07 Mai 2024
"Mas nesta crise o que me preocupa é que na Igreja não se chora, não há arrependimento ou se compõem lamentos, como Jeremias fez em seu tempo. Pelo contrário, os lamentos de Jeremias não são mais cantados na liturgia porque demasiado fúnebres e tristes para os humanos contemporâneos. Pois bem, estamos convencidos de que acabou a época da cristandade, a forma que a Igreja teve no mundo desde Constantino até os nossos dias, e que não por isso o cristianismo desaparecerá: pelo contrário, o cristianismo sempre ressurge, ontem como hoje", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 06-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sabemos que a Bíblia, o grande código dos cristãos, contém de forma irrenunciável a Bíblia hebraica que é lida e meditada como o Novo Testamento. Para os cristãos contém a palavra de Deus dirigida ao seu povo, que ainda hoje ressoa. E nos dá lições, uma decisiva: a lição do pequeno resto. Na história de Israel com o seu Deus está envolvido um povo inteiro, mas nele há um resto, uma porção que, tendo sobrevivido às destruições devidas à sua justiça, permaneceu no espaço da fé em Deus. Quase sempre fazem parte dela os pobres, 'anawîm curvados pelas opressões, mas são os hassidim, pessoas justas e fiéis que conservam as promessas de Deus e aguardam o seu dia, de libertação, mas também de juízo sobre o mundo.
Existem diferentes épocas da história em que aconteceram as catástrofes-holocausto na origem da redenção e de um recomeço, desde que as leiamos como tempos de crise e de amor nupcial entre Deus e os seus fiéis. Mas verifica-se também que, depois da prova e da destruição, o povo sabe lamentar as suas rebeliões, as suas contradições à vontade de Deus, sabe remontar do arrependimento à conversão. As Lamentações de Jeremias, um livreto composto de lágrimas e orações, são um testemunho disso.
E agora estamos numa situação semelhante na vida da Igreja: atravessamos uma crise profunda, pelo menos no Ocidente, assistimos à diminuição do número de fiéis, e alguns sem serem profetas de desgraça falam do desaparecimento de fé, repetindo as palavras de Jesus: “Mas, quando o Filho do homem vier, será que vai encontrará fé na terra?”.
Sabe-se lá quais são os sentimentos dos cristãos que parecem não se preocupar com essa crise de fé.
Jesus não fez promessas sobre a presença perene dos cristãos, ele disse que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja porque ele, o Ressuscitado, venceu.
Mas nesta crise o que me preocupa é que na Igreja não se chora, não há arrependimento ou se compõem lamentos, como Jeremias fez em seu tempo. Pelo contrário, os lamentos de Jeremias não são mais cantados na liturgia porque demasiado fúnebres e tristes para os humanos contemporâneos.
Pois bem, estamos convencidos de que acabou a época da cristandade, a forma que a Igreja teve no mundo desde Constantino até os nossos dias, e que não por isso o cristianismo desaparecerá: pelo contrário, o cristianismo sempre ressurge, ontem como hoje.
O pequeno resto tem essa fé, na consciência de não ser um grupo sectário ou uma porção privilegiada.
Aliás, sabe que é feito de pecadores, de pessoas fracas, mas com uma centelha de fé no coração. O pequeno resto sabe que mais do que cristãos somos homens e mulheres que tentam tornar-se cristãos. O pequeno rebanho não se separa dos outros, da Igreja, mas da Igreja instituição não faz um absoluto. Sabe que o Espírito de Cristo sopra quando quer e que muitos discípulos de Jesus declarados como tais estarão fora do Reino e assim muitos que aqui parecem estar fora estarão presentes e vivos no Reino.
Talvez também essa experiência histórica do pequeno resto dos judeus possa nos ensinar muitas coisas.