profissionalização; disciplinamento por um sistema de avaliação que deprime o pensamento crítico e promove o alinhamento. Mas hoje as estudantes e os estudantes que se levantam pelo povo palestino nos lembram o que realmente é a universidade: não um lugar de perpetuação do mundo como ele é, mas um laboratório de insurgência crítica que forja instrumentos para mudá-la.
Nas suas palavras, escuto aquelas de Martin Luther King: “a liberdade acadêmica é uma realidade hoje porque Sócrates praticava a desobediência civil." Afinal, não são os próprios jovens que, quando ainda estavam na escola, começaram a lembrar-nos que poderiam ser a última geração devido ao desastre climático? "Façam barulho", disse-lhes o Papa Francisco: pois bem, eles ouviram-no. E hoje nos lembram que a universidade ocidental tem uma missão urgente: desconstruir, contestar, reescrever, contaminar, renegociar precisamente a chamada identidade ocidental, desmantelando toda pretensão de superioridade, domínio, imperialismo moral ou primazia cultural.
Mas eles próprios precisam de uma universidade onde aprendam que as fronteiras culturais não nos cercam, mas nos atravessam; que as identidades nacionais são invenções históricas, e não realidades naturais; que as palavras se usam sem medo (argumentar em torno da possibilidade concreta de que o que está acontecendo em Gaza seja 'genocídio' não é uma blasfêmia), com liberdade (sem correr o risco de serem rotulados como 'putinianos' ou 'antissemitas' por uma nova inquisição do pensamento tão feroz quanto ignorante), mas também com responsabilidade (rotular Israel como 'entidade sionista' significa querer a guerra, não a paz).
Uma universidade que não introjeta a lógica simplificadora da guerra, com o critério amigo-inimigo, e que seja, em vez disso, capaz de colocar tanto o poder como os seus próprios estudantes insurgidos diante de um pensamento complexo. Por exemplo, pensando que a paz não passa pelo genocídio dos palestinos, e não passa pelo cancelamento de Israel. E que - talvez uma vez passada a possibilidade concreta de imaginar dois povos em dois estados - a saída deve ser ainda mais ambiciosa: compreender que justamente os palestinos representam a possibilidade de Israel se transformar num Estado para dois povos. Isto é, plural, não mais etnocêntrico e fundamentalista; sem apartheid; laico: finalmente realmente democrático. Uma universidade assim desagradaria a todos: porque faria pensar.
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De Virginia Woolf a Gaza: assim a Universidade livre assusta. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU