03 Mai 2024
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) voltou ao estado do Amazonas, nos dias 13 a 22 de abril, para verificar in loco o que faltou ser cumprido das recomendações feitas pelo órgão em sua primeira visita à região dos rios Abacaxis e Mari Mari, no município de Nova Olinda do Norte (AM). A primeira visita foi realizada em 2020, quando ocorreu o conflito que ficou conhecido como Massacre do Abacaxis.
A reportagem é de Ligia Apel, publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 30-04-2024.
A comitiva que acompanhou o CNDH foi composta por sua presidenta, Marina Dermmam; pelo conselheiro do órgão que representa a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Junior Pankararu; os relatores Marcelo Chalréo e Daniel Maranhão Ribeiro; José Roberto Tambasco, da Defensoria Pública Federal (DPF), bem como representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e representações da sociedade civil.
A comitiva percorreu as comunidades dos rios Mari Mari e Abacaxi. Dentre elas, as aldeias Laguinho e Terra Preta, as comunidades Monte Horebe, Curva do Vento, Camarão, Santo Antônio do Lira, entre outras. Essas comunidades foram alvo das atrocidades deflagradas pelos autores do massacre.
O grupo também se reuniu com representantes das Defensorias Públicas do Estado e Federal e do MPF, bem como com o vice-governador do Amazonas, Tadeu de Souza, e com a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Jussara Pedrosa.
Os encontros e reuniões buscaram abranger todos os atores que, de uma forma ou de outra, possuem responsabilidades frente à grave situação de violência e violação de direitos humanos. O objetivo da visita era conhecer “avanços das ações de responsabilização criminal, mas também os avanços da responsabilização na esfera civil para essas comunidades”, informou Dermmam.
Segundo a presidenta do CNDH, as informações obtidas junto ao Poder Executivo foram a de que houve a “responsabilização desses agentes de segurança pública na esfera administrativa, mas também os avanços nas promoções de políticas e direitos humanos nesses territórios atingidos”, afirmou a presidenta.
Na visita às comunidades, a comitiva ouviu lideranças indígenas e ribeirinhas que relataram ameaças e “compartilharam a dor e angústia predominante na região por falta de respostas [aos crimes] e impunidade, além de uma série de situações que envolvem a falta de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, regularização territorial, segurança, trabalho e economias comunitárias”, contou Dermman.
Em Nota, o CNDH compartilhou as impressões que antecedem o relatório final da visita que, em breve, será elaborado e disponibilizado à sociedade com as recomendações do Conselho e demais órgãos públicos que participaram da visita.
Para a presidenta, o crime de extrema violência praticado pelos agentes públicos é resultado do abandono do Estado e da suscetibilidade a atos criminosos que as comunidades estão expostas.
“A ausência do Estado enquanto executor das devidas políticas públicas expõe um abandono da região, aumentando sua suscetibilidade às investidas criminosas contra os povos indígenas e comunidades tradicionais ribeirinhas” constata Dermmam, e elenca as ameaças à vida na região: “garimpos, pesca, caça e exploração de madeira ilegais e o tráfico de drogas, que além de esbulharem a terra, as águas e as florestas e delas sugarem todas as suas riquezas, ameaçam quem defende os territórios e os povos que nela vivem e sobrevivem”, avalia.
Junior Pankararu também observou a situação com preocupação e a classificou como grave. ”Morreram indígenas Munduruku. Existe problemas nas políticas de saúde, educação e organização territorial. Os territórios estão totalmente desprotegidos. Apesar da terra dos Munduruku estar demarcada, está sem proteção nenhuma. A representação da Funai saiu do território e está na cidade, o que dificulta a gestão do poder público dentro dessas comunidades, inclusive para se deslocarem para receber atendimento”, explicou Pankararu que também constatou caça, pesca e garimpo ilegais.
Da mesma forma, o defensor público da União, José Roberto Tabasco, viu a situação com olhar de preocupação. Para além da ausência do Estado provendo e protegendo as comunidades em políticas públicas, Tabasco é firme ao falar dos assassinatos e da necessidade de reparação.
“[O Estado] precisa reparar as famílias que tiveram seus entes assassinados para além das reparações cíveis pelos danos causados. E [deve] não só abranger os homicídios, mas tortura, violações de domicílio e todas as formas que atingiram a dignidade do ser humano [daquelas comunidades]”, afirmou.
O conselheiro indígena também informou que “irá produzir seu relatório com as devidas recomendações, e também junto aos órgãos que têm indígenas, como o próprio Ministério dos Povos Indígenas, a SESAI e a Funai”.
Com especial atenção às ameaças de morte sofridas pelos povos indígenas e ribeirinhos da região, o CNDH “solicitará providências imediatas para proteção às pessoas que estão sofrendo ameaças, reforços à necessidade, não só da responsabilização desses crimes, mas irá chamar o poder público para que adote medidas efetivas para a promoção dos direitos humanos desses povos ameaçados e violados dos seus direitos, que garanta seus direitos sociais fundamentais e a execução de políticas públicas”, concluiu Dermmam.
Dom Leonardo Steiner, presidente do Conselho Indigenista Missionário, agradeceu ao CNDH e à comitiva que visitou as comunidades. Para o presidente do Cimi, foi significativo e alentador para os moradores da região, a presença de pessoas e órgãos responsáveis por garantir sua segurança.
“É muito importante que o CNDH se envolva seriamente nessa situação do Massacre do Abacaxis, para que não fique só no esquecimento, mas também proponha ações concretas em benefício das comunidades e também das pessoas que foram atingidas, foram violentadas”, afirmou o cardeal.
Esperançoso de que o caso não ficará impune, Dom Leonardo informou que aguardará o Relatório final da visita para que ele, a Igreja e a sociedade consigam acompanhar as realizações dos encaminhamentos. “Aguardamos um relatório final para podermos acompanhar o que precisa ser feito e esperamos que o Conselho, junto com o Ministério Público e a Polícia Federal, possa realmente levar a bom termo essa questão e não deixar impunemente essa violência em relação aos ribeirinhos e povos indígenas da região dos rios Abacaxis e Mari Mari”, considerou.
Para além da preocupação pela impunidade ou reparação que possa vir a acontecer, Dom Leonardo se preocupa com a proteção da localidade. “É muito fácil retirar [uma pessoa que esteja ameaçada], mas como dar proteção local? Porque não se trata de uma pessoa, de duas pessoas, se trata sempre de uma aldeia, se trata de uma grande família, ela toda precisa ser protegida”, afirma.
Questionado sobre a compreensão da Igreja sobre uma possível impunidade, o cardeal é categórico: “se trata de violência em relação aos pequenos, violência em relação aos pobres, e nós não podemos deixar passar isso. Nós não podemos deixar isso no passado, nós temos que realmente levar adiante, e esse é o trabalho da Igreja. A Igreja não está interessada em nada além da justiça”, concluiu.
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CNDH visita área onde ocorreu Massacre do Rio Abacaxis e constata que o medo ainda persiste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU